Historiador explica por que Hitler perdeu e quase ganhou a Segunda Guerra Mundial

06 junho 2024 às 15h37

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Resenha originalmente publicada em maio de 2012 no Jornal Opção
As editoras brasileiras são criativas ao traduzir títulos e ao inventar subtítulos que não existem nas edições originais. A Record publicou este ano o esplêndido “A Tempestade da Guerra — Uma Nova História da Segunda Guerra Mundial” (811 páginas, tradução de Joubert de Oliveira Brízida), do britânico Andrew Roberts. O título em inglês, “The Storm of War”, de fato autoriza a versão patropi. Mas cadê, na língua do historiador, o subtítulo? Não há, é claro. Trata-se de uma invenção da editora para atrair a atenção dos leitores. De qualquer modo, apesar da enganação, o livro contém análises surpreendentes, ainda que não se possa caracterizá-las de “uma nova história”. O leitor não especializado ganhará muito se ler, antes do exaustivo trabalho de Roberts, “Europa na Guerra — 1939-1945” (Record, 602 páginas, tradução de Vitor Paolozzi), do historiador britânico-polonês Norman Davies. Há, neste trabalho, um balanço crítico competente da bibliografia histórica, da literatura e do cinema sobre a Segunda Guerra Mundial. O tradutor Brízida, sempre competente, comete um erro básico, criticado por Davies a respeito de alguns autores: chama os “soviéticos” de “russos”. Ora, na Segunda Guerra Mundial não lutaram apenas russos, os nascidos na Rússia, e sim integrantes de todas as repúblicas soviéticas. Ucranianos, bielorrussos, georgianos, lituanos, letões, estonianos, entre outros povos, lutaram bravamente e milhões pereceram no campo de batalha. Eles nunca se aceitaram como “russos” ou “soviéticos”, mesmo sob o tacão de Stálin. Com a queda do comunismo, há a tendência de transformar em “russos” todos os ex-integrantes da União Soviética. Como se sabe, os russos são detestados pela maioria dos outros povos que foram subjugados pelos bolcheviques de Lênin a Gorbachev.

As primeiras 655 páginas de “A Tempestade da Guerra” são do balacobaco, mas o must está nas 33 páginas da conclusão, na verdade um ensaio excepcional, com o título de “Por que o Eixo perdeu a Segunda Guerra Mundial?” Como se sabe, historiadores profissionais tendem a abominar o uso do “se” na elaboração de livros. Em alguns casos, porém, a utilização do “se”, desde que não resulte em conclusões ingênuas ou fantasiosas, é valioso. É o que faz Roberts, com uma fartura de dados e análises consistentes e inteligentes.
Roberts começa com um balanço: “A Segunda Guerra durou 2.174 dias, custou US$ 1,5 trilhão e a vida de mais de 50 milhões de pessoas. Isso representa 23 mil vidas perdidas por mês, ou mais de seis pessoas mortas por minuto, durante seis longos anos”. Depois, discute a responsabilidade dos generais alemães e de seu chefe, Hitler, e, finalmente, as razões da derrota do nazismo.
O general Alfred Jodl, um dos preferidos de Hitler, disse, no julgamento de Nuremberg, em 1946, que os generais alemães não queriam a guerra e não confiavam no líder nazista. Roberts admite que a maioria do alto-comando não planejava guerrear contra a Inglaterra e a França em 1939, mas não se opuseram ao ataque à Polônia. Mas enganam-se aqueles que sugerem que tudo de criminoso deve ser atribuído apenas a Hitler. “Os ‘métodos’ permitidos pelos oficiais germânicos contra populações civis, em particular na Frente Oriental, foram bem piores do que as palavras enganosas de Jodl pretenderam expor e aqueles oficiais estavam, universal e profundamente, comprometidos com as monstruosas violações de todos os cânones que regem as regras da guerra, escritos ou não. (…) Cada um dos generais alemães sabia que o conflito no Leste seria de aniquilação, e não um combate militar convencional. (…) Na essência, (…) as desculpas de Jodl não convenceram: os generais germânicos prestaram serviço ‘aos poderes do Inferno’ e a ‘um criminoso’.”

