A pauta negativa da imprensa e dos ambientalistas — absolutamente necessária, frise-se — informa, com certa constância, que a Amazônia permanece sendo desmatada. Mesmo menos, continua grave, porque se trata de um somatório, porque redução não equivale a paralisação. Vale, por outro lado, discutir a pauta positiva — a possibilidade de reflorestamento da Amazônia e do Cerrado.

O fotógrafo Sebastião Salgado decidiu, quiçá contra o “bom senso” de alguns — os profetas do apocalipse que, estribados no discurso negativo, postulam que não é possível fazer nada —, reflorestar a fazenda da família. As fotografias iniciais mostram morros sem árvores — secos, quase sem vida.

Depois de algum tempo, o sítio não parece o mesmo. Porque foi inteiramente reflorestado — recuperando-se inclusive as nascentes. Com a volta do verde, a fauna também retornou à área. O que Sebastião Salgado mostra é que, sim, é possível fazer alguma coisa. É preciso ir além da exposição da catástrofe e dos lamentos bem-intencionados mas, às vezes, improdutivos.

Fazenda do fotógrafo Sebastião Salgado: reflorestada | Fotos: Reproduções

Em setembro deste ano, numa visita ao Parque Nacional das Emas, na companhia do biólogo Kennedy Borges, do ICMBio, e da professora da UFG Candice Marques de Lima, pude verificar o quanto a área e a fauna estão bem preservadas. Vimos cachorros do mato, raposas, veados campeiros, jaratatacas, garças, gaviões (carcarás, tesoura, caboclos, quiri-quiri), gralhas do campo, tesourinhas, teiús, araras canindés, papagaios, entre tantos outros.

Ao descer 8,5 quilômetros pelo Rio Formoso, uma surpresa: águas limpas, o que possibilitava ver capim no seu fundo, além de peixes e cágados. As margens (com as nascentes) estão preservadas, com várias árvores, o que barra o assoreamento.

O Parque Nacional das Emas é uma beleza — frequentado por pessoas de vários países. Encontramos por lá franceses, russos e italianos — todos empolgados com o fenômeno da bioluminescência. Larvas de vagalumes transformam cupins em focos luminosos — o que transforma o campo num céu estrelado. É um fenômeno belíssimo.

Os turistas, notadamente os estrangeiros, ressaltavam a preservação da natureza, porém observando que o entorno do parque — entre os Estados de Goiás (Mineiros e Chapadão do Céu) e Mato Grosso do Sul (Costa Rica) — está inteiramente desmatado, com gigantescas plantações de soja, milho e algodão.

Gralha do campo, no Parque Nacional das Emas: exuberância | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção

Arco da Restauração: crucial

O governo do presidente Lula da Silva decidiu escapar do onipresente discurso-catástrofe — que pode levar ao fatalismo e, daí, à inação — e adotar uma prática diferenciada. Se der resultados satisfatórios, a médio ou longo prazo, o estadista brasileiro poderá sair consagrado. Ficará na história como o presidente que iniciou a contenção — se vai conter mesmo — o desmatamento, mas, sobretudo, comandou o reflorestamento da Amazônia.

Ao mesmo tempo que faz o combate ao desmatamento, o governo de Lula da Silva está adotando um programa que deve colaborar para o reflorestamento da Amazônia.

No início do mês, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) propôs um programa cujo objetivo é restaurar áreas destruídas ou degradadas em 60 mil quilômetros quadrados — quase o tamanho da Letônia — na Floresta Amazônica até 2030”, de acordo com reportagem da revista “Forbes”.

O programa Arco de Restauração, com financiamento de até 1 bilhão de reais, até 2024, terá o objetivo de “retirar 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera até 2030”.

Gavião caboclo, no Parque Nacional das Emas | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção

O presidente do BNDES, economista Aloizio Mercadante, disse que “evitar o desmatamento não responde mais à crise climática. Precisamos ter mais ambição. A Amazônia responde por mais ou menos 1º celsius no aquecimento, e a criação de um cinturão verde de proteção é urgente”.

“Vamos fazer reflorestamento, para a floresta se regenerar. É a resposta mais barata e mais rápida para a crise climática, porque sequestra carbono e armazena carbono”, acrescentou o dirigente do banco estatal.

Num primeiro momento, o BNDES vai investir 450 milhões de reais. O cientista ambiental Carlos Nobre, da Universidade de São Paulo, admite que o “projeto é muito ambicioso.

