Como editor, era exigente e não perdoava erros crassos de ortografia e concordância verbal. Pegava no pé mesmo

No início da década de 1990, durante o governo do presidente Fernando Collor, o jornalista Milton Coelho da Graça, um dos mais brilhantes do país, estava no “Diário da Manhã”, atendendo convite do amigo Batista Custódio. Experimentado, orientava os mais jovens, fazia correções e, eventualmente, reescrevia alguns textos. Por vezes, dizia que era mais fácil escrever outro texto do que reescrever matérias ruins, desmotivadas. Apreciava a precisão, o rigor na apuração factual, mas destacava que o jornalista precisa ser criativo, não no sentido de “inventar”, e sim de escrever um texto mais vivo e de interesse do leitor.

Lembro-me que um repórter tinha o hábito de escrever “racha” para indicar que havia divisão em grupos políticos. Um dia, pegou uma caneta vermelha, talvez um pincel, e anotou: “Você escreveu o racha da sra. Fulana de Tal. Não pega bem, não é? Escreva assim da próxima vez: ‘A sra. Sicrana de Tal provocou uma divisão política no partido ‘X’”. Guardei vários de seus bilhetes com apontamentos sobre a edição do jornal. Milton Coelho da Graça não perdoava erros crassos, sobretudo de ortografia e concordância verbal.

Milton Coelho da Graça: jornalista | Foto: Reprodução

Certa feita, Milton Coelho da Graça chamou um editor do jornal e perguntou se queria ir com ele para Alagoas para trabalhar num jornal, salvo engano, da família Collor de Mello. O jornalista não quis, optando por ficar em Goiânia. Parece que havia sido sondado para dirigir um jornal articulado por PC Farias, mas, homem decente, acabou escapando da missão inglória.

No sábado, 29, Milton Coelho da Graça morreu, aos 90 anos, de complicações derivadas da Covid-19.

O jornalista era um fazedor de jornais (foi editor-chefe de “O Globo”) e revistas. Era repórter. Era redator (houve um tempo em que as redações mantinham ases para reescrever as reportagens — gente do naipe de Graciliano Ramos). Era editor. Era chefe de redação. Enfim, um faz-tudo.Tudo que fazia virava ouro.

Tenho um exemplar da revista “Realidade”, de 1968, com Fidel Castro na capa. A reportagem, muito bem-feita, é de Milton Coelho da Graça. Tudo que ele recomendava aos repórteres está lá — precisão, cuidado especial com os fatos, para não forçá-los, e criatividade. E, claro, escrevia muito bem. O título da capa é: “Cuba,1968 — Nosso repórter viveu o comunismo de Fidel”.