Bolsonaro comporta-se como big-editor e pauta imprensa brasileira

08 setembro 2019 às 00h00

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O presidente atrai os principais jornais e revistas do país para temas que podem não ter importância. Mas o fato é que atrai

O presidente Jair Bolsonaro é tido como um político tosco, que libera palavras incandescentes contra adversários reais e imaginários, não se importando se “transportam” a verdade ou não. Mas parece ter entendido à perfeição o fenômeno midiático dos tempos contemporâneos, quando determinados assuntos, apresentados sem moderação, se tornam amplamente discutidos, tanto no Brasil quanto noutros países.
Comentários desairosos de Bolsonaro a respeito de Brigitte Marie-Claude Macron, professora de literatura e mulher do presidente da França, Emmanuel Macron, e do pai de Michelle Bachelet, Alberto Bachelet, têm quais objetivos? São apenas grosserias? De fato, são grosserias, portanto desnecessárias e devem ser criticadas. Brigitte Macron não governa a França e não se sabe de nada que tenha feito para prejudicar o Brasil e o próprio Bolsonaro. Alberto Bachelet morreu em 1974 (era perseguido pela ditadura cruenta do general-presidente Auguste Pinochet). Atacá-lo é uma forma de atingir sua filha, alta comissária da ONU para Direitos Humanos. A rigor, em que a ex-presidente chilena prejudica o país? Críticas devem ser respondidas com críticas, e não com ataques abaixo da linha de cintura.

Por que, se não atrapalham o Brasil, Brigitte Macron e Michelle Bachelet foram atacadas — mais do que criticadas — por Bolsonaro? No caso da França, o adversário, se é adversário, é Emmanuel Macron. É provável que o presidente brasileiro, mais astuto do que aparenta, esteja se colocando como player mundial, como uma espécie de Donald Trump secundário, alinhando-se aos políticos de direita que estão assumindo o poder em alguns países. O conflito com os Macron pôs Bolsonaro na cena internacional, sobretudo na Europa, e acabou por reduzir, em parte, o debate sobre a Amazônia. Em parte, porque o tema continua sendo discutido. Mas, para o povão, a discussão passou a ser outra — mais a fofoca, que chega diluída e pronta para vulgarização, e menos a informação, que precisa ser destrinçada.
No âmbito interno, Bolsonaro, embora tratado como ignaro, está pautando a imprensa, que não o tira das manchetes. A impressão que se tem é que jornalistas acreditam que estão contribuindo para desgastar a imagem do presidente, ao colocá-lo como “ridículo” — como no caso da sugestão de que, se a pessoa está preocupada com meio ambiente, deve fazer cocô um dia sim e um dia não. As pesquisas, que indicam queda da popularidade, sustentam a crença de que expor o que diz Bolsonaro contribui para desgastá-lo. Pode até ser que se tenha razão.

Mas a verdade é que, direta ou indiretamente, Bolsonaro está “guiando” — pautando — a imprensa brasileira. Puxa-a, como quer, para temas perfunctórios. Entretanto, se manchetes são dadas a questões escatológicas e à possível feiura de pessoas, e não a assuntos de real interesse público, quem está, de fato, vencendo o jogo: Bolsonaro ou seus críticos?
Não há como não publicar certas diatribes do presidente, até porque jornais, revistas, blogs e emissoras de rádio e televisão estão numa competição feroz por audiência — cada vez mais atomizada. Mas, quando destacam os excessos do presidente, a mídia está sendo mais bolsonarista do que imagina. Bolsonaro pode até sair desgastado, mas está conseguindo o que quer: ser comentado e direcionar o debate. E até retirar da pauta da imprensa assuntos mais candentes sobre seu próprio governo.