Na União Soviética, como registram Richard Overy, em “Os Ditadores — A Rússia de Stálin e a Alemanha de Hitler” (José Olympio, 840 páginas, tradução de Marcos Santarrita), e Roberts, Stálin punia com ostracismo, prisão e morte os generais que discordavam de seu ponto de vista; na Alemanha, era diferente. “Mesmo os oficiais que alegaram oposição, e até desobediência, a Hitler não foram particularmente maltratados, a não ser, é claro, os envolvidos no atentado a bomba [contra o Führer]. Foram exonerados, readmitidos, passados à reserva por alguns meses, mas não enfrentaram a pena capital, como foi o caso de muitos que desagradaram a Stálin. Em 21 de fevereiro de 1945, Albert Speer escreveu a Otto Thierack, o ministro nazista da Justiça, oferecendo-se para depor como testemunha de defesa do caráter do general Friedrich Froom, que mantivera ‘atitude passiva’ em relação ao atentado a bomba e não alertara as autoridades sobre ele. Era inconcebível que qualquer um, salvo potencial suicida, tomasse tal atitude na Rússia soviética. (…) Ninguém foi sentenciado por se recusar a matar judeus; os oficiais arriscavam suas carreiras, e não suas vidas, quando se opunham a Hitler em termos de princípios militares. (…) Eles podiam estar ‘apenas obedecendo ordens’, porém não o fizeram por bem fundamentado receio quanto às suas vidas”, frisa Roberts.
No julgamento de Nuremberg, com Hitler morto, portanto “culpado” principal, o que de fato era, os generais nazistas procuraram responsabilizá-lo por todos os erros e crimes. Mas, como nota Roberts, “permanece o fato de que nenhum dos líderes militares e civis solicitou espontaneamente exoneração, mesmo quando ficou evidente que a guerra seria perdida”.

Ao contrário do que disseram em Nuremberg ou em livros e entrevistas, “a esmagadora maioria” dos generais prestou “serviços” a Hitler “com extraordinária lealdade”. Roberts afirma que, “individualmente, os generais tinham bons motivos para levar o conflito até o fim: Manstein ordenara o massacre de civis; Rundstedt participara do Tribunal de Honra; Guderian aceitara de Hitler pagamentos em dinheiro vivo e uma suntuosa propriedade. (…) Tampouco eles podiam pleitear ignorância dos fatos”. Roberts cita David Cesarani: “Hitler regularmente informava seus seguidores no partido, ministros e generais a respeito dos objetivos raciais que tinha em mente. Ocasionalmente, alguns faziam objeções […] mas a maioria cooperava”. O historiador inglês conclui: “Os generais germânicos foram, em sua maior parte, corruptos, moralmente degradantes, oportunistas e muito distantes dos cavaleiros não ideológicos pelos quais gostavam de se passar”.
Primeiro grande erro
Hitler e seus generais pretendiam começar a guerra, se não tivessem encontrado obstáculos à busca do que chamavam de “espaço vital”, apenas em 1942 ou 1943, quando estariam militarmente mais preparados. O registro de Roberts: “Se o conflito tivesse começado com a mesma quantidade de U-boats [submarinos] que a Alemanha possuía quando ele terminou — 463 — e não com os 26 operacionais de que dispunha em 1939, teria havido a possibilidade de asfixiar a Inglaterra, em especial se fossem concentrados esforços para a fabricação, com a maior brevidade possível, dos submarinos Walther (com propulsão a peróxido de hidrogênio e armados com torpedos guiados) e do dispositivo Schnorchel”.

Roberts acrescenta: “Se as fábricas da Luftwaffe tivessem sido afastadas dos grandes centros industriais, ou se houvesse começado mais cedo a produção em grande escala do Messerschmitt Me-262, caça a jato capaz de derrubar os Mustangs norte-americanos que se aventurassem sobre os céus da Alemanha, talvez o resultado da guerra aérea fosse diferente”.
Hitler cometeu erros, como suspender, em novembro de 1939, “o programa de desenvolvimento das bombas ‘V’ por acreditar que a vitória na Polônia demonstrara sua desnecessidade. Ele foi reativado em setembro de 1941, porém só recebeu alta prioridade em julho de 1943”.
