Se durante a pandemia a microbiologista Natalia Pasternak se destacou na defesa da ciência contra o negacionismo do governo federal comandado por Jair Bolsonaro (PL), a mesma pesquisadora agora se vê às voltas em uma polêmica com parte de seus próprios pares, após publicar o livro Que Bobagem! Pseudociências e Outros Absurdos que Não Merecem Ser Levados a Sério (Contexto, 2023, 400 p.), em coautoria com o jornalista Carlos Orsi.

O mundo científico é, por essência, um meio muito vaidoso. Com o advento da internet e das redes sociais, o que era uma opinião que causaria certos melindres – como aliás ocorria na era pré-digital, mas de modo mais circunscrito – passa a ser motivo de ofensas e linchamento social em escala. O risco de cancelamento é alto.

Em uma entrevista para o canal Meteoro Brasil, no YouTube, Pasternak diz que “pseudociência é tudo aquilo que quer se aproveitar da credibilidade da ciência, usando linguagem científica, querendo parecer ciência, mas sem se submeter a seu crivo”. Não está errada no conceito. O problema vem com o que inclui no pacote: homeopatia, acupuntura e psicanálise, entre outras. Não demorou, claro, para que as críticas viessem.

“Duas coisas chamam a atenção no referido livro: o nível de violência dos ataques da autora e as falhas científicas e acentuado desconhecimento da mesma sobre a matéria a que se propôs debater e depreciar. Nenhuma delas combinam com uma postura científica”, diz o psicanalista Guilherme Magnoler Guedes de Azevedo, que apontou, em um artigo, vários pontos do texto da autora que, segundo ele, sofrem “de carência de fundamento científico”.

Em entrevista à TV Cultura há um ano, Natalia Pasternak afirmou que a homepatia funciona da mesma forma que um placebo e que, mais do que isso, existem problemas éticos na condução dos estudos científicos positivos à ela. E sobre a terapia homeopática ser oferecida pelo SUS? “É um erro, um desperdício de recursos públicos. Induz as pessoas a procurar um tratamento que não funciona e isso pode atrasar o diagnóstico de doenças graves”, afirmou.

Sobre a acupuntura, a microbiologista publicou há alguns anos um artigo no qual volta na história da China – onde a prática teria se iniciado – para registrar que as agulhadas eram pontos por onde seriam liberados os demônios e, então, a pessoa adoentada recuperaria a saúde.

Natalia Pasternak é presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), fundado por ela mesmo, e é a primeira pessoa da comunidade científica brasileira a participar do Comitê para a Investigação Cética, criado para refutar alegações paranormais e pseudocientíficas. O que, na verdade, serve para estabelecer um ponto de vista cético contra todos os outros tipos de saberes, os quais não necessariamente são ciência do ponto de vista ocidental. Na prática, vão para o embate contra o que consideram “pseudociências”, como ela e Orsi fazem no livro.

Relatos não faltam de pessoas que foram curadas ou tiveram seus traumas – físicos, psíquicos e psicológicos – aliviados por conta de acupuntura, homeopatia e psicanálise. Ironicamente, a ciência não é uma coisa exata, justamente por não ser hermética: o que hoje não se sabe, amanhã poderá se conhecer.

Mas, indo além, para que serve a polêmica de Pasternak sobre essas áreas, além de vender livros? Por exemplo, o fato de a psicanálise não se encaixar nos métodos científicos tradicionais não a inutiliza: apenas marca um território que talvez nem lhe seja necessário. Pessoas “analisadas”, se melhoram na condução da própria vida, devem isso a um tipo de placebo? É algo bem questionável.

Shakespeare, um gênio que nunca foi cientista, há muitos séculos escreveu que entre o céu e a terra existem mais coisas que nossa vã filosofia possa imaginar. O mesmo vale para a ciência.