Hitchcock morreu há 40 anos. Mas seus filmes “decidiram” imortalizá-lo. Ele está vivíssimo
28 abril 2020 às 23h40
COMPARTILHAR
Corra e veja “Um Corpo Que Cai”, “Psicose” e “Janela Indiscreta”. Verá que “todo mundo” copiou o diretor britânico
Quem não está esperando a quarentena baixar para ir a Trindade fazer um pedido (ganhar na Mega-Sena? Já parei de pedir; é pecado, descobri) ou, junto ou separadamente, pagar penitência? Estou na lista de “espera”, com um pedido pronto para fazer, depois farei a penitência: que surja um novo Alfred Joseph Hitchcock. Mas, cá entre nós, precisa mesmo? O que há de imitadores, diretos e indiretos, não está no gibi, guri e gurias. Há imitadores às pencas, mas nenhum — nem mesmo Brian de Palma — com o gênio do pançudo britânico, nascido em Londres, em 1899, e morto em Los Angeles, em 29 de abril de 1980. Nesta quarta-feira, 29, faz 40 anos que o diretor de cinema morreu.
Morreu? Não. Hitchcock, por causa de seus filmes, é imortal. Tu pode ver dez vezes “Um Corpo Que Cai” (título meio pancada, non?) e, se bom da cuca, concluirá que estará vendo um filme novo. Até novíssimo. As películas do mestre não envelhecem e, por isso, rejuvenescem os cinéfilos. “Vertigo” tem tanta coisa para ver e admirar, inclusive suas “cores” (imagens?) e a classe da personagem feita pela deusa Kim Novak, que é um filme para releitores, digo, reespectadores. Nada é perfeito, nem Hitchcock, o homem que tinha paixão pelas louras gélidas. Mas um cineasta que consegue extrair néctar da atuação de Kim Novak e James Stewart, precisa — para não usar a palavra “perfeita” —, só pode ser chamado de, vá lá, gênio. Talvez o cinema só tenha produzido três gênios: John Ford, Hitchcock e Ingmar Bergman (ah, sim, tem os subgênios — tipo Eisenstein, Godard e mais uns três ou quatro). Bicho, os três quase erigiram o cinema à condição de arte — não se sabe se sétima.
Os franceses, o mui bom François Truffaut na comissão de frente, quiçá, inventaram que Hitchcock era um “autor”. Em Hollywood conta-se que o verdadeiro “autor” dos filmes era o produtor (ou o “estúdio”) e há quem jure, de pés juntos — mas vivo, é claro —, que o belo dramalhão “E o Vento Levou” foi “dirigido” pelo produtor David O. Selznick (eu sempre quis saber o que significa “O.” Pois é, cuca fresca, fui ao Google: é Oliver). Deve ter sido mesmo.
Mas, bah!, tchê!, Hitchcock queria mesmo ser “autor” — como os franceses querem que seja, e talvez alguns críticos de cinema patropis? De jeito nenhum, caros tremendões. O que o diretor queria mesmo era seu “tutu” nas mãos e entreter o público. Mais do que ser admirado pelos intelectuais — adiante talvez tenha passado a apreciar a bajulação da turma da Nouvelle Vague —, o diretor de “Janela Indiscreta” queria, isto sim, que seus filmes fossem vistos pelo maior número possível de pessoas… comuns. Ele sabia, por certo, que todos gostavam de suas fitas. Porque quem não aprecia sua arte — (relativamente?) popular e, tecnicamente, sofisticada, praticamente artesanal —, se consultar um psiquiatra, talvez se torne mais um “interno” de Simão Bacamarte. Pois sim: não se interna mais. Pois é: mesmo assim, não é bom da cabeça quem não aprecia a filmografia do diretor londrino, que se naturalizou americano — sabe-se lá por quê. Talvez para ganhar mais pila e, será?, pagar menos impostos?