A retirada inglesa em Dunquerque foi uma vitória alemã, mas, se Hitler tivesse sido ousado, poderia ter sido uma vitória ainda mais acachapante. Roberts avalia que, “em maio de 1940, Hitler deveria ter dado apoio aos generais que desejaram contrariar a Ordem do Alto Comando dada por Rundstedt antes de atingir Dunquerque, visto que a continuação do avanço teria significado a captura do grosso da Força Expedicionária Britânica e evitaria sua escapada do continente”. Göring, mesmo fracassando em Dunquerque, não foi substituído. “Sua fidelidade como nazista era mais importante para Hitler do que sua competência como comandante da força” (a Aeronáutica).

A invasão da União Soviética, tratada erradamente tão-somente como invasão da Rússia pela tradução brasileira, foi o “erro fundamental” de Hitler na guerra. Primeiro, porque os comunistas eram aliados dos nazistas e haviam assinado um pacto de não-agressão. Segundo, os alemães tiveram de lutar em duas frentes, quando poderiam ter eliminado primeiro a Inglaterra e, depois, atacado os bolcheviques. Com “uma fração da força que foi lançada contra a Rússia”, os alemães poderiam “ter expelido bem antes os ingleses do Cairo, Palestina, Irã e Iraque. A conquista do Cairo teria aberto quatro excelentes perspectivas, a saber: a posses com relativa facilidade dos quase indefesos campos petrolíferos do Irã e do Iraque; a expulsão da Marinha Real de sua importante base de Alexandria, no Mediterrâneo; a interrupção do tráfego marítimo dos Aliados através do Canal de Suez; e a possibilidade de atacar a Índia pelo noroeste exatamente quando o Japão a ameaçava pelo nordeste. Bem posicionados no Oriente Médio, os germânicos teriam cortado o suprimento de petróleo inglês e representado perigo pelo oeste para a Índia britânica, como também para a União Soviética e para o Cáucaso, pelo sul. Mesmo que a Inglaterra continuasse combatendo a partir das ilhas do Reino Unido, do Canadá e da Índia, mediante a importação de petróleo dos Estados Unidos, não mais existiria ameaça britânica ao flanco sul da Alemanha”.
A análise de Roberts é instigante porque, apesar de apontar o erro essencial da Operação Barbarossa, afirma que Hitler poderia ter derrotado os soviéticos. Além dos erros apontados acima, houve outros: “O Grupo de Exércitos do Sul deveria ter conquistado o Cáucaso pelo sul, e não pelo oeste. Avançando entre o mar Negro e o mar Cáspio, a invasão germânica no Cáucaso e no sul da Rússia teria privado a URSS da maior parte de seu suprimento de petróleo não siberiano”.

“Foi sorte incrível para os Aliados”, afirma Roberts, “que o Eixo jamais tivesse coordenado seus esforços de guerra e falhasse até na troca de informações sobre equipamentos básicos”. O historiador avalia que, “se tivesse havido coordenação militar entre Berlim, Roma e Tóquio, os nipônicos não teriam atacado os norte-americanos, e sim os russos, tão logo a Alemanha ficasse pronta para a invasão. O petróleo de que tanto o Japão precisava teria vindo da Sibéria em vez de ser conseguido nas Índias Orientais Holandesas. Contudo, Hitler não mostrou o menor interesse em que o Japão participasse da Barbarossa e os líderes desse último nem o informaram sobre o iminente ataque a Pearl Harbor; da mesma forma que Mussolini não alertou Hitler sobre o ataque à Grécia, tampouco o Führer falou ao Duce sobre a invasão da Iugoslávia”.
Segundo grande erro
O segundo grande erro de Hitler foi declarar guerra aos Estados Unidos. Roberts avalia que, se a Alemanha não tivesse declarado guerra aos americanos, “teria sido quase impossível que Roosevelt comprometesse os Estados Unidos com a invasão do norte da África, em 1942. Em vez disso e sem qualquer necessidade, o Führer declarou guerra aos Estados Unidos”. O erro foi cometido “apenas seis meses depois do primeiro”.
