Por que a derrota do PL das Fake News será uma tragédia
02 maio 2023 às 12h09
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Raras vezes se teve algo tão importante e decisivo para os rumos da Nação como a votação do Projeto de Lei nº 2630/2020, que ficou conhecido como PL das Fake News, já aprovado no Senado e que está agora sob alta polêmica e pressão na Câmara dos Deputados. A decisão está prevista para esta terça-feira, 2, mas é o presidente da Casa, Arthur Lira (pP-AL), quem decide se vai entrar em pauta ou não.
Ao contrário do que a grande maioria da população pensa, a proposta não é “obra do PT”. Pelo contrário, nasceu liderado por um antipetista: foi apresentado, em 30 de junho de 2020, pelo senador Alessandro Vieira (PSDB/SE) – então filiado ao Cidadania – em conjunto com outros parlamentares. Delegado da Polícia Civil, ele foi um dos principais defensores da Operação Lava Jato e do então juiz Sergio Moro e, eleito em 2018, declarou voto em Jair Bolsonaro naquela eleição.
Em suma, o que está sendo agora chamado pela extrema direita de “PL da Censura” é uma norma para estabelecer medidas de prevenção, combate e responsabilização pela disseminação de notícias falsas na internet, hoje controlada basicamente pelas chamadas “big techs”, empresas como a Meta (de Mark Zuckerberg, proprietário do Facebook, Instagram e WhatsApp, entre outras), Twitter (hoje nas mãos de Elon Musk, segundo homem mais rico do mundo), ByteDance (do aplicativo TikTok) e Google (que é dono também do YouTube).
São megacorporações com valor de mercado de centenas de bilhões de dólares. Só o Google está avaliado em US$ 281,38 bilhões, ou cerca de R$ 1,5 trilhão.
As medidas propostas no projeto de lei visam “passar uma risca” na liberdade total de atuação que essas empresas têm hoje no Brasil, onde não podem ser responsabilizadas civilmente, segundo o atual marco regulatório da internet, ao contrário de basicamente todas as demais personalidades jurídicas – algo que é avaliado pela maioria dos juristas como inconstitucional.
Entre tais medidas está a criação de um conselho de transparência, para fiscalizar as plataformas digitais e garantir a transparência e a responsabilidade de seus conteúdos; a identificação compulsória dos usuários em plataformas e aplicativos de mensagens, bem como a proibição da criação de contas falsas; e a obrigatoriedade de as plataformas digitais verificarem a veracidade de informações que possam causar danos à saúde, à segurança pública e à ordem econômica, bem como excluir ou suspender imediatamente perfis que desrespeitem as normas de conduta.
Não é nenhuma novidade o que está sendo discutido na Câmara: a regulação que está sendo proposta no Brasil já vigora na União Europeia, por exemplo. A motivação para isso é que, ainda que tarde, o mundo está acordando para o poderio gigantesco de informações concentrado nas mãos de pouquíssimas empresas e, consequentemente, de não mais que uma dúzia de pessoas.
Curiosamente, a maior prova de que a legislação regulatória das plataformas digitais e redes sociais precisa ser implantada com urgência foi dada nesta segunda-feira, 1º, pelo próprio Google: na página inicial de sua página de buscas – que responde por 97% das pesquisas realizadas na internet –, estava (e ainda está) um link para o PL 2630/2020. O título do link? “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade e o que é mentira no Brasil”.
É como, numa eventual ameaça de sofrer maior taxação de impostos, a Rede Globo começasse a passar um comercial em que atacasse a medida, falando que poderia interromper a transmissão das novelas e do futebol caso fosse aprovada. Porque exatamente quem pode aumentar ou reduzir a “confusão” sobre verdade e mentira na internet são as próprias plataformas. Como? Simplesmente, porque elas sabem tudo sobre seus usuários, por meio de um mecanismo de inteligência artificial chamado algoritmo, que hoje controla o que cada um vê (ou deixa de ver) nas redes.
Em outras palavras: Google, Twitter, Facebook etc., todos eles sabem quem são os cometedores de crimes na internet, porque todos eles têm acesso aos dados desses culpados e também de nós, inocentes. Só que o dinheiro que perderiam com o combate à mentira pesa mais do que a própria ética e a vontade de colaborar pela integridade (inclusive física) de quem acessa a rede.
O que chamam de “liberdade” vem acompanhado de uma locução adjetiva que as plataformas e os que espalham fake news escondem: a expressão inteira, na verdade, é “liberdade para cometer crimes com certeza de impunidade”.
Caso o PL seja derrotado, a vitória será do mal: tanto de quem se esconde nas plataformas para cometer crimes bárbaros – como atirar em crianças em uma escola ou pressionar por vídeo uma garota a se violentar – quanto de quem espalha boatos sobre vacinas, urnas eletrônicas e outras teorias conspiratórias. Essas pessoas, hoje, estão de mãos dadas com Google, Twitter e outras megaempresas porque colaboram entre si. As vítimas são todos os que não tomam parte nesse processo espúrio.
Se assim for, que Deus tenha misericórdia desta Nação, como uma vez disse, ironia do destino, um poderoso deputado corrupto.