Imprensa não deve se comportar como viúva de Rodrigo Maia

07 fevereiro 2021 às 00h01

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Jornais e as emissoras de televisão devem manter a crítica ao caráter errático de Bolsonaro, mas precisam explicar melhor o seu governo
Não resta a menor dúvida: o governo de Jair Bolsonaro conduz mal o combate à pandemia do novo coronavírus (o Brasil deve agradecer ao governador de São Paulo, João Doria, por ter pressionado a respeito da vacinação). O presidente é um gestor errático, desses que acreditam que suas opiniões são fatos. Porém, apesar de todos os percalços, permanece relativamente popular. Às vezes, dadas a impulsividade e a falta de conhecimento das questões chaves do país e da gestão federal, é visto como um “néscio”. Há uma certa confusão, mesmo na imprensa, entre inteligência e cultura, no sentido livresco mesmo, em termos de formação acadêmica. Pois, como Lula da Silva, do PT, Bolsonaro é inteligente e perceptivo — assim como é “inculto”, até mais do que o petista.

Na eleição para presidente do Senado e da Câmara dos Deputados, sobretudo na segunda, Bolsonaro operou com rara habilidade, mostrando aguçada inteligência política e conhecimento dos homens reais (que são a cara dos que estão observando-os, de longe). Arthur Lira não seria eleito, na disputa contra um profissional, Rodrigo Maia — Baleia Rossi é apenas seu preposto —, não fosse a caneta lépida e certeira do presidente. Aquela que nomeia e libera recursos financeiros.
Leitores de jornais e telespectadores das redes de televisão, notadamente da Globo News — que tem excelentes analistas (Natuza Nery, Júlia Duailibi e Eliane Cantanhêde) —, certamente ficaram com a impressão de que Baleia Rossi teria condições de derrotar Arthur Lira. Não tinha, claro. Nos bastidores, ao menos, todos sabiam que o quadro era francamente desfavorável ao postulante do MDB.
Por que a imprensa “errou”? Note que a palavra “errou” está entre aspas. Na verdade, a imprensa estava torcendo pela vitória de Baleia Rossi, o homem de Rodrigo Maia. Nada de malandragem ou interesses escusos.
Entretanto, na prática, o emedebista não é muito melhor do que o integrante do partido Progressistas.
Mas Baleia Rossi, se eleito, representaria, por certo, uma Câmara dos Deputados menos servil — menos “ministério” — ao Palácio do Planalto. O Legislativo seria (mais) independente. Assim, o emedebista era, portanto, menos pior — daí a torcida da imprensa (inclusive, admito, a minha).

Ao lutar por maior equilíbrio de poder, os meios de comunicação têm o direito de sacrificar a verdade, ou parte da verdade? Como os jornais e telejornais queriam influenciar, cobriram o desenrolar da trama como se houve igualdade de condições entre Baleia Rossi, um Ahab da Pauliceia, e Arthur Lira, um Moby Dick das Alagoas. Como jogo real da política se faz nos bastidores, quase sempre longe dos olhos dos jornalistas, Bolsonaro e seus ministros, como Onyx Lorenzoni, civil, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos, generais, operaram, com rara perícia, uma maioria para o candidato do centrão.
Depois da eleição, vários comentaristas, de jornais e televisão, até tentaram “recompor” suas análises. Uns disseram, com a sapiência de sempre: agora, com o centrão no poder, apoiando Bolsonaro, o presidente não poderá alegar que o Congresso atrapalha as reformas. Não terá desculpa. Só faltou acrescentar que, apesar de supostamente oposicionista, Rodrigo Maia não era contrário às reformas, tanto que foi um agente de Paulo Guedes na aprovação da Reforma da Previdência. Atuou como um leão, e não como um porquinho da Índia, na defesa do projeto do governo. A agenda liberal do ministro da Economia não difere em nada da de Rodrigo Maia. A divergência é mais política do que de caráter econômico.
Parte significativa da imprensa percebe a ligação de Bolsonaro com o centrão como uma “rendição” ao fisiologismo. Ora, os membros do centrão que estão com Bolsonaro eram, até poucos dias, aliados de Rodrigo Maia. Deixaram-no de lado quando perceberam que poderiam negociar, de maneira mais adequada, com Bolsonaro sem a sua intermediação (o membro do Democratas já articulava para 2022). O centrão esteve no palco ao lado de Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. Porque é impossível governar um país sem as forças de centro, moderadas e, por vezes, fisiológicas. Teme-se dizer isto: mas o centrão é a cara do país que o pôs como mandachuva no Congresso. Mais expostos, pela implacabilidade do jornalismo, seus membros surgem como monstros, o que, a rigor, não são. São os políticos possíveis de um tempo dado, o atual. Não dá para trocá-los, assim como não é possível trocar os eleitores, o povo. Agora, leitor, você quer pureza? Please, não vá ao convento.
Há um aspecto do centrão — que, sim, é fisiológico — negligenciado pela imprensa: o fato de que, enquanto Bolsonaro estiver amparado por seus líderes, não partirá para nenhuma aventura golpista. A política do centrão é democrática e moderadora. É seu aspecto positivo. Ao se aproximar do centrão, num pacto faustiano, Bolsonaro pelo menos fez opção pela política.
Por fim, resta sugerir que a imprensa pode até torcer, sem distorcer — daí a necessidade de apresentar nuances —, mas tem de parar de se comportar como viúva de Rodrigo Maia. É hora de retomar o bom senso.
O governo de Bolsonaro precisa ser mais bem examinado pela imprensa. Mais de perto. Para além do folclore, do seu discurso de democrata com vocação para ditador, é preciso examinar o resultado das ações dos ministérios.
O Brasil merece conhecer o governo Bolsonaro por intermédio dos fatos — e, insistindo, para além de suas declarações; bárbaras e desrespeitosas, várias delas — e não do excesso de opinião dos comentaristas. Há analistas muito bons, bem informados, mas muitos estão apenas jogando para obter o aplauso da plateia.
Presidentes ruins — e Bolsonaro não está, claro, na lista dos melhores — devem ser retirados do poder. De preferência, pelo voto; no caso, em 2022. A imprensa deve manter a crítica, contundente quando necessária, mas precisa cobrir de maneira mais abrangente o que “faz” o governo do presidente sem partido. Jornalistas não podem se comportar como se fossem Bolsonaros da pena ou do microfone. Por vezes, fica-se com a impressão de que a imprensa acaba por fazer, ainda que indiretamente, portanto sem intenção manifesta, o jogo do presidente.