A pesquisadora Jung Chang lança livro que conta a história de Cixi, a concubina que assumiu o poder e abriu a China para o Ocidente. A ideologia comunista e Taiwan a transformaram numa “renegada”

Layout 1A chinesa Jung Chang é autora de duas obras-primas: o belíssimo “Cisnes Selvagens” (Companhia das Letras, 648 páginas, tradução de Marcos Santarrita) e o assustador “Mao — A História Desconhecida” (Companhia das Letras, 816 páginas, tradução de Pedro Maia Soares), este junto com Jon Halliday (ao contrário que publica o jornal “El Mundo”, não é John). São livros essenciais para compreender a China e muito bem escritos e imaginados. Jung Chang volta às livrarias (não nas brasileiras) com uma obra sobre a imperatriz chinesa Cixi. O título na edição espanhola é “Cixí, a Imperatriz — A Concubina Que Criou a China Moderna” (Taurus, 622 páginas) e o título da edição portuguesa é “A Imperatriz Viúva — Cixi, a Concubina Que Mudou a China” (Quetzal, 520 páginas). Não li o livro, mas a história me parece fascinante. Para comentá-la, tomo emprestado uma resenha da repórter Leticia Blanco, do diário “El Mundo” (http://mun.do/1nRjhBr), da Espanha.

Curiosamente, Jung Chang não se importa com a pirataria de seus livros, notadamente na China, onde é persona non grata, mas, mesmo monitorada (o serviço secreto do país é um dos mais eficientes do mundo), é autorizada a visitar a mãe. “Me encanta que pirateiem meus livros”, exulta. “Cisnes Selvagens” vendeu, em todo o mundo, mais de 10 milhões de exemplares — o que, para um livro de alta qualidade, é um fenômeno editorial e comercial. Neste livro, a autora conta a história de sua avó, uma concubina, e a queda de seu pai, um importante integrante do Partido Comunista Chinês. Jung Chang foi um entusiástica defensora da Revolução Cultural, a principal aposta de Mao Tsé-tung, mas recuou quando lhe obrigaram a atacar seus professores.

Com a vitória dos comunistas de Mao Tsé-tung, a história da imperatriz Cixi (1835-1908) foi organizada e metodicamente esquecida. Jung Chang, pesquisando para a biografia de Mao — até agora, a mais ampla e qualificada —, encontrou documentos sobre Cixi. A versão oficial, apresentada pelos comunistas, havia distorcido sua história.

Cixi “governou a China de meados do século 19 até sua morte em 1908, guiando o país em uma lenta (e sangrenta) transição de um império medieval, fechado ao exterior e supersticioso, a uma potência moderna aberta aos avanços proporcionados por ingleses e norte-americanos”.

Jung Chang descobriu que, quando menino e adolescente, Mao desfrutou de “oportunidades e liberdades extraordinárias”. O governo concedeu-lhe bolsa de estudos e o futuro comunista pôde viajar para o exterior. “Me surpreendeu que Cixi, que havia tornado isto possível, tivesse tão má imagem. Não era compatível”, frisa a historiadora e escritora. A ideologia comunista cristalizou a imagem de uma estadista do mal e o nacionalismo de Taiwan a renega. “Eles veem a si mesmos como os pais fundadores da pátria e por isso depreciam Cixi e seu legado. Na realidade, trata-se da grande transformadora que levou a China à era moderna”, destaca a primeira chinesa a obter um doutorado na Inglaterra.

Cixi foi levada para a corte de Pequim, como concubina, aos 16 anos. Logo aliou-se à mulher do imperador. Quando este morreu, orquestrou um complô e assumiu o controle do poder, governando com mão de ferro. “Primeiro, como regente. Mais tarde, assumindo sozinha o poder imperial”, destaca a resenha.

Segundo Jung Chang, “Cixi abriu a ‘porta’ da China, que estava fechada há mais de 100 anos”. O governo de Cixi “decretou que as mulheres deveriam receber educação escolar” e não precisavam mais “enfaixar” os pés para atrofiá-los. A pesquisadora sustenta que a imperatriz “foi uma ‘campeã do feminismo’”, mas exigia que fosse tratada igual a um homem. “Quando adotou seu sobrinho, ela pediu que lhe chamasse de ‘pai’. Com ela começou o feminismo na China. Não chegou mais longe por comportar-se como um homem, porque as mulheres podem ser tão cruéis e inteligentes como eles”, anota Jung Chang.

Se era uma agente da modernização, Cixi era também uma política de seu tempo, e produto da sociedade chinesa. “Ao fim e ao cabo, era um produto medieval: cometeu assassinatos e governou sem piedade. Mas o que pretendi contar no meu livro é que foi uma pessoa mais complexa do que diz a propaganda” (do governo comunista), assinala Jung Chang. A autora, que escreve como uma inglesa, com clareza e precisão, está preparando a tradução do livro para o chinês. Mas não sabe se a obra será publicada em Taiwan.