Numa análise tão curiosa quanto perspicaz, Roberts diz que “mandava o bom senso que o Führer denunciasse o Pacto Tripartite [Alemanha-Itália-Japão], que até então pouco o ajudara, após Pearl Harbor e que exonerasse Ribbentrop. As avaliações do ministro do Exterior sobre “as possibilidades e intenções dos Estados Unidos” foram “grotescas”.
O Lebensraum (a política de conquista e ampliação do espaço vital) e a limpeza étnica foi outros grandes erros de Hitler. “Se tivesse dado ao Lebensraum e à limpeza étnica baixa prioridade em sua agenda — a serem consumados depois da vitória —, os alemães poderiam ter se esforçado para transformar em aliados contra os bolcheviques opressores os povos subjugados pela Grande Rússia, permitindo à Ucrânia, Bielorrússia, Estados Bálticos, Crimeia e repúblicas caucasianas o mais amplo grau possível de autonomia.”
Outro equívoco de Hitler era não saber recuar. Se tivesse seguido o conselho preciso de alguns generais — pelo contrário, exonerava “aqueles que se dispunham” a orientá-lo “honestamente” —, teria recuado, pelo menos algumas vezes, e preservado tropas de excelente qualidade. Mas preferia continuar avançando, mesmo com alto custo de vidas. O cerco a Stalingrado foi caro em termos de dinheiro, armamentos e vidas humanas e um equívoco geopolítico. A cidade não tinha importância estratégica nem para Hitler nem para Stálin. Conquistar Moscou teria sido mais estratégico. “Além das sérias implicações para o moral russo, a queda de Moscou teria prejudicado sensivelmente a capacidade soviética de concentrar suas reservas e de suprir outras cidades na região. As distâncias, os transportes (infernizados pelos partisans), a logística, a lama, a neve e a mobilização — ainda que com monstruoso desperdício — de impressionantes contingentes humanos foram as razões para o fracasso germânico. Mesmo assim, se Fedor von Bock tivesse sido autorizado a continuar o avanço de seu Grupo de Exércitos do Centro, no início de agosto de 1941, vigorosamente e com sua força completa, na direção da capital soviética, todos aqueles obstáculos poderiam ter sido ultrapassados.”
Uma das armas de Hitler era a surpresa, mas, com a guerra, foi acomodando-se. “Entre março e julho de 1943, adiou a Operação Zitadelle do ataque a Kursk por cem dias. (…) A total falta da surpresa foi desastrosa.” Quando atacaram, numa batalha sangrenta, os russos já estavam preparados.
Hitler apreciava ter informações precisas sobre as ações de seus adversários, mas, na Normandia, em 1944, foi enganado tanto pelos aliados — sugeriram ataque num lugar e atacaram em outro — quanto pelos equívocos de seus generais. Ele próprio errou. “A solução de meio-termo que encontrou para o desejo de Rundstedt de empregar suas forças no interior e o de Rommel de combater nas praias foi o pior dos dois mundos, ao mesclar a reação e separar irreparavelmente os comandos.”
Pesquisador diz que Holocausto foi erro militar e econômico

Andrew Roberts analisa o Holocausto sob um ponto de vista pouco examinado por seus pares. O historiador avalia que o antissemitismo de Hitler contribuiu para evitar a vitória alemã na guerra. “O Reich devotou grandes quantidades de recursos, em particular em termos de transportes, no seu esforço para tornar a Europa Judenfrei” (livre dos judeus). Desconsiderando-se por completo a imensa questão moral envolvida, a qual, evidentemente, não preocupava Hitler, o Holocausto foi um erro militar, pois desviou meios ferroviários de monta e tropas SS, mas, sobretudo, porque privou a Alemanha de milhões de trabalhadores potencialmente produtivos e de prováveis soldados. (…) Entre 1939 e 1944, a força de trabalho germânica encolheu de 39 milhões para 29 milhões de pessoas, uma queda ruinosa de 26% quando era vital para a vitória um maciço aumento da produção”.
Roberts nota que, ao contrário de Inglaterra e Rússia, a Alemanha, por motivos ideológicos, não recrutou mulheres.