Pode alguém fazer um filme, que se passa em larga medida numa sala — ou seria num quarto? —, e, mesmo assim, acertar a mão? “Janela Indiscreta” é tão bom que chega a ser, de fato, indiscreto. Mesmo sem filosofice ou semiologice, francesa ou patropi, o filme dialoga com o próprio cinema (a observação direta e indireta, via câmeras da personagem e do diretor, uma espécie de filme dentro do filme. E quem “narra” é o protagonista ou uma voz onisciente?). Besteirice? Quiçá. Quem consegue desgrudar da tela? Quem não fica sob tensão permanente? Quem, sem medo de parecer ridículo, não fica com vontade de aplaudir James Stewart — o grande ator, com aquela carona simplória… de caipira empático?
Não sou nenhum bidu, portanto não sei qual filme é o preferido de quem está lendo estas linhas mal traçadas. Mas digo-lhe: se tu gosta de cinema, e nem precisa ser cinéfilo, escolha ao acaso um filme de Hitchcock, quarenta anos depois de sua morte — quase meio século —, e veja, reveja ou triveja. Certamente, se observar com relativo interesse, ficará impressionado tanto com a qualidade da história, de sua amarração, de sua perspicácia, quanto da técnica refinada e ajustada.
Se tu é dado a ver filme e nunca viu “Psicose”, não recomendo sua prisão, até porque já está preso, em quarentena. Mas sugiro que veja, rapidamente, a película. Concluirá que se trata de um filme tão brutal quanto magnífico. Parece a prosa infernal de Louis Ferdinand-Céline. Não à toa os psicanalistas amam discutir o filme. Contém uma história greco-universal. Ésquilo, Eurípedes e Sófocles o levariam para o trono. Até Édipo diria: “Hitchcock sou eu”. Jocasta clamaria: “Oh, céus!, me tornei atriz de cinema”. (Pera aí, meu chapa, em tempo de coronavírus, com a Covid tentando nos agarrar, não é de bom tom recomendar “Psicose”! Ora, a arte, ainda que cinema, serve para todas as circunstâncias.)
Há outros muito bons, há outros mais ou menos, mas é difícil um filme de Hitchcock pertencer à “categoria” dos sofríveis. Diga, o maioral da telas, tu já viu alguém dormindo em filme de Alfred? Em filme de Bergman, entre outros, dorme-se e, até, baba-se. Eu, confesso, já dormi até em filme do amantíssimo Luis Buñuel (tão genial quanto o londrino). Só não babei porque Candice Marques de Lima, que certamente acha que Hitchcock é o Freud do cinema, me cutucou.
Aprende-se até a ver e a fazer cinema com “Festim Diabólico”, “A Sombra de uma Dúvida” (Joseph Cotten está infernalmente excelente), “Pacto Sinistro”, “Notorius”, “Os Pássaros” (um médium culto, não dado à psicografagem, me disse que Poe, o Edgar Allan, o aprovou, corvamente), “Disque M Para Matar”, “A Tortura do Silêncio”, “Interlúdio”, “Intriga Internacional”, “Cortina Rasgada”, “Topázio”, “Ladrão de Casaca”, “Rebecca”, “Trama Macabra”, “Marnie”, “O Homem Errado”, “O Homem Que Sabia Demais” (Doris Day, cantando, vale o filme). Ah, sim, esqueci outros tão bons quanto. Mas é que tenho de…
… ligar para um padre de Trindade, amigo de um amigo meu, para perguntar se posso entrar na igreja e fazer um pedido… oh, bom Deus, me dê mais alguns anos de vida (sou hipertenso e trombofílico, portanto, mezzo amigo do coronavírus), com cérebro pleno, para ver toda a obra— pô, esse negócio de obra não é coisa de gente! — “fílmica” de Hitchcock, que é boa pra caramba. Que me perdoe o padre, mas o inglês que se tornou rei de Hollywood permanece duca. Quiuspa, minha gente!