Às 11 horas da quarta-feira, 18, eram estas as últimas dez postagens na página Fato Ou Fake, do portal G1, que é dedicado a apontar ou desmentir a veracidade de conteúdos postados e viralizados pelas redes sociais.

É #FAKE que governo Lula aumentou auxílio-reclusão para R$ 1.754,18, valor maior que o salário mínimo

É #FAKE que vídeo mostre cantor Leo Chaves dando apoio a ato bolsonarista golpista em 2023

É #FAKE que vídeo mostre acidente de ônibus com 6 mortos na Linha Amarela em 2023

É #FAKE que imagens mostrem Raull Santiago em ato bolsonarista em Brasília

É #FAKE que vídeo mostre Putin dando apoio a atos de bolsonaristas golpistas em Brasília

É #FAKE que apontada pela PF como organizadora do ataque a Brasília é infiltrada do PT

É #FAKE que publicitário em foto com Lula é homem apontado como comunista infiltrado em ato extremista golpista

É #FAKE que Lula não foi eleito pelo povo brasileiro e que apuração dos votos não é confiável

É #FAKE que vídeo mostre sobrinho de Zeca do PT em ato golpista

É #FAKE que três pessoas morreram em ginásio onde golpistas estão detidos pela PF, em Brasília

Das dez informações – observando que, entre “fato” ou “fake”, todas são “fake” –, apenas uma não se relaciona à política. É a nota sobre o acidente na Linha Amarela, no Rio de Janeiro, que de fato ocorreu, mas não este ano, como o divulgado, mas na verdade em 2015.

Todas as demais informações se relacionam à pauta política recente. Todas tem, direta ou indiretamente, ligação com a disputa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), que, dois dias antes do término de seu mandato, foi se refugiar em Orlando, no Estado da Flórida (EUA).

Todas as nove manifestações políticas circulam pela macrosfera bolsonarista: lá, Lula não foi eleito pelo povo brasileiro; a apuração dos votos pela urna eletrônica não é confiável; o presidente da Rússia, Vladimir Putin, parou de pensar na melhor forma de destruir a Ucrânia para dar apoio aos milhares de bolsonaristas “patriotas” que invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal; aliás, no “bolsoverso”, os que destruíram os principais prédios públicos nacionais são todos infiltrados petistas.

Quando o serviço de combate à desinformação surgiu, na década passada, quando as redes sociais e os aplicativos de conversação passaram a fazer parte do cotidiano de toda a população. A tarefa de desfazer boatos, mentiras e mitos se tornou uma necessidade cada vez mais premente, para trazer à tona o que havia de fato, de modo a não prejudicar o todo de uma sociedade. O exemplo mais concreto da força perniciosa que teria a livre circulação de notícias falsas veio com a pandemia, quando certamente centenas de milhares de vítimas morreram por estar, mais do que sem informação, informadas por meio de mentiras.

Vendo a questão pelo lado positivo, o papel da imprensa estabelecida, combatendo as fake news, foi fundamental para, em meio ao avanço do coronavírus, ter salvado a vida de milhões de outras pessoas. No Brasil, os principais veículos de comunicação se juntaram em um consórcio para divulgar, dia a dia, o número de casos confirmados, a quantidade de vítimas, a curva de mortes e o avanço da vacinação. Pelo bem da verdade, o certo é dizer que esses grandes jornais e essas grandes emissoras tiveram de se juntar, porque o Ministério da Saúde, que havia sido entregue pelo presidente da República a um general da ativa, decidiu restringir informações, em apenas um dos muitos graves crimes contra a população cometidos pelo governo federal durante a pandemia.

Com o arrefecimento da Covid-19 e a proximidade das eleições, a mentira política passou a ter um papel fundamental nas diretrizes da extrema direita brasileira – que, não por acaso, também foi a propagadora das elaboradas teorias que, para uma parcela da população, fizeram da cloroquina uma cura e da vacina um veneno.

Muito além do que simplesmente gerar engajamento e fomentar mau-caratismo de todos os tipos, a indústria das fake news no meio da extrema-direita em geral – e dos bolsonaristas, em particular – traz aos envolvidos um sentido de pertencimento difícil de entender para quem está do lado de fora da bolha. São “eles” contra o resto do mundo, em meio a uma “guerra espiritual” em curso para a qual eles foram “recrutados” e da qual Bolsonaro (ou Trump, ou algum líder do tipo alhures) é o “escolhido” de Deus.

Foi com esse espírito, alimentado de desinformação durante anos a fio, que a horda tentou iniciar um golpe de Estado. Depois de implorar para que o Exército tomasse uma atitude (“Forças Armadas, salvem o Brasil!”, cantaram durante meses na porta dos quartéis), este era o “plano B”, como compartillharam em seus grupos de Telegram ou de WhatsApp: os “patriotas” iriam para lá para fazer, de forma literal, a “tomada do poder”, para que então os militares fossem obrigados a entrar com a “intervenção”. Em outras palavras, os golpistas acreditaram até o último momento na verdade que eles próprios criaram em sua realidade paralela, segundo a qual o sucesso da empreitada era certo e que na intentona contariam com o apoio armado – e não apenas logístico, como se suspeita que realmente houve – dos fardados.

Deu errado, porque a realidade paralela tem seu limite, conhecido como mundo real. Os “patriotas” ficaram com aquele sentimento que os terraplanistas guardam dentro de si a cada derrota frente à lei da gravidade. Ironicamente, depois de serem presos, os “patriotas” golpistas foram obrigados a se vacinar: é que as leis brasileiras – ou “ditadura comunista”, na versão deles – não permitem que alguém entre em um presídio sem estar devidamente imunizado.

Mas os estragos que essa distorção alimentada na extrema direita provocou são bastante palpáveis em cada janela estilhaçada, cada móvel destruído, cada peça de arte vilipendiada. E isso já é um pequeno sinal físico do quão grave é o processo de desinformação que está por aí, não só no Brasil como no restante do globo. Sem dúvida, o maior desafio comunicacional da atual geração é encontrar o antídoto. Pior é que, às vezes, parece um desafio tão quixotesco quanto provar que a terra é plana.