“Vou morrer convencido até os ossos de que os jornalistas prestam um serviço público para o bem do país. Os Estados Unidos ficam melhores quando têm repórteres na Sala de Conferências da Casa Branca fazendo perguntas difíceis, mesmo que às vezes pareçamos um pouco exagerados. Esse barulho é o som que uma democracia saudável emite ao funcionar.” — Jim Acosta, no livro “O Inimigo do Povo

No livro “O Inimigo do Povo — Uma Época Perigosa Para Dizer a Verdade” (Harper Collins, 382 páginas, tradução de Rogério W. Galindo), o jornalista Jim Acosta diz que uma ex-autoridade da Casa Branca lhe contou que o presidente Donald “Trump assiste à CNN o tempo todo”. A fonte acrescentou: “Ele assiste à Fox News para se sentir melhor”.

Jim Acosta frisa que Trump declarou guerra tanto à imprensa quanto aos fatos. Por isso, sublinha, “nossa luta pela verdade começava”.

Jim Acosta confronta Donald Trump na Casa Branca | Foto: Reprodução

Trump, frisa Jim Acosta, “usa a instabilidade como meio de governo. Vencer ao tornar tudo à sua volta instável”.

Judy Woodruff, da PBS, contou a Lesley Stahl, na síntese de Jim Acosta, que “Trump lhe confidenciou que chama a mídia de ‘fake news’ para que as pessoas não acreditem no que a imprensa diz”. É o mesmo que faz o ovo da serpente, o bolsonarismo, no Brasil.

A CNN parecia prestigiar e defender Jim Acosta, ao menos é que ele diz no seu livro. Porém, com o país comandado por Trump, que está jogando mais duro do que no primeiro governo, quando já abominada o repórter — por fazer perguntas críticas —, o profissional acabou pedindo para sair da rede de televisão americana. Talvez tenha sido uma espécie de demissão cinza.

Jim Acosta pediu demissão ao vivo da CNN. O âncora, um dos mais conhecidos dos Estados Unidos, se recusou a ser transferido de um telejornal do período da manhã para outro na madrugada (queriam “escondê-lo” do público e, sim, de Trump). Quem exigiu a mudança sabia, por certo, que a transferência não seria aceita. Portanto, empurraram o profissional, que Trump e seu entourage consideram como “inimigo”, para fora.

Na terça-feira, 28, ao pedir demissão, Jim Acosta culpou o presidente Trump: “Como filho de um refugiado cubano, levei para casa a lição de que nunca é um bom momento para se curar a um tirano”.

Livro de Jim Acosta é duríssimo com a primeira gestão de Donald Trump | Foto: Jornal Opção

Crítico e sempre firme, Jim Acosta nunca recuou nas suas críticas ao governo de Trump. Auxiliares do presidente, no primeiro governo, fizeram o impossível para afastá-lo da cobertura da Casa Branca. Seu livro conta toda a história.

Na sua fala recente, que ecoa o que relata no livro, Jim Acosta posicionou-se: “Sempre acreditei que é função da imprensa responsabilizar o poder. Sempre tentei fazer isto na CNN e planejo continuar fazendo isso no futuro”.

Afinal, a CNN cedeu a Trump? É o que parece. Mas Jim Acosta, ao menos na sua primeira fala, não diz isto diretamente. No governo anterior, a turma de Trump perseguiu o jornalista de maneira implacável, mas a CNN decidiu bancá-lo, sem recuo. Agora, deve colocar no lugar de Jim Acosta um jornalista “neutro” (isto existe mesmo?), Wolf Blitzer.

Novos tempos: a CNN, pelo visto, quer ser o sorriso do poder e a cárie da sociedade…. quando deveria ser o aposto. A CNN parece que quer deixar Trump mais “tranquilo”. Surge a Fox News 2? Talvez não. Os deuses queiram que não.

(Por sinal, o eminente historiador italiano Carlo Ginzburg, numa entrevista à “Folha de S. Paulo”, assinala que a fala e a conduta de Trump lembram as do fascista italiano Benito Mussolini. Talvez seja hora de ler ou reler “Complô Contra a América”, de Philip Roth. O romance distópico conta a história de um presidente pró-fascista que derrotou Franklin D. Roosevelt. Judeus foram perseguidos de maneira implacável.)

Num daqueles comunicados protocolares, a CNN disse: “Jim teve uma longa e distinta carreira de quase 20 anos na CNN, com um histórico de enfrentar a autoridade, pela Primeira Emenda e por nossas liberdades jornalísticas”.

A CNN pontuou: “Queremos agradecer a ele pela dedicação e comprometimento que ele trouxe para suas reportagens e desejar a ele o melhor futuro”.

Trump, que abomina jornalistas sérios, os não bajuladores, disse na rede Truth Social que Jim Acosta é um dos “piores e mais desonestos repórteres da história jornalística”. Não é nada disso. Jim Acosta é um jornalista sério e decente. Mas faz as perguntas que Trump não quer responder.