A associação da Al Jazeera ao terrorismo e o preconceito contra árabes e muçulmanos

20 abril 2018 às 16h22

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Declaração da senadora Ana Amélia (PP-RS), em resposta ao vídeo gravado pela também senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), evidencia desconhecimento de causa

A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, gravou um vídeo para a rede de TV Al Jazeera, do Catar, veiculado na terça-feira (17/4). Nele, a senadora pelo Paraná defendeu o ex-presidente Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba.
“Me dirijo ao mundo árabe, através da Al Jazeera, para denunciar que o ex-presidente Lula é um preso político em nosso país”, afirmou Gleisi Hoffmann, citando visitas do petista ao Oriente Médio e as boas relações comerciais e diplomáticas de seu governo com a região. “Lula é um grande amigo do mundo árabe.”
O objetivo, aqui, não é analisar a fala da presidente do PT — muito menos julgar se Lula da Silva merece estar preso ou não —, mas sim a declaração da senadora Ana Amélia (PP-RS) em resposta ao vídeo de Gleisi Hoffmann:
“Só espero que essa convocação ao apoio dos países do mundo árabe não tenha sido também um pedido para que o exército islâmico venha ao Brasil”
Senadora Ana Amélia (PP-RS)
Formada em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e com passagem por importantes jornais, como o “Zero Hora”, Ana Amélia cometeu dois graves erros em uma única frase. Primeiro, não existe um exército islâmico. Ela provavelmente estava se referindo ao autoproclamado Estado Islâmico (EI), grupo terrorista que vem perdendo territórios na Síria e no Iraque, apesar de ainda estar relativamente forte no Iêmen, na Líbia e na Península do Sinai, no Egito.
Segundo, árabe e islâmico não são a mesma coisa. Árabe é etnia e islamismo é religião. Existem muitos árabes que são cristãos, especialmente na Síria, no Líbano, na Palestina, no Iraque e no Egito. E existem muitos muçulmanos que não são árabes. A propósito, a maioria não é árabe — os países com a maior concentração de muçulmanos são Indonésia, Índia, Bangladesh e Paquistão, que não são árabes.
Mas o pior de tudo é sugerir que o chamado mundo árabe, que abrange no mínimo uns 20 países, esteja diretamente relacionado ao terrorismo. Há lugares, como Líbano e Tunísia, que são extremamente liberais — para efeito de comparação, o aborto foi legalizado na Tunísia nos anos 1960, antes dos Estados Unidos.
A associação direta entre muçulmanos e terrorismo é também preocupante. Afinal, são 1,5 bilhão de praticantes do islamismo, enquanto aproximadamente 30 mil pessoas estão lutando nas fileiras do EI, o principal grupo terrorista de orientação islâmica da última década — a ideologia por trás do Estado Islâmico é o wahhabismo, uma ramificação minoritária e ultraconservadora do islamismo sunita. Por isso, o autoproclamado califado não representa toda a religião islâmica.
Logo, nem todo muçulmano é terrorista. E nem todo terrorista é muçulmano — o Exército Republicano Irlandês e o Exército de Resistência do Senhor, IRA e LRA nas respectivas siglas em inglês, são exemplos disso. Cabe ressaltar ainda que terrorismo não possui um conceito amplamente aceito e o que é terrorista para uns não necessariamente é terrorista para todos.
Al Jazeera
A Al Jazeera é uma rede de televisão cujo dono é o governo do Catar e está entre os três projetos de expansão de influência do país, além da companhia área Qatar Airways e do clube de futebol Paris Saint-Germain (PSG).
O Catar é acusado de ter laços com grupos considerados terroristas, como a Irmandade Muçulmana, mas isso não quer dizer que a Al Jazeera promova o terrorismo, caso contrário o mesmo teria que ser aplicado à Qatar Airways e ao PSG.
Em 2001, a emissora foi outra vez associada ao terrorismo por ter divulgado vídeos da al-Qaeda, que a escolheu para os furos em virtude de sua grande audiência.
No ar desde 1996, trata-se do principal veículo de comunicação do Oriente Médio. Com transmissões em árabe e em inglês, a Al Jazeera já entrevistou os ex-presidentes do Brasil Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e o próprio Lula da Silva.