Brasil ignora Denton Welch, o escritor que fez a cabeça de William Burroughs
05 maio 2020 às 13h05
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Respeitado por Forster, Auden, Connolly e comparado a Dylan Thomas, o autor está à espera de editor que não aposte apenas em “novidades” como Franzen e Easton Ellis
Texto publicado pelo Jornal Opção em 2011. Há nove anos.¹
Mesmo editoras sérias, como a Record, a Companhia das Letras e a Cosacnaify, estão sempre à cata de livros que vendem bem na Europa e, sobretudo, nos Estados Unidos para lançá-los no Brasil. Autores vivos são os mais procurados porque podem conceder entrevistas bombásticas aos jornais e participar de feiras literárias e lançamentos. Claro que não há nenhum mal nisto — faz parte do jogo e, muitas vezes, as editoras acertam a mão, sobretudo quando publicam a velha guarda ainda em ação, como Philip Roth, Don DeLillo, E. L. Doctorow, e os sessentões, como Ian McEwan, Martin Amis e Richard Ford. A Companhia das Letras está republicando a esplêndida obra de Saul Bellow (falecido em 2005) em edições (e com traduções) bem cuidadas. Entretanto, como notou Alberto Manguel a respeito do escritor americano Percival Everett, de 55 anos, muitos bons autores são ignorados (e não apenas no Brasil). Na sexta-feira, 16, o diário “Clarin”, da Argentina, publicou um comentário, “El gusto de las vocaciones”, de Matias Serra Bradford, a respeito do escritor e pintor inglês Denton Welch. Não adianta procurar. Não há nenhum livro de sua autoria publicado no Brasil. Na internet não localizei textos em português a seu respeito. Contudo, trata-se de um escritor que influenciou William Burroughs e era reverenciado como genial por E. M. Forster (“Passagem Para a Índia”), Cyril Connolly, Edith Stiwell, John Betjeman, Auden e John Lehmann. Connolly disse que Welch “tinha a clarividência de um gênio e a malícia de um convalescente”. Alan Bennett relacionou-o ao lado de Dylan Thomas e de Christopher Fry. Jocelyn Brooke comparou-o a Ronald Firbank. Um amigo sugeriu que era incapaz de ser torpe, vulgar, e que isto refletiu na qualidade de sua prosa.
Nascido na China em 1915, Welch morreu em 1948. Matias Bradford afirma que, embora tenha falecido tão jovem, aos 33 anos, o autor tem um lugar cativo na literatura inglesa de qualidade do século 20. Deixou apenas três livros, alguns relatos dispersos e um diário íntimo. Seus livros, alguns publicados postumamente: “Maiden Voyage” (1943), autobiografia ficcional de sua infância, “In Youth is Pleasure” (1944), romance, “Brave and Cruel” (1949), “A Voice Throgh a Cloud” (1950), romance autobiográfico inacabado, e “A Last Sheaf”. Era um jovem fraco e, ao mesmo tempo, vivaz. Edward Bawden, seu professor de arte, disse que, de tão irrequieto, era impossível falar mais de dois minutos seguidos com ele.
Matias Bradford comenta o lançamento do romance “En la Juventud está el placer” (“In Youth is Pleasure”) e sugere que poderia ter sido traduzido como “Juventude, Divino Tesouro”. O livro conta a história de Orvil Pym, um adolescente de 15 anos, que vai passar as férias, num hotel, com seu pai. Ao passear de bicicleta, Orvil é surpreendido por uma chuva torrencial e esconde-se numa casa. Ao ouvir o forte barulho da chuva e do vento, “sente um estremecimento prazeroso”. Matias Bradford nota que Welch é expert em narrar momentos de exaltação súbita, epifânicos, que em geral são compreendidos apenas parcialmente. Fica-se tentado a lê-lo, frisa o crítico, em voz alta. O poeta Auden disse do autor: “Não somos, emocionalmente, o que de fato Welch é: órfãos, cada um viajando só — numa travessia na qual, ainda que se exponha a perigos desconhecidos, ao menos nos distancia dos temores que conhecemos”.
Apresentado como “mestre do detalhe, que inquieta e desperta um sorriso no leitor”, comenta Matias Bradford, de repente Welch põe seu personagem, Orvil, numa situação estranha, lembrando o Aleph de Borges. O crítico avalia que, em sua literatura rica em sensações e percepções sensoriais, no gosto pela estranheza, pela descrição perfeita, há um quê de “conto infantil para adultos”. Objetos e animais adquirem, por assim dizer, uma espécie de humanidade. Impera, no dizer de Matias Bradford, “a intuição psicológica e descritiva de uma sensibilidade e uma delicadeza pouco comuns”.
Welch era um “prestidigitador”, afiança Matias Bradford. Mas a palavra não é suficiente para definir sua prosa original e escorregadia, que tem aquela percepção rara, ao estilo de D. H. Lawrence, ao descrever a natureza com precisão, recriando-a com certa magia (não a do fantástico). A mudança psicológica de um personagem, de uma cena para outra, é feita com delicadeza e habilidade — dando ao leitor a percepção de sua ambiguidade. O crítico do jornal argentino diz que Welch é perito em criar aquilo que, em geral, “só se percebe de soslaio: o modo vertiginoso, entrecortado, que tem um relato ao falar de si mesmo”.
Alguém se habilita a publicar Percival Everett e Denton Welch no Brasil? O competente e perceptivo Bruno Costa e seus parceiros da Hedra estariam interessados?
Nota de maio de 2020
¹ Nove anos depois da publicação deste texto, nenhum editor aventurou-se a publicar Denton Welch no Brasil. Bruno Costa até cogitou publicá-lo, mas já não está mais na Hedra. Está se dedicando à tradução de livros.