Há mesmo um contencioso entre a rede e o gestor federal. As críticas são mais percebidas porque outras redes tratam o político com luvas de pelica

Durante anos, a imprensa brasileira se comportou como o sorriso do poder e a cárie da sociedade. Como os governos se tornaram poderosos anunciantes de jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão, a mídia tratava os governantes como deuses do Olimpo — seres intocáveis. Aos poucos, o mercado foi se fortalecendo, notadamente nas regiões mais ricas do país, e a mídia, dependendo mais de muitos e menos do Estado, se tornou um pouco mais independente, o que lhe conferiu mais liberdade para reportagens de fôlego, que frequentemente desagradam o poder.

Jair Bolsonaro: forte contencioso com a mídia | Foto: Reprodução/YouTube

A intelligengtsia petista consolidou a ideia de que há no Brasil uma “mídia golpista” — chegaram a chamá-la de Partido da Imprensa Golpista (PIG). Ao chegar ao poder, ante as críticas dos jornais, sites e emissoras de televisão, notadamente da TV Globo, o presidente Jair Bolsonaro não inventou a roda — copiou a crítica do PT de Lula da Silva. A mídia “planeja” derrubar o governo.

Pura teoria conspiratória. A mídia já ajudou a derrubar governos, em especial governos que estavam caindo por si sós. Hoje, com a diversidade dos meios de comunicação — razão da queda de audiência dos líderes (na verdade, a Globo não perdeu audiência para suas concorrentes diretas, e sim para uma gama imensa de outros meios de comunicação, além da inflação de entretenimento e jogos) —, a tal “mídia” não derruba ninguém, exceto, insistamos, se os governos estiverem pelas tabelas, precisando de um só empurrãozinho.

A prova de que a mídia não derruba ninguém é o fato de que, intensamente criticado por jornais — excetuando uma ou duas redes de televisão que avaliam que todo dia é a antiga Semana do Presidente do SBT e a revista “Veja”, que parece ter se tornado porta-voz do ministro da Economia, Paulo Guedes, o homem da banca —, Bolsonaro, no lugar de perder, está ampliando a popularidade.

João Roberto Marinho, Roberto Irineu Marinho e José Roberto Marinho: os operadores do Grupo Globo | Foto: Reprodução

O que pode retirar parte da popularidade de Bolsonaro, doravante, é a crise econômica — que poderá gerar o aumento do desemprego e reduzir o poder de consumo da sociedade —, assim como as mortes provocadas pela pandemia do novo coronavírus.

Há, certamente, um contencioso entre a Globo e Bolsonaro, que chegou a ameaçar retirar a concessão dos três irmãos Marinho, o que certamente não fará. Mas a maior rede de televisão do país — cuja crise não é provocada pelo conflito com o presidente, e sim pelos novos tempos da comunicação e do entretenimento, que foram desconcentrados — não planeja “derrubar” Bolsonaro, até porque não tem poder para tanto. Sabe que, se tentar, poderá sair desmoralizada. A retomada da popularidade, às custas de programas sociais ou não, prova isto: críticas não derrubam presidentes. Agora, isto sim, a Globo trabalha para desgastar a imagem do gestor federal, quiçá com o objetivo de torná-lo mais vulnerável e menos difícil de ser batido na disputa eleitoral de 2022.

As críticas da TV Globo e do jornal “O Globo” são mais percebidas porque outras redes tratam Bolsonaro com luvas de pelica.