O livro “La Llamada — Un Retrato” (Anagrama, 430 páginas), da argentina Leila Guerriero, está na 15ª edição. A reportagem histórica, por assim dizer, é um portento. Trabalho de jornalista com vocação para historiadora e, sim, detetive (Sam Spade e Marlowe). A pesquisa da obra tem como objetivo “repor” a verdade, que, soterrada por tantas versões — e dores —, se torna obscura e manipulável. A verdade, quando ressaltada à exaustão, se torna luminosa. É o caso.

Por isso, palmas para a Editora Todavia, que, em junho deste ano, colocará nas livrarias “A Chamada — Um Retrato” (464 páginas), com tradução de Silvia Massimini Felix.

“A Chamada” cita o psicanalista argentino Hugo Dvoskin como “companheiro” de Silvia Labayru. Ele tem ligações com lacanianos brasileiros, sobretudo do Rio Grande do Sul.

Silvia Labayru: perseguida pela ditadura dos generais e, depois, pelos companheiros Montoneros | Foto: Divulgação

Mario Vargas Llosa escreveu sobre o trabalho da autora: “O jornalismo praticado por Leila Guerriero é o dos melhores redatores da [revista] ‘New Yorker’: implica trabalho rigoroso, investigação exaustiva e um estilo de precisão matemática”.

No jornal “El Mundo”, Antonio Lucas disse sobre o jornalismo de Leila Guerriero: “A narração é formidável. Por um lado, reverbera a crônica. Por outro, a biografia. Em todas as páginas, o jornalismo. Em qualquer parágrafo, o brilho das palavras… um exercício de jornalismo formidável. Uma literatura do exato ou minucioso. Um ruído de artérias, um sulco vital”.

Leila Guerriero: um das mais importantes jornalistas globais | Foto: Ale López/El País

O escritor Rodrigo Fresán assinalou: “Um livro — na acepção mais ampla e argentina do termo — bestial, com presas afiadas mas que não só desgarra: também é desgarrador [insolente , escandaloso]. Com ‘La LLamada’, Leila Guerriero — com certo distanciamento, como deve ser — escreveu seu ‘A Sangue Frio’ [livro de Truman Capote] ou, melhor dito, seu ‘A Sangue Quente’”.

Sergio del Molino acrescentou: “As histórias de Leila estão cheias de paciência e silêncios entre as frases. Isto que acaba de publicar é um de seus melhores trabalhos, senão o melhor. É soberbo: a observadora na plenitude de seu olhar”.

Leila Guerriero é uma das mais importantes jornalistas globais — não apenas da Argentina. Um pouco de seu imenso talento pode ser conferido nos textos que publica na revista brasileira “Piauí”. Com a repórter é assim: jovens estavam se suicidando numa região da Argentina e a imprensa publicava, no geral, apenas aquilo que a polícia lhe passava. Sem mais. Porque abandonar a redação, com ar-condicionado, é mesmo muito complicado.

Pois Leila Guerriero foi à localidade, conversou com todo mundo, ou quase todo mundo, e escreveu um livro luminoso a respeito. Ela é assim: não gosta de informação de segunda mão. Felizmente, não é da época em que jornalismo e release das “fontes” se tornaram hermanos.

O livro que resultou de sua investigação é “Los Suicidas del Fin del Mundo”. É de 2005. O livro permanece circulando nas livrarias argentinas.

Pelo livro, Leila Guerriero ganhou o Prêmio Zenda de Narrativa 2023-2024 e o Prêmio Cátedra Mujeres y Medios UDF 2024. Se fosse norte-americana, teria ganhado o Pulitzer.

Leia trecho da contracapa do livro

“No final dos anos 1960, com 13 anos, a argentina Silvia Labayru era uma adolescente tímida, leitora, amante dos animais, entusiasta de John J. Kennedy, e filha de uma família de militares que incluía seu pai, membro da Força Aérea e piloto civil.

Silvia Labayru: coragem para denunciar as atrocidades cometidas pela ditadura da Argentina | Foto: Divulgação

“Foi nessa época que ingressou no Colégio Nacional Buenos Aires, uma instituição pública de grande prestígio, responsável pela formação da elite portenha. Ali, teria contato com grupos estudantis de esquerda, tornando-se uma militante aguerrida.

