Morreu na quarta-feira, 18, em Goiânia, um ser humano raro. Edson de Melo Alves – o “Tio Edson”, ou mesmo “Ti Eds”, para os mais íntimos – era uma figura ímpar entre os profissionais da comunicação em Goiás, pela qual o mínimo que se pode fazer é um bom registro, como homenagem, de seu legado admirável como pessoa e cidadão.

Trabalhei com Edson de 2003 a 2008, nosso período em comum no jornal O Popular. Profissional gráfico de excelência, chegou à redação por indicação de Wesley Cesar, então na chefia do setor de diagramação e outro nome de referência na atividade. Eram outros tempos das redações. Ainda que fossem já informatizadas – há muito não se ouvia mais o frenesi de altos decibéis das teclas das Olivetti Linea 98 e outras máquinas manuais de escrever –, a agitação dos teclados e o toque dos ramais telefônicos formavam um fundo musical muito diferente da introspecção que predomina, em meio a web-whatsapps e acesso constante a redes sociais.

Mesmo em uma redação sóbria como era a de O Popular, o ambiente humano era quente. Dezenas e dezenas de pessoas em seus postos, fazendo ligações, conversando muito entre si, às vezes discutindo, mas mais vezes ainda contando causos e dando risadas. Sem contar a hora do lanche, que era a hora mais feliz, esperando o pão com salame e a coca que o Baianinho, mestre da digitação, trazia do saudoso HiperMarcos, sempre no começo da noite e depois de uma vaquinha dos interessados.

Grande em altura e corpulento, Edson era o que poderia ser chamado de “falso tímido”. Chegou nesse ambiente e em pouco tempo se enturmou, com suas brincadeiras peculiares e escolhendo suas “vítimas”. Eu era um dos mais visados, entre elas: fui “batizado” pelo colega como “Mochélder”, uma junção de meu nome com a alcunha dada a torcedores do Goiás, como eu. Em retaliação, eu o chamava de “Verstappen” – ambos éramos apaixonados por Fórmula 1 e o apelido, ao contrário de hoje, era uma forma de desqualificar seu suposto e jamais comprovado talento como piloto amador de kart (na época, Jos Verstappen, pai do hoje principal nome da categoria, o multicampeão Max Verstappen, era um dos “barbeiros” das pistas e costumava ficar sempre atrás no grid da F-1).

A paixão pelo automobilismo era tanta que Tio Edson liderou a organização de um campeonato de kart da redação, que durou o ano de 2005 inteiro e contou com 12 participantes, com direito a uniforme personalizado – detalhe de que ele cuidou pessoalmente, anotando a cor e o número preferido de cada piloto. Da turma peso pesado, ele acabou ficando para trás na tabela final – Wesley Cesar foi o campeão e este colunista, o vice. O resultado pouco importava: o que movimentou a competição foram os saborosos e apimentados boletins informativos publicados pelo “Verstappen” após cada etapa, sempre afixados na copa improvisada para o lanche.

Não só veículos velozes o atraíam. Gostava também de automóveis em geral e frequentava exposições de carros antigos. Aliando sua generosidade a seu hobby, uma vez foi buscar no interior de São Paulo um Fusca que o jornalista Dehovan Lima ganhara em um sorteio. “Pra que pagar frete em cegonha [ao custo de R$ 1,8 mil], me arruma a grana do lanche e a passagem de ônibus que eu busco lá”, disso o amigo, reproduzindo a fala. E, enquanto voltava curtindo o “possante”, tirava foto das notas de cada refeição e mandava pelo celular.

Em 2008, meses depois de deixar o jornal, tive uma grata surpresa. Eu era então candidato a vereador por Goiânia e Tio Edson espontaneamente se apresentou para trabalhar a custo zero na parte gráfica da campanha, juntamente com outro amigo tão generoso quanto competente, Vinícius Moreira. O resultado foi um material que mais parecia uma publicação de venda de apartamentos em condomínio de luxo, tal o capricho da arte e a qualidade do papel. Não ganhamos – embora tivéssemos tido uma votação excelente para uma primeira vez – mas, sem dúvida, tivemos a mais bonita proposta de mandato entregue nas casas dos eleitores.

Pouco mais de um ano depois, o convidei para um trabalho de free-lancer no jornal Brasil Central, da Cúria Metropolitana, por duas ou três edições. Foi a última vez em que trabalhamos juntos. A partir de então, nosso contato ficou muito esporádico, mas sempre aproximado pelas redes sociais.

Edson acabou se envolvendo com a causa do cicloativismo, algo que fiquei sabendo quando ele já era uma referência no meio. Fundou o GO Ciclo, um dos mais importantes grupos de ciclistas da capital, que sempre se caracterizou por unir os passeios à caridade. O já tradicional Pedal das Luzes, às vésperas do Natal, arrecada alimentos e donativos em geral para famílias desassistidas.

Também trabalhava voluntariamente nos centros espíritas que frequentava, se colocando à disposição para produzir materiais gráficos e “intimando” colegas da área a contribuir com as demandas. E foi assim que conduziu sua trajetória, interrompida abruptamente na semana passada.

Ti Eds, como eu gostava de chamar, teve uma causa mortis das mais bobas: fazia manutenção em sua casa quando, ao descer de uma escada de madeira, o antepenúltimo degrau antes de chegar ao piso cedeu. Ele sofreu uma queda preocupante. Chegou consciente para o hospital, chegou a enviar foto por WhatsApp a amigos, mas seu quadro não evoluiu bem.

Em seu funeral, em Aparecida de Goiânia, muitas homenagens dos companheiros que fez ao longo da vida curta, mas ricamente preenchida: palavras de líderes do centro espírita que frequentava, depoimentos de colegas do jornalismo, bicicletas erguidas em sinal de reverência na saída do cortejo. O jornal O Popular, sua antiga casa, deu-lhe o destaque devido.

Ficaram órfãos a boa arte gráfica, o cicloativismo, as causas sociais em geral, a amizade de um grupo grande de colegas. E ficarão na memória histórias deliciosas do Tio Edson, a ser contadas nas diversas rodas de amigos que fez durante seus 47 anos bem vividos. Que pena que foi tão logo. Que bom que deixou tanto.