Hitler não teve bomba atômica porque expurgou cientistas judeus
Se tivesse feito a bomba atômica, Hitler poderia ter mudado o quadro da guerra e vencido, avalia o historiador Andrew Roberts. “Em junho de 1942, o físico alemão Werner Heisenberg relatou ao Führer que determinada quantidade de urânio, ‘não maior do que um abacaxi’, seria suficiente para destruir uma cidade.” Entretanto, assinala Roberts, “os cientistas judeus e alemães emigrados que tinham o conhecimento e a genialidade para separar partículas do átomo trabalhavam então no Novo México, e não para Heisenberg, no Instituto Kaiser Wilhelm, em Dahlen. O nazismo de Hitler também o privara dessa última, ainda que sempre escassa, possibilidade de vitória”.

“Hitler venceu sua revolução”, frisa Roberts, “por causa de sua energia, força de vontade, impulsividade, filosofia e suas políticas, que pareceram — por mais que distorcidas — oferecer esperança à Alemanha, nos anos 1930. Mas foram precisamente esses atributos e pensamentos que levaram à sua destruição na década seguinte”.
Numa conversa com Heinrich Himmler, o homem do Holocausto, Hitler disse, em 1942, que “havia sido uma ‘infelicidade que nenhum de nossos grandes historiadores tivesse se inspirado na história imperial germânica. Nosso Schiller não encontrou coisa melhor para glorificar do que um arqueiro suíço! Os ingleses, de sua parte, tiveram um Shakespeare, mas a história de seu país, no qual tange a heróis, apenas o supriu com imbecis e loucos”. Roberts acredita que Hitler estivesse citando “Hamlet” e “Rei Lear”. É possível que o líder nazista tenha dito mesmo “historiadores”, pois a tradução de Joubert de Oliveira Brízida é precisa, mas, pelo contexto, quando menciona Schiller, um dos maiores autores alemães, não estaria sugerindo “escritores” ou “dramaturgos”? Na falta de acesso ao original, não tenho como responder. Às vezes, e talvez não seja o caso, confunde-se “contador de histórias” (escritor) com “historiador”.
As palavras finais de Roberts: “A análise da derrota de Hitler tem a propensão de pintá-lo como um imbecil estratégico — ‘cabo Hitler’ — ou como um louco; porém, essas explicações claramente não são suficientes. A principal razão pela qual Hitler perdeu a Segunda Guerra Mundial foi exatamente a mesma que o levou, antes de mais nada, a deflagrá-la: ele era um nazista”.
Um reparo: a biografia de Hitler escrita por Ian Kershaw, publicada no Brasil na versão condensada (mas de qualidade, pois feita pelo próprio historiador), e os trabalhos de vários historiadores, como Richard Evans, Richard Overy e Robert Gellately, dão uma interpretação diferenciada do ditador nazista. Podem até exibir algumas de suas loucuras, mas, como havia assinalado pioneiramente A. J. P. Taylor, era, sim, um estadista.
Gellately escreveu um livro brilhante, “Apoiando Hitler — Consentimento e Coerção na Alemanha Nazista” (Record, tradução de Vitor Paolozzi, 518 páginas), no qual mostra que, ao contrário do que se tentou provar mais tarde, os alemães apoiaram, e até com certa alegria e contentamento, o governo de Hitler e que se sabia sobre a perseguição aos judeus, que, assunto público, era noticiado nos jornais.
O livro de Roberts é excelente, com interpretações (e até insights) originais, algumas delas desenvolvidas a partir de autores como os quatro citados acima, mas não é, definitivamente, “uma nova história da Segunda Guerra Mundial”. É uma história que, apesar das novidades, deve, e muito, à farta bibliografia sobre o assunto. O próprio Roberts não diz, sobretudo no título em inglês, que pretendeu escrever “uma nova história”. Nós, brasileiros, filhos de um país relativamente novo, temos a tendência de nominar tudo de “novo”, de “novidade” — como se a tradição não tivesse importância.