O doutor da USP, autor do conceito de Arco da Restauração, ressalta que o “projeto foi colocado em vigor agora porque a Amazônia está se aproximando do ponto sem retorno, então isso é muito importante, urgente e uma iniciativa inovadora”.

Carlos Nobre enfatiza que “o desmatamento e as mudanças climáticas podem levar a floresta a um ponto de inflexão em que ela morreria e se tornaria uma savana”, no registro da “Forbes”.

O cientista sublinha que a restauração de “cerca de 700 mil kms² da Amazônia ajudaria a evitar” tal “ponto de inflexão, com pouco menos da metade dessa área precisando de replantio ativo”. O custo de um projeto desta envergadura é estimado em 20 bilhões de dólares. Noutras palavras, como o interesse é transnacional, outros países — como Alemanha, Noruega, França e Estados Unidos — podem ofertar parte dos recursos. Não se trata de um projeto para ser executado com recursos de um único país, como o Brasil.

Floresta amazônica brasileira: há beleza em meio à destruição | Foto: Reprodução

Recursos a fundo perdido

A revista “Globo Rural”, na reportagem “Falta de mudas nativas e crédito limitam restauração florestal no Brasil” (terça-feira, 19), assinada por Cleyton Vilarino, nota que “a baixa oferta de mudas de árvores nativas associada à dificuldade de acesso a crédito limitam o avanço do setor de restauração florestal no Brasil”.

Dado o compromisso firmado no Acordo de Paris, o Brasil planeja reflorestar 12 milhões de hectares, “o que”, destaca a “Globo Rural”, “demandaria até 1 bilhão de mudas ao ano”.

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes e Mudas Nativas, Rodrigo Ciriello, é realista: “Se falar por base em 1 bilhão de mudas, a gente precisaria mais do que duplicar a quantidade de viveiros e mais que dobrar a capacidade dos já existentes e hoje a gente não tem políticas públicas e verbas disponibilizadas para” as “empresas”.

Rodrigo Ciriello sublinha que o compromisso do Brasil, no Acordo de Paris, foi firmado há oito anos, mas, ainda assim, o governo federal não criou incentivos para o setor de mudas e sementes nativas. Se faltam recursos, “a demanda tem crescido consistentemente na esteira de projetos de restauração e mitigação de emissões de gases do efeito estufa assumidos por grandes companhias”.

Segundo Rodrigo Ciriello, “tem iniciativa prometendo restaurar de 1 milhão a 3 milhões de hectares. Pelo menos de 30% a 40% disso serão mudas — o que vai demandar bilhões de unidades, e não tem”.

Aloizio Mercadante: BNDES começa a agir para reflorestar a Amazônia | Foto: Juca Varella

O conselheiro fiscal  da Sociedade Brasileira de Sistemas Agroflorestais Antonio Marchiori informa que não “tem dados seguros para dizer o quanto está crescendo, mas o setor de orgânicos cresce de 20% a 30% ao ano e acredito que os sistemas agroflorestais podem estar até superando essa quantidade, apesar de ser um segmento ainda pequeno”.

O fundador da Belterra, Valmir Ortega, admite que há muita oferta de capital, nos últimos anos”. Porém, ressalva, “ainda não é o tipo de capital adequado para a restauração florestal”.

O fato é que o reflorestamento, para ser bem-sucedido, vai precisar de investimentos internacionais no sistema a fundo perdido.

A Belterra conta com “2 mil hectares de agrofloresta já implementados no país e outros 8 mil contratados”. Valmir Ortega sugere que, entre “os principais gargalos” está “o prazo das linhas de crédito oferecidas atualmente. ‘Quando falamos de floresta, falamos de ciclos longos, de 15 a 20 anos, e hoje os financiamentos olham para um horizonte muito mais curto’”.

Por isso, como dissemos acima, é importante recursos a fundo perdido ou com juros realistas — bem menos elevados — para um setor que, a rigor, talvez não seja tão lucrativo.

A imprensa precisa trabalhar, a partir de agora, novas pautas. Sem deixar as reportagens sobre o desmatamento de lado, é preciso investir — e insistir — em coberturas jornalísticas sobre reflorestamento da Amazônia. Pode até parecer menos interessante — o caos, que gera escândalo, é sempre mais atrativo, ao que parece —, mas é importante em termos de resultados para a natureza, para a vida na Terra.