“Em março de 1976, ocorreu na Argentina um golpe de Estado que deu início a uma feroz e sangrenta ditadura militar. Nessa época, grávida de cinco meses e com 20 anos, Labayru já fazia parte da organização Montoneros, grupo armado de origem peronista [ela era do setor de Inteligência]. Em 29 de dezembro daquele ano, foi sequestrada por militares e levada à Esma, a famigerada Escola de Mecânica da Armada, onde funcionava um centro clandestino de detenção no qual milhares de pessoas foram torturadas e assassinadas, um lugar que ainda hoje assombra a memória civil argentina. Lá, deu à luz sua filha, que, uma semana depois, foi entregue aos avós paternos.

Alfredo Astiz, o “Anjo de Morte”: responsável pelo desaparecimento de três mães da Plaza de Maio, duas freiras francesas e do jornalista Rodolfo Walsh | Foto: Reuters

“Na Esma, Labayru foi torturada, obrigada a realizar trabalho escravo, violentada repetidamente e forçada a representar o papel de irmã de Alfredo Astiz, um membro do Exército [na verdade, Marinha] que se infiltrou na organização Madres de Plaza de Mayo. Essa operação resultou no desaparecimento [assassinato] de três Mães da Praça de Maio e duas freiras francesas.

“Foi libertada em junho de 1978 e, no avião rumo a Madri, junto com a filha de um ano e meio, pensou que o inferno tinha acabado. Mas haveria mais dissabores. Os argentinos no exílio a repudiaram, acusando-a de traição devido ao desaparecimento das mulheres ligadas às Mães da Praça de Maio. Rejeitada por aqueles que haviam sido seus companheiros de militância, construiu uma vida. Até que, em 2018, foi contatada em Buenos Aires por um homem que havia sido seu companheiro nos anos 1970 e, em uma sequência de manipulações familiares que alteraram seu destino, passou a se desenrolar uma história que continua até hoje.

“A jornalista Leila Guerriero começou a entrevistá-la em 2021, enquanto aguardava-se a sentença do primeiro julgamento por crimes de violência sexual cometidos contra mulheres sequestradas durante a ditadura, no qual Labayru era denunciante. Este é o retrato de uma mulher com uma história complexa, na qual se entrelaçam amor, sexo, violência, humor, filhos, pais, infidelidade, política, amigos — e na qual ressoa uma chamada telefônica, feita da Esma, em 14 de março de 1977, que lhe salvaria a vida.”

(A Editora Todavia traduziu — acima — o texto da Editora Anagrama. Eu repus os pequenos cortes, nada relevantes, por sinal. A editora brasileira precisa corrigir um erro: Armada é Marinha, não Exército. Vale acrescentar que Alfredo Astiz, o “Anjo da Morte”, também é responsável pelo desaparecimento — assassinato — do brilhante jornalista argentino Rodolfo Walsh.)

Leila Guerriero escreve na Piauí e em El País

Aos 58 anos, Leila Guerriero escreve em vários jornais. No Brasil, colabora na revista “Piauí” (espécie de “New Yorker” patropi).

Leila Guerriero é uma Truman Capote que trata os fatos como mais rigor (não escreve romance de não-ficção — escreve não-ficção) e, ainda assim, com uma imaginação literária poderosa e impressionante.

A jornalista escreve para o principal jornal da Espanha, “El País”, e é uma das editoras da revista mexicana “Gatopardo”.

Publica textos no “La Nación”, jornal da Argentina, entre outros, como “Rolling Stone”.

Livros da “reportera” mais famosa da Argentina

Los Suicidas del fin del Mundo, crônica de uma cidade patagônica. 2005. Tusquets Editor.

Frutos Extraños, crônicas coletadas 2001–2008, Alfaguara, 2009.

Los malditos, Ediciones UDP, 2011.

Plano americano, 21 perfis de artistas originalmente publicados em diversos meios de comunicação, Ediciones UDP, 2013.

Una Historia Sencilla, Anagrama, 2013.

Zona de Obras, Anagrama, 2015.

Cuba en la Encrucijada: 12 perspectivas sobre la continuidad y el cambio en La Habana y en todo el país, Editora Knopf Doubleday, 2018.

La Dificuldade del Fantasma — Truman Capote en la Costa Brava”. Editora Anagrama.

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