O governo de Angela Merkel convidou o governo de Vladimir Putin a se explicar sobre o envenenamento com Novichok

Quem duvida do que o governo russo é capaz, em termos de envenenamento de opositores, precisa ler o seriíssimo livro “O Laboratório dos Venenos — A Indústria do Assassinato Político na Rússia de Lênin a Putin”, de Arkadi Vaksberg, doutor em Direito, escritor, jornalista e dramaturgo. (Um breve comentário sobre o livro pode ser lido abaixo.) O governo da Alemanha revelou na quarta-feira, 2, que o opositor russo Alexei Navalny, de 44 anos, foi envenenado “com uma substância do grupo do agente químico tóxico Novichok”. O comunicado foi feito pelo porta-voz do governo da chanceler Angela Merkel, Steffen Seibert.

“É um acontecimento desalentador que Alexei Navalny tenha sido vítima de um atentado com um agente químico nervoso da Rússia. O governo federal condena este ataque nos termos mais enérgicos possíveis. O governo russo está sendo chamado a se pronunciar sobre o caso”, diz o comunicado do governo da Alemanha.

Alexei Navalny: envenenado por fazer oposição à democradura de Vladimir Putin | Foto: Reprodução

Alexei Navalny, envenenado na Rússia, chegou à Alemanha, no hospital Charité, de Berlim, em coma. O hospital pediu ao laboratório do exército alemão (Bundeswerh) ajuda para fazer exames mais detalhados.

O governo da Alemanha vai abordar o problema com os parceiros da União Europeia e da Otan e se colocou em contato com a Organização para a Proibição de Armas Químicas. “O Novichok é utilizado na fabricação de armas químicas”, anota o jornal “La Vanguardia”, da Espanha. Portanto, é praticamente impossível que o governo russo não esteja envolvido na tentativa de assassinato.

Na Rússia, antes e com Putin, é praxe envenenar opositores tanto dentro quanto fora do país.

Lênin não teve tempo de virar Stálin

O russo Arkadi Vaksberg escreveu um livro que mostra outra faceta do socialismo soviético: “O Laboratório dos Venenos — A Indústria do Assassinato Polític

o na Rússia de Lênin a Putin” (Editora Nova Fronteira, 302 páginas, tradução de Márcia Atálla Pietroluongo).

O mais interessante é que foi Lênin, Stálin só o aperfeiçoou, quem criou o laboratório de venenos, em 1921. Lênin não teve tempo de virar Stálin. Mas Stálin teve tempo de virar Lênin. O leninismo talvez seja o stalinismo engatilhado e o stalinismo talvez seja o leninismo atirando.

Entre as revelações do livro está a história de que a mulher de Lênin, Nadejda Krupskaia, pode ter sido envenenada, em 1939, por agentes de Stálin. Mesmo sob o feroz regime stalinista, Krupskaia permanecia crítica e incomodava o ditador implacável.

Vaksberg faz uma revelação: não foi a socialista-revolucionária Fanny Kaplan quem atirou em Lênin, em 1918. A atiradora foi Lidia Konopleva, “também social-revolucionária, que agia de conluio com outro social-revolucionário, Grigori Semionov. Os documentos conservados provam que os dois eram denunciadores e provocadores pagos pela Tcheka”.

O livro mostra que agentes da KGB — o novo nome é FSB — mataram vários opositores tanto dentro quanto fora da União Soviética e da Rússia (a Rússia não é a União Soviética, era uma das repúblicas da URSS). Matar com veneno é mais fácil. Em determinados casos, depois de um determinado período, nem pode ser comprovado que a pessoa que morreu foi envenenada. Por vezes, o atestado de óbito registra “infarto” e “AVC” — as causas comprovadas.

O detalhe é que, em certos casos, o governo russo sabe que os governos estrangeiros, com suas estruturas médicas e laboratoriais adequadas, descobrirão o que aconteceu. Putin e seus aliados não se importam tanto com a opinião pública estrangeira. O que apreciam de fato é matarem opositores e darem, por intermédio do assassinato sistêmico, recado para outras pessoas que divergem ou pensam em divergir do governo. Houve o caso de uma jornalista que foi assassinada — a tiros — na data de aniversário de Putin. Talvez tenha sido um presente.

Os governos europeus e o americano ainda não sabem como conter o regime “putincida” da Rússia. Os países europeus dependem do petróleo e do gás da Rússia. Há, por assim dizer, uma russodependência, ou uma putindependência (porque Putin e a Rússia, país à beira do totalitarismo, são praticamente uma coisa só).

Leia mais sobre assassinatos na Era Putin

Justiça russa condena assassinos da jornalista Anna Politkovskaya. Mas só pegou os bagres