Debates na TV precisam ser revistos – e a Globo deve iniciar a reformulação
02 outubro 2022 às 00h00
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William Bonner tem vocação para monge, embora ainda não saiba. A conclusão é de alguém que assina esta coluna e que assistiu por completo ao último debate entre candidatos à Presidência da República, promovido pela Rede Globo na quinta-feira, 29, e para o qual compareceram Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Soraya Thronicke (UB), Luiz Felipe D’Ávila (Novo) e o inacreditável Padre Kelmon (PTB).
Não foi por exagero que surgiram tantos memes. O titular do lugar mais respeitado do telejornalismo brasileiro se viu tendo de fazer o papel de professor da primeira fase do ensino fundamental, relembrando aos presidenciáveis as regras básicas para que o evento transcorresse em normalidade.
O até então desconhecido Padre Kelmon foi quem ganhou o troféu de “aluno” mais indisciplinado. Ele tocou “fogo no parquinho” do debate, fazendo acusações infundadas e interrompendo a fala de seus interlocutores a cada réplica. A não ser que a intenção seja mesmo a de causar o efeito de entretenimento, um debate com alguém do tipo de Kelmon se mostra cada vez mais inútil para sua finalidade primeira.
Em declaração publicada pela coluna de Ancelmo Gois no jornal O Globo, Bonner admitiu atender aos sinais de que o formato, como está, não pode continuar: “Acho que exige uma abordagem nova”. E ele explica o drama causado por lei: candidatos cujo partido tenha pelo menos cinco parlamentares no Congresso têm direito de participar dos debates. Kelmon é só um exemplo dos que nada tem a perder e podem fazer o “trabalho sujo” para outro nome, mais cotado, como ocorreu com o petebista em relação a Bolsonaro.
Bonner se considera no papel de árbitro, quem está ali para garantir o cumprimento das regras, que são “de conhecimento geral e com a concordância de todos”. Mesmo ressaltando que faz isso há mais de 20 anos, o apresentador reconhece que o nível de tensão dos debates presidenciais “tem aumentado a cada eleição”. E, para ele, não há nenhuma coincidência que isso aconteça à medica em que ocorra também o crescimento das redes sociais.
“Da mesma forma que, 21 anos atrás, ninguém precisava ficar descalço antes de embarcar num avião, não havia necessidade nenhuma de as regras de um debate preverem punição para quem as desrespeitasse. Pessoalmente, acho que esta questão terá que ser abordada de agora em diante, no sentido de preservar o valor de um debate entre candidatos para o esclarecimento dos eleitores”, discorre William Bonner.
Em outras palavras, para quem vê um pouco mais na frente: pelo menos na Rede Globo, as coisas vão mudar. Talvez até mesmo já para um provável debate de segundo turno, em que só haverá dois concorrentes.
Hoje, a lei eleitoral obriga as emissoras a convidar candidatos de partidos que tenham ao menos meia dúzia de parlamentares. Isso aumenta muito o número de participantes. Talvez seja o caso de estabelecer uma regra que aumente a exigência de representatividade política para que um candidato participe dos debates”.