Jornal Nacional deveria divulgar mais reportagens exclusivas e expor análises competentes
13 junho 2021 às 00h00
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Mostrar o cotidiano dos jornalistas gera impacto nas redes sociais, mas não melhora o jornalismo no dia a dia
William Bonner, apresentador e editor-chefe, informa que o “Jornal Nacional” vai mostrar o cotidiano dos repórteres — os profissionais que divulgam as notícias e fazem a mediação dos fatos para os telespectadores. Nada mais justo-humanizador e, claro, gera debates nas redes sociais. As pessoas querem saber mais sobre os jornalistas, sobre como produzem suas reportagens.
Mas o que realmente há com o “Jornal Nacional”? A audiência permanece alta, o que mantém o produto como líder no mercado, acima do jornalismo da Record (que é de qualidade), da Band e do SBT. Mas não é a mesma de outrora, e não devido ao “avanço” da concorrência da tevê aberta. Na verdade, com a internet e a multiplicidade do entretenimento — filmes, séries, documentários, e tantas coisas mais —, o interesse do público dispersou-se.
O “JN” não piorou. Seu jornalismo continua de alto nível, os apresentadores são de primeira linha — ninguém supera William Bonner, por exemplo. Há reportagens de qualidade, não raro exclusivas.
Se o jornalismo é de qualidade, e mesmo assim a audiência não sobe, o que fazer?
É preciso admitir que o “JN”, mesmo apresentando um excelente resumo dos fatos do dia, está chegando “velho” — déjà vu — às casas e aos celulares dos telespectadores.
Não dá para ignorar que, durante o dia, os canais de jornalismo por assinatura, além dos jornais que têm portais na internet, apresentam os fatos de modo até extenuante, esmiuçando-os de maneira quase anatômica. Quando são “reapresentados” no “Jornal Nacional”, às 20h30, os fatos, por demais conhecidos e massificados, praticamente deixaram de ser interessantes, sobretudo se não forem escândalos do tipo que se tornam novelas. Então, se os fatos são “velhos”, a cobertura tradicional deles também se torna “velha” e, pela repetição, cansativa.
Há alguma saída para o “JN” manter o nível — excelente, insista-se — e cativar seu público histórico?
Há pelo menos dois caminhos, que, ainda que não sejam novos (a GloboNews, sobretudo no “Em Pauta”, é um exemplo bem-sucedido), podem ser reforçados.
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Primeiro, não dá para deixar de divulgar as principais notícias do dia; entretanto, é possível ampliar a vulgarização com uma cobertura mais detalhada, esmiuçada. Talvez seja possível acoplar análises curtas — tipo “pílulas” — sobre o que aconteceu durante o dia. Por exemplo: a CPI da Covid-Quase 500 mil discutiu determinado tema, às vezes confundindo as pessoas, até as relativamente bem-informadas. Então, um jornalista versado em saúde pode entrar no ar e explicar o que aconteceu — posicionando-se. Pode-se também convocar a pós-doutora Natália Pasternak, que tem a contenção adequada ao jornalismo — pensa-se que às vezes excede, mas não é fato; é apenas enfática, e é preciso ser —, para comentar os acontecimentos, apontando o que é fato e o que, de alguma maneira, é ficção.
A economia cresceu 1,6% no semestre. É informação crua — e positiva. O que fazer? Convoque-se a jornalista Flávia Oliveira, que entende de economia, para explicar o que levou ao crescimento. Um economista, que não seja palavroso, também pode ir ao ar e analisar o fato. Mas não para apenas dizer: “A economia cresceu porque o agronegócio foi bem e há uma expansão mundial”. Ao mesmo tempo, se a agropecuária vai bem, se há um âncora verde alavancando o crescimento, seria interessante mostrar os responsáveis por isso, os agentes humanos. Com detalhes extras, tipo: vendem para quais países, como fazem os negócios, como os produtos são levados para os portos e como se processa a exportação? O dado exposto de maneira nua tira a humanidade da notícia, coisifica-a, por assim dizer. Quem é o maior produtor individual de soja do Sudoeste de Goiás? O país está diversificando a sua produção? Goiás, por exemplo, está produzindo látex na região do Vale do São Patrício, notadamente em Goianésia. Às vezes, como o governo é onipresente, fica-se com a impressão de que o país voltou a crescer por causa de seus acertos. Quando, não raro, está crescendo à revelia do governo — como se a economia estivesse, a rigor, no piloto automático.
