Mike Tyson merece um lugar ao lado de Muhammad Ali e sua biografia merece ser lida
31 maio 2014 às 11h06
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Não sei por quê, mas são as personalidades mais complicadas, com uma vida mais diversificada, que chamam a atenção dos leitores, inclusive a minha. É o caso de Mike Tyson, um dos maiores boxeadores da história.
O boxe é visto como uma luta, e é mesmo uma luta, mas entendidos como Jack London, H. L. Mencken, Hemingway, Norman Mailer, John Huston e Joyce Carol Oates (seu livro “O Boxe” é ótimo) o consideram uma arte, com os punhos se tornando pincéis. Os melhores lutadores são estilistas e vencem, na maioria das vezes, não (apenas) pela força, e sim pela união entre temperamento artístico e uma técnica refinada.
Vistos por um olhar que não percebe a fusão entre arte e energia, Manny Pacquiao, de 35 anos, e Floyd Mayweather, de 37 anos, embora fortes fisicamente, não parecem capazes de vencer seus adversários, alguns verdadeiros toureiros-estivadores. Pacquiao bate duro e nocauteou vários de seus adversários. Mayweather não é um nocauteador, mas, com suas esquivas perfeitas e seus golpes refinados, nunca perdeu uma luta.
Recentemente, o argentino Marcos Maidana fez aquilo que Mayweather não esperava: começou no ataque desde o início, impedindo que o americano lutasse ou, mesmo, se esquivasse. Intrigado e, até, confuso, Mayweather procurava fugir, mas, aos poucos, percebeu que o touro argentino estava se cansando e, pacientemente, esperou. Aí, quando Maidana não tinha mais fôlego e atacava de maneira atabalhoada, o campeão começou a estocá-lo e venceu a luta. Maidana não gostou do resultado, porque parece ter confundido pressão excessiva com resultado. Não resta dúvida de que, nos primeiros cinco rounds, o argentino sufocou o americano, mas sem castigá-lo de maneira eficiente, para deixá-lo machucado ou desgastado. Maidana, diferentemente de Pacquiao (quando está em forma) e de Mayweather, é boxeador para cinco ou seis rounds. Nos rounds seguintes, luta com o coração, o que não é suficiente para vencer lutadores da categoria de Pacquiao e Mayweather.
Antes dos dois lutadores, havia Cassius Clay, depois Muhammad Ali. Em 1974, venceu George Foreman, um boxeador muito mais forte, dono, talvez, da maior pegada da história do boxe. Porém, como boxe não é apenas luta, em que ganha o que tem mais pegada e energia, Ali o derrotou, por nocaute, na batalha do Zaire. Norman Mailer conta, no livro “A Luta”, que Ali começou a ganhar a batalha ainda fora do ringue. Nas suas entrevistas e em contatos esporádicos com jornalistas, começou a dizer que ganharia a luta e que Foreman era um “homem morto”, um “otário”. Foreman, um boxeador excepcional, não conseguia entender e, por isso, não tinha como responder às diatribes de Ali.
No ringue, assistiu-se a um Foreman apático, caçando Ali de maneira desconexa. Ali, pelo contrário, golpeava (uma abelha “picando”), escapava e provocava um oponente que, ele sabia, era muito mais forte. Embora caçado no ringue, o caçador, de verdade, era Ali, que, de repente, golpeou o gigante Foreman e o nocauteou. Na empolgante luta que mobilizou um país africano, a arte, a inteligência, a astúcia e a técnica venceram a força.
Mike Tyson era um lutador híbrido, quer dizer, uma mistura mignon de Foreman, com a pegada explosiva deste, e de Ali. Deste herdou a técnica apurada, a capacidade de esculpir a luta como queria, dominando o adversário, tornando-o quase uma presa. Ali, falando, e Tyson, partindo para cima como um selvagem, intimidavam os adversários mesmo antes do contato físico. Mas faltava a Tyson, no ringue, a inteligência e a astúcia de Ali. Se atacado, se atingido, perdia o controle e, às vezes, a luta. Não que seu queixo fosse de vidro, como dizem alguns, talvez não apreciadores de boxe. Nada disso. O fato é que, se atingido, descontrolava-se. Outras vezes, rico e poderoso, lutava fora de forma ou mesmo dopado.
Drogado. Descompensado. Ainda assim, ninguém pode negar que Mike Tyson, um boxeador notável, merece um lugar de destaque ao lado de Jack Dempsey (analisado por Mencken), Jake LaMotta, Rocky Marciano, Sugar Ray Robinson, Joe Louis, Sonny Liston, Ken Norton, George Foreman, Muhammad Ali, Sugar Ray Leonard, Roberto “Mãos de Pedra” Duran, Julio Cesar Chávez e Eder Jofre. Tyson é um deles. A história lhe fará justiça. Portanto, para um aficionado do boxe, como eu, é imperdível um livro como “Mike Tyson — A Verdade Nua e Crua” (Benvirá, 512 páginas), de Larry Sloman e Mike Tyson. Duvido dê-ó-dó que uma biografia autorizada (uma espécie de autobiografia, na verdade) contenha a verdade nua e crua. Entretanto, como a vida de Tyson é por demais conhecida, talvez mais pública do que ele gostaria, é possível que a tenha apresentado sem esconder detalhes nada edificantes. Ele foi condenado por estupro e, nas entrevistas para promover o livro, tem dito que isto não aconteceu. Não li o livro, então não posso opinar a respeito. Mas, se a garota estuprada não foi ouvida, perde-se um elo importante e a biografia se torna mais uma defesa de Tyson do que obra para iluminar sua conturbada vida.