Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os alemães não queriam mais saber do grande irmão Hitler, com sua Gestapo. Eles estão sempre com a pulga atrás da orelha quando se trata de espionagem. “Documentos de Snowden, vazados em 2013, revelavam que a NSA espionava intensamente a Alemanha, superando o nível de intromissão da Stasi [polícia da Alemanha Oriental] em muitos aspectos. Por dez anos a agência grampeou o telefone de Angela Merkel, chanceler alemã, a personalidade política mais poderosa da Europa”, revela o jornalista Luke Harding, no livro “Os Ar­quivos Snowden”. “A NSA rotineiramente colhia comunicações de milhões de alemães.”

Ante a gravidade da espionagem, que eliminava a privacidade das autoridades públicas e das pessoas comuns, o intelectual alemão Hans Magnus Enzensberger chegou a falar numa “transição para uma sociedade pós-democrática”. Nas ruas, os alemães expuseram “banners que diziam ‘NãObama’, ‘1984 é agora’”.

O fato de a NSA ter grampeado o telefone de Merkel deixou os alemães aterrados. “Merkel ficou lívida quando soube”, garante Harding. “A NSA manteve o telefone de Merkel grampeado a partir de 2002, durante o primeiro mandato de George W. Bush. Merkel tinha um número pessoal e outro do escritório; a agência havia grampeado o pessoal. (…) A espionagem prosseguiu até poucas semanas antes da visita de Obama a Berlim, em junho de 2013”. Em 2009, especialistas alemães, para tentar evitar grampos, deram a Merkel um smartphone criptografado. Não adiantou. A NSA continuou “ouvindo” a líder alemã.

O arquivo de Snowden revela que a NSA espionou a França maciçamente. Em trinta dias, entre 2012 e 2013, “a NSA interceptou dados de 70,3 milhões de chamadas telefônicas francesas”. A Noruega, país pacífico, e a Itália foram espionadas pela agência americana.

O país de Obama, por meio da NSA, havia criado o que os europeus passaram a chamar de planeta “Big Brother”. Os documentos indicam que a NSA, que deveria zelar pela segurança nacional, “estava hackeando pelo menos 35 líderes mundiais”. A presidente Dilma Rousseff teve suas mensagens vasculhadas pelos espiões dos Estados Unidos. Devido ao Pré-Sal, a NSA também investigou, via o programa secreto de codinome Blackpearl, a rede privada virtual da Petrobrás. Harding chama isso de “espionagem industrial” — e feita pelo Estado, o americano.

Harding sugere que, diante da escalada global da grampolândia, os Estados Unidos têm “aminimigos”. O alemão Claus Arndt resume o mundo atual: “Teoricamente, somos soberanos. Na prática, não”. Os Estados Unidos, com Bush e O­bama, nunca se julgaram tão donos do mundo como nos últimos anos.