Lula não precisa se reeleger (e talvez isso nem seja bom)

05 setembro 2023 às 17h00

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A cada semana, toda declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é repercutida e analisada de lado a lado. A última nesta terça-feira, 5, diz respeito a um pitaco do presidente a respeito dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), os quais, em sua visão, deveriam ser tornados secretos.
É uma “sugestão” no mínimo estapafúrdia diante de todo o atual regramento. A exposição de sua opinião vem, claro, na esteira do desgaste provocado pelos primeiros votos dados por Cristiano Zanin, seu indicado à Corte, que foi extremamente criticado justamente pelos setores progressistas que apoiam o governo.
Para entender Lula, é preciso entendê-lo como personagem e animal político. Por sua trajetória única e todas as idas e vindas dela, algo que daria um filme épico – com a ressalva de que sua história ainda está em andamento –, ele talvez já tenha se tornado a maior lenda do Brasil República.
Em uma situação em que a democracia estava severamente sob ameaça, diante de um candidato a autocrata buscando a reeleição à Presidência, não haveria nenhum outro nome que pudesse se opor com competitividade. Lula foi fundamental para que as forças republicanas vencessem uma dura disputa contra um adversário que fez uso e abuso da máquina pública para se manter no poder.
Ou seja: se o adversário fosse outro, menos carismático e menos popular, talvez (o terceiro talvez) Jair Bolsonaro (PL) estaria hoje em seu segundo mandato e o País, em alguma situação anômala diante da comunidade internacional e de seu próprio destino, porque governar não é a “praia” do capitão da reserva.
Lula, no governo, não surpreende. Faz o que um político nato faria: constrói alianças e entrega os anéis para não perder os dedos. Assim, vai formando uma maioria para aprovar leis que façam seu governo andar e apresentar resultados.
Na verdade, o petista nunca foi exatamente uma “figura de esquerda”. Lula é a “esquerda possível”
É bom lembrar aos mais idealistas que há um limite em todas as estratégias e discursos. O limite é o da realpolitik. Nisso, Lula é mestre e doutor.
Tecnicamente, Lula não é o nome mais adequado quer quer um governo progressista. Uma coisa é fazer um governo com políticas voltadas ao todo da população; outra é mudar a estrutura de fato, em relação às diferenças seculares que desunem os brasileiros.
Na verdade, o petista nunca foi exatamente uma “figura de esquerda”. Num Brasil extremamente desigual e tutelado desde o fim do Império pelos militares, Lula é a “esquerda possível”.
Porém, se quer avançar nesse rumo de desconstrução do Brasil arcaico, cujo maior herança maldita é a extrema desigualdade, Lula precisa pensar no futuro da esquerda e do País.
Talvez (o último “talvez” do texto) por isso, pensando magnamimamente, Lula nem devesse trabalhar por sua recondução, mas em apontar quem será seu sucessor. Nomes competentes não faltarão, desde que o presidente lhe dê competitividade repassando, a qualquer um deles, seu aval e seu prestígio. É a partir daí, então, numa sequência com alguém que entenda os rumos da contemporaneidade, que o pensamento de esquerda poderá avançar e estruturalmente produzir frutos positivos para a coletividade.