Antes só um “telefone móvel”, celular hoje decide destinos

01 outubro 2023 às 00h00


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Colegas em uma comissão na Câmara dos Deputados, Carla Zambelli (PL-SP) provocou como pôde o governista André Janones (Avante-MG), na terça-feira, 26. A parlamentar com a câmera de um celular apontado pra ele, ela repetia: “”Você não é supercorajoso? Fala que você me chamou de louca. Não vai assumir?”, afirmou a parlamentar. Janones preferiu não reagir.
A produção de conteúdo para redes sociais cresceu bastante na nova legislatura. Zambelli e Janones, porém, são veteranos de Casa e também de uso do artifício para engajar seus respectivos eleitorados. O mineiro, a propósito, se tornou peça-chave no segundo turno das eleições para que o PT conseguisse algum êxito na disputa digital.
A anedota que abre este texto é uma entre inúmeras para mostrar que o aparelho hoje é uma ferramenta “inevitável”. Se as tornou praticamente impossível viver sem tecnologia, é bastante complicado – ou, ao menos, bem pouco prático – viver sem esta forma dela que está literalmente à mão: o smartphone. Por meio dele, ficou instantâneo pagar contas, fazer transferências, assistir transmissões de eventos ao vivo, achar um endereço via GPS, saber as condições do tempo para ir para a praia ou para a montanha, consultar um perfil de uma celebridade, tirar dúvidas gramaticais, medir a perda de calorias ao caminhar ou apenas caçar um vídeo para se orientar sobre como fazer um café coado.
Tudo isso além da função primeira de um telefone: conversar com outra pessoa. Quando o celular surgiu, muita gente resistiu à novidade. Durante muito tempo, alguns batiam no peito para dizer que não precisavam daquele aparelho. Era preciso ressaltar o orgulho da não dependência da geringonça. Afinal, argumentavam, por que comprar algo que vai “tirar retrato” se uma máquina fotográfica faz isso melhor? Pra que olhar as horas ali, se todo mundo pode ter um relógio de pulso?
A verdade é que, décadas depois e com o aprimoramento das conexões de internet, o aparelhinho é uma espécie de faz-tudo – e “fazendo tudo” melhor. Nos últimos tempos, seu uso ganhou uma nova função (ou seria melhor dizer consequência?): denunciar seus próprios donos, por iniciativa deles mesmos.
Nos últimos dias, o fascínio pelo celular e pelas redes sociais levou um radical de direita à cadeia e uma radical de esquerda à exoneração. Preso pelos atos golpistas do 8 de Janeiro, o empresário Marcos Soares Moreira, chamado de “Patriota Capixaba”, foi liberado, com uso de tornozeleira eletrônica, mas resolveu peitar os ministros do STF, com xingamentos e ameaças transmitidos por suas redes. Disse que não temia nada e desafiou que o prendessem de novo. Foi atendido.
A então assessora do Ministério da Igualdade Racial, em viagem teoricamente a trabalho para São Paulo durante a final da Copa do Brasil, não conseguiu conter declarações xenofóbicas e preconceituosas contra paulistas. Torcedora do Flamengo infiltrada entre os rivais, ela despejou sem seus stories no Instagram: “Torcida branca, que não canta, descendente de europeu safade… Pior tudo de pauliste”. O jogo foi no domingo, a repercussão, na segunda e a demissão, na terça-feira.
A tecnologia talvez tenha chegado rápido demais para o ser humano adaptar seu comportamento e entender a extensão das consequências. Na estratégia “tentativa e erro”, haverá ainda muito choro e ranger de dentes de quem expõe seus deslumbramentos.