Ludhmila Hajjar, a médica que não se dobrou à barbárie populista de Bolsonaro
21 março 2021 às 00h00
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Não se curvando à pressão dos “mictórios do ódio”, a médica da USP entrou grande e saiu gigante do Palácio do Planalto
A médica Ludhmila Hajjar, nascida em Anápolis mas radicada em Sampa, onde se tornou professora da Universidade de São Paulo (USP) e trabalha em hospitais de alta qualidade — o cardiologista Roberto Kalil diz que, além de uma grande profissional, é uma gestora eficiente, uma workaholic —, é uma mulher de fibra, de coragem.
Convidada pelo presidente Jair Bolsonaro para ser ministra da Saúde, aceitou conversar, pois queria entender se poderia mudar “tudo”. Porque o governo federal está errando, em tempo integral, no combate à pandemia — inclusive quando seu líder máximo não usa máscara, duvida da eficácia da vacina e faz pilhéria com as mortes (por sua fala, fica-se com a impressão de que as pessoas estão morrendo não por causa do novo coronavírus, da Covid-19, e sim por falta de coragem).
Ludhmila Hajjar quis saber se o presidente estava mesmo disposto a mudar sua postura pessoal (“contaminante”, porque é um “influencer”) e a modificar a ação (inação) do governo no combate à pandemia. Seria uma volta para o caminho da ciência (e do humanismo), que, desde a saída do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, se tornou um “demônio” para Bolsonaro e seus principais aliados.
Não era exatamente o que pretendia o presidente. Bolsonaro queria mudanças cosméticas, algumas adaptações, para o governo voltar a ser popular e, deste modo, ter garantias de que irá para a reeleição com chance de vencer os candidatos do PT e do centro.
A medicina, nestas condições, não estaria a serviço da vida, de salvar vidas, e sim a serviço de elevar a popularidade de Bolsonaro. Isolamento social mais rigoroso no Nordeste? De jeito nenhum. Porque lá o Lula da Silva do Bolsa Família ainda é um político forte.
Uma campanha mais acentuada pela vacinação? Também não. O governo Bolsonaro não está inteiramente inerte, mas, tendo chegado atrasado para adquirir vacinas — quando outros países, como Estados Unidos e Israel, saíam na frente —, não busca acelerar a vacinação. Como vítimas de uma guerra civil, à qual as pessoas (quase) não têm como reagir, por falta de amparo do governo federal, já morreram quase 300 mil brasileiros.
Pois, ao saber que teria de fazer mudanças cosméticas, mais para elevar a popularidade de Bolsonaro, Ludhmila Hajjar teve a coragem de dizer “não”. Sabia que, ao rejeitar o convite, seria atacada pelos “gabinetes do ódio”; na verdade, um equivalente eufemístico para “mictórios do ódio”. Mas seu histórico de médica altamente qualificada é um antídoto eficaz — uma vacina poderosa — contra os ataques tão gratuitos quanto articulados pelo exército bolsonarista.
Quem conhece Ludhmila Hajjar diz que a jovem médica, de 43 anos, nasceu séria. De fato, pacientes contam que é extremamente focada e dedicada. Sabe o que quer e o que não quer. Sabe o que funciona e o que não funciona. A médica entrou “grande” e saiu “gigante” do Palácio do Planalto. A dra. ficou maior como não-ministra. Se tivesse aceitado o cargo, dado o caráter errático de Bolsonaro, talvez, no médio prazo, saísse menor como… médica.
No lugar de ler e assistir paralisado às agressões a Ludhmila Hajjar nas redes sociais, o Brasil deveria aplaudi-la e defendê-la. Pela coragem. Pela competência. Pela humanidade. Por entender que salvar vidas não tem nada a ver com eleições. Bolsonaro não quer saber, mas a vida não tem estepe — é só uma.