Não se está defendendo que o “Jornal Nacional” troque inteiramente a exposição factual pela análise. Na verdade, o que se está sugerindo é que a análise seja incluída, e não que se torne dominante. Duas análises por dia, curtas (mas não inteiramente telegráficas), são suficientes. Análises em excesso se tornam uma coisa chatíssima, inviável. É como avaliar que se tem de ler apenas o incontornável James Joyce, um autor difícil, esquecendo que Henry James também pode ser uma delícia. A GloboNews tem analistas de primeira linha, é certo, mas, sobretudo no “Em Pauta” — que é de qualidade —, às vezes se confunde mera “opinião”, “do contra”, com análise (que precisa ser abrangente e sustentada, como no caso de Demetrio Magnoli, que também merece ir ao “JN”).
André Trigueiro está sendo aproveitado como “reserva” na apresentação do “JN” — e ele cumpre bem o papel (embora esteja a anos luz de William Bonner). Mas deveria ser testado como analista-comentarista de meio ambiente.
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No jornalismo de televisão, e talvez no impresso-digital, não prevalece a ideia de que menos é mais. De fato, o “JN” acostumou o telespectador com uma avalanche de notícias. Talvez seja o caso de condensar aquilo que foi vulgarizado o dia todo e investir mais em reportagens exclusivas de amplo interesse público. Quem é que não deixa o celular de lado para ver uma reportagem especial de Marcelo Canellas?
O Brasil é um gigante de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e uma população de 210 milhões de pessoas. Mas o jornalismo da Globo — e das demais emissoras — prioriza a cobertura dos fatos ocorridos em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, seu Triângulo das Bermudas, digamos. Um jornalismo mais “brasileiro”, revelando o país para todos, talvez seja uma maneira de despertar interesse. William Bonner relata fatos sobre a Amazônia, e é possível que a conheça a passeio, mas por que não ir lá, transmitindo alguma notícia acontecida na região? Por que não “deixar” André Trigueiro um mês por lá — o excelente profissional que é certamente vibraria com a oportunidade — para nos contar, com seus olhos atentos e críticos, o que realmente acontece? O jornalismo da Globo precisa de mais cheiro das ruas — de terra — do que da assepsia dos hospitais de alta qualidade, como o Sírio-Libanês e o Hospital Albert Einstein.
De resto, embora não se esteja defendendo um jornalismo “integrado”, talvez seja útil, para atrair diversidade, reduzir o jornalismo apocalíptico. A tropa de choque de Bolsonaro, para esconder os quase 500 mil mortos — quase uma Guerra Civil Americana —, fala nos mais de 15 milhões de recuperados. Mas há aí uma oportunidade para reportagens sobre a qualidade dos profissionais de saúde do país. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros, tiveram de aprender “coisas novas” para salvar vidas, em todo o país, e em tempo recorde. Há o que contar para além das mortes. E, de fato, precisamos celebrar a vida, a despeito da barbárie preconizada pelo bolsonarismo. Quando sai às ruas, de motocicleta e sem máscara, Bolsonaro pode parecer que personifica um “mensageiro da morte”, mas é possível que seja visto, por parte de muitas pessoas (não necessariamente bolsonaristas), como um indivíduo-referencial que celebra a vida e o prazer. A percepção das “mensagens” (ou “recados”), de como “atingem” as pessoas, nem sempre é igual para todos.
A excelência do “JN” e da Globo merece o aplauso dos telespectadores. Mas o que já é bom pode, para ganhar mais — inclusive audiência —, melhorar. É preciso reforçar o jornalismo de qualidade, radicalizando-o, e glamourizar menos a figura do jornalista…