Eli Wallach, mafioso de O Poderoso Chefão, “enganou” o sagaz Mike Corleone mas não a Velha Senhora

28 junho 2014 às 10h52
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Don Altobello ilude, num primeiro momento, o hábil filho de Vito Corleone e se aproximou da Igreja que jogava em dois mundos — o legal e o profano
Eli Wallach era um grande ator, mas não era bonito, pecado às vezes venial em Hollywood e, quem sabe, na vida real. Mesmo tendo participado da criação do Actors Studio, em 1947, não teve a mesma fama de Paul Newman, Marlon Brando, Montgomery Clift e James Dean. Mas quem aprecia cinema, não pelas teorias e sim pelo cinema puro mesmo, como entretenimento, não deixa de admirar as performances daquele que, ao lado do ótimo Lee Marvin, fez alguns dos melhores bandidos do cinema.
O crítico literário Marcelo Franco diz que, em “Poderoso Chefão 3”, de Francis Ford Coppola, Wallach fez uma pontinha. Não é bem assim. Don Altobello é um dos grandes personagens do filme. Michael Corleone tenta fazer a ponte entre o mundo ilegal, o seu, com o mundo legal, o dos banqueiros, políticos e líderes religiosos da Igreja Católica. Tenta purificar seu dinheiro para legar uma herança “decente” ao filho e, sobretudo, à filha, sua esperança. Coppola exibe um Altobelo contraditório. Ao mesmo tempo que se irrita porque Mike Corleone quer sair do negócio sujo, deixando os demais mafiosos sem uma rede de proteção — que havia sido criada por Don Vito Corleone e expandida por Michael —, o idoso criminoso mantém relações estreitas com o mundo da Igreja (antecipando-se, portanto, ao “aliado”). Tanto que, ao apresentar um religioso ao sobrinho de Michael, afirma que se trata de um homem poderoso que transita entre dois mundos — o limpo e o pantanoso. O Altobello feito por Wallach é tão ambivalente e hábil que um sujeito tão esperto e inteligente como Mike não percebe de imediato que está por trás de mafiosos menos preparados e grosseiros.
Como bandido nos westerns, Wallach tinha quase sempre a mesma cara durona e cruel, embora às vezes irônica, com um sorrisão estranho e, frequentemente, mais malicioso do que maldoso (embora fosse mau pra caramba, e como era bom em ser mau). O poeta e crítico Carlos Willian Leite põe “Três Homens em Conflito” (1966) — ou “O Bom, o Mau e o Feio” (parece fácil identificar o bom, o mau e o feio, mas há uma certa ambivalência que, no lugar do claro e do escuro, deixa tudo em tons de cinza) — nos cornos da Lua. O western-spaguetti (inaugural) de Sergio Leone, o John Ford da Itália, é mesmo muito bom, com o trágico e o cômico misturados como se fossem um só. Wallach, como Tuco, contracena com rara excelência com Clint Eastwood e Lee Van Cleeff — todos em estado de graça com a câmera. O escritor Cormac McCarthy, o do romance “Meridiano Sangrento”, por certo aprova o filme.
“Em Sete Homens e Um Destino” (1960), de John Sturges, há outras estrelas, alguns impagáveis, como James Coburn (ótimo ator), Yul Brinner, Charles Bronson e Steve McQueen. Mas Wallach está lá – indômito e violento. Um bandido crível, másculo e paradoxal. Neste filme shakespeariano, exceto o povão mexicano (a vítima de sempre), todos são bandidos, mesmo os que estão do lado do “bem”.
Antes da revalorização articulada principalmente pelos franceses, que decidiram eleger o western de John Ford, Howard Hawks, Raoul Walsh, Anthony Mann e George Stevens (“Shane”) à categoria de arte, e pelos italianos – que optaram por copiá-los, acrescentando uma cadência própria (se tornaram mais teatrais e coreografados) –, os filmes de faroeste eram vistos, de certa maneira, como do segundo time. Não eram filmes de arte. Os franceses, mas não só, é claro, descobriram o óbvio: um western pode conter tanta arte, e falar tanto da vida de maneira filosófica, quanto um filme de Ingmar Bergman. Wallach, um homem do Actors Studio, não começou nos westerns, não. Pelo contrário, estreou no filme “Boneca de Carne” (“Baby Doll”), de 1956, do grande Elia Kazan. No cinema, como no teatro, sentia-se em casa e, como ótimo ator, alegrava cinéfilos e espectadores ocasionais.
Em “O Poderoso Chefão 3”, Don Altobello, morre envenenado por uma irmã de Michael Corleone. Na terça-feira, 24, Wallach morreu… de verdade, aos 98 anos, em Nova York. De velhice.