Ao leitor iniciante, que não está muito interessado em ler sobre análises heterodoxas e quer saber mais sobre a bibliografia, nada melhor do que o trabalho de Norman Davies citado no início do texto principal, “Europa na Guerra”, de 2006, e também dois livros de Richard J. Evans — “A Chegada do Terceiro Reich” (Planeta do Brasil, 688 páginas) e “O Terceiro Reich no Poder” (Planeta do Brasil, 1040 páginas). O livro de Roberts não foi examinado por Davies (mas Roberts cita dois livros de Davies na sua extensa bibliografia, inclusive o comentado pelo Jornal Opção), porque foi publicado em 2009 na Europa, mas o leitor poderá comprovar, lendo “Europa na Guerra”, que algumas de suas ideias mais caras foram expostas, e até com certo (ou mais) brilho, por outros historiadores — o que, obviamente, não invalida o notável trabalho do jovem historiador britânico. Ele só tem 49 anos e é um dos mais produtivos pesquisadores da atualidade.
Os Estados Unidos gastaram 350 bilhões de dólares
na guerra e 27 milhões de soviéticos foram mortos
Andrew Roberts não é um historiador ortodoxo e surpreende ao radicalizar suas interpretações — derivadas logicamente de outros autores: “Não houve caráter algum de inevitabilidade na vitória dos Aliados. (…) Muitos dos piores equívocos estratégicos do Führer foram consequências de suas convicções ideológicas, e não de necessidades militares”. O pesquisador está sugerindo que, se não fosse nazista, Hitler poderia teria “vencido” a Segunda Guerra Mundial.
“A derrota do Führer teve íntima ligação com a natureza política do hitlerismo, em particular com sua recusa a autorizar retiradas, com a fé em sua irrestrita força de vontade e com sua constante elevação das apostas, que funcionaram perfeitamente na política doméstica da República de Weimar, dos anos 1920, e nos riscos internacionais que assumiu na década de 1930. Audácia, imprevisibilidade e Blitzkrieg serviram-lhe soberbamente, até o fim de 1941, mas não foram suficientes, em particular quando seus erros de avaliação o colocaram frente a frente com o poder aéreo dos Aliados ocidentais e dos blindados russos”, destaca Roberts.
Assim como Norman Davies, Roberts aponta que as forças terrestres da União Soviética tiveram um peso decisivo na derrota do nazismo. Não foi apenas o poderio aéreo dos aliados que fez a diferença.
Roberts sustenta que, apesar do poderio dos Aliados, a Alemanha lutou bravamente até maio de 1945, com algumas vitórias. “A impressionante e irracional obstinação das duas nações do Eixo foi uma das razões pelas quais elas conseguiram suportar por tanto tempo o poderio dos Aliados, mas a elevada qualidade de suas tropas, em especial das alemãs, foi outra. As estatísticas são inequívocas: até o fim de 1944, com base na comparação homem a homem, os germânicos infligiram de 20% a 50% mais baixas aos britânicos e norte-americanos do que sofreram e bem mais elevadas aos russos, sob quase todas as condições militares.” O historiador garante que “os germânicos foram os melhores combatentes da Segunda Guerra Mundial”.
Há na historiografia americana uma tentativa de subestimar a importância dos soviéticos na Segunda Guerra Mundial — os comunistas foram decisivos para a vitória dos Aliados —, mas fundamental é notar que somente unidos Inglaterra, União Soviética e Estados Unidos conseguiram derrotar uma potência extremamente forte e determinada como a Alemanha. Roberts destaca a importância das três potências. Quando a União Soviética estava irmanada com Hitler, por meio de um acordo assinado em 1939, a Inglaterra resistia quase sozinha na Europa, “segurando” as forças nazistas e, com sua resistência, forçando o ditador a se decidir pela invasão do país de Stálin e Púchkin. 444.762 ingleses, entre militares e civis, foram mortos.
Assim como Norman Davies, Roberts nota que foram os soviéticos “que derramaram os mares de sangue necessários à derrota da Alemanha e jamais se deve deixar de realçar que, para cada cinco alemães mortos em combate, quatro caíram na Frente Oriental. Essa é a estatística central da Segunda Guerra Mundial. O custo total para os russos atingiu a medonha cifra de aproximadamente 27 milhões de militares e civis mortos”.
Se os americanos exageram sua participação na guerra, não se pode negar que foram decisivos para a vitória. “O custo norte-americano não se centrou primordialmente no sangue — 292.100 mortos —, mas na produção e distribuição de armamentos, no financiamento geral do conflito, no tamanho dos efetivos mobilizados, e nas bem-sucedidas campanhas travadas. (…) Os Estados Unidos gastaram US$ 350 bilhões na guerra, mais ainda do que a Alemanha e tanto quanto a URSS e a Grã-Bretanha juntas. Também mobilizaram 14,9 milhões de militares, mais do que os 12,9 milhões da Alemanha e o dobro dos 7,4 milhões do Japão.” Roberts conclui que “a Segunda Guerra Mundial foi um genuíno trabalho de grupo que requereu muitos esforços dos três principais parceiros, cada um ao seu modo, mas que acabaram se complementando.”
Vitória pertenceu aos Estados Unidos de F. D. Roosevelt
A União Soviética, a Inglaterra e os Estados Unidos, com o apoio de países coadjuvantes, como o Brasil, derrotaram o nazismo. Mas o grande vitorioso, em termos de predomínio econômico e hegemonia política, foi mesmo o país de Franklin D. Roosevelt, os Estados Unidos.
O historiador Andrew Roberts afirma que o presidente Franklin D. Roosevelt “combatia por um futuro que, na verdade, iria prevalecer: o da hegemonia ‘suave’ dos Estados Unidos, com bases militares espalhadas pelo mundo, acesso em geral desimpedido aos mercados globais e uma Pax Americana que perdura até os dias de hoje”.
Com a derrota da Alemanha garantida, o primeiro-ministro britânico Winston Churchill disse para uma multidão em Londres: “Esta vitória é de vocês!” O povo rebateu: “Não, ela é sua!” Roberts contesta o político e as massas: “Todos estavam errados porque, na realidade, a vitória pertencia ao recém-falecido presidente Roosevelt”, quer dizer, aos Estados Unidos.
Roberts poderia ter acrescentado que, logo depois, o elogiado Churchill perdeu as eleições para os trabalhistas. Os eleitores entenderam que, se era eficaz para a guerra, não o era para a difícil reconstrução da Inglaterra. Talvez fosse muito bélico.
Sobre Hitler, Roberts diz que, graças à sua impaciência, que produziu erros estratégicos capitais, a Alemanha não se tornou uma superpotência mundial (o curioso é que, hoje, e sem guerra, a Alemanha é uma superpotência mundial e mantém os países europeus, com exceções, praticamente como colônias). “Foi uma sorte para a humanidade que ele [Hitler] tivesse sido demasiadamente impaciente e um nazista tão rematado — a Operação Barbarossa teve origem, principalmente, em imperativos ideológicos, e não militares — na promoção dos anos de trabalho duro necessários para a consolidação de sua colheita de 1940.”
Com suas análises pouco ortodoxas, cercadas por “ses”, Roberts possivelmente desagrada parte dos historiadores profissionais. Na edição dos livros brasileiros quase sempre há trechos de textos de historiadores importantes, como Ian Kershaw, Richard Overy e Richard Evans, autores de obras seminais para compreender Hitler, o nazismo e a Segunda Guerra Mundial, para convencer os leitores a adquiri-los. É uma estratégia correta, pois os três citados não avalizam trabalhos de baixa qualidade. Na capa e na contracapa da pesquisa de Roberts não são citados historiadores, e sim trechos de resenhas publicadas em três veículos, “The Economist” (“Uma contribuição importante para a literatura da Segunda Guerra Mundial”), “Publishers Weekly” (“A história como deve ser contada”) e “The New York Times Book Review” (“Uma abordagem brilhante, clara e acessível”).
O fato de analisar o que poderia ter sido, mas não aconteceu, não prejudica, porém, a análise de Roberts. Na verdade, permite compreender por que a Alemanha perdeu e os Aliados venceram. Ele explica que a vitória dos Aliados se deu em cima da hora e que, em grande parte da guerra, Hitler esteve na ofensiva e ganhando. Cometeu equívocos militares gritantes, mas alcançou também vitórias.