O Estado sempre foi conhecido como “a grande vaca leiteira”. Essa frase foi dita por PC Farias, o falecido tesoureiro da campanha presidencial de Fernando Collor, para exemplificar como são escusas as ligações entre o poder econômico e o político. No balcão de negócios da política é assim: a gente vota com você se você pagar uma grana (ou cargos, ou os dois juntos) para que possamos nos reeleger. Daí, a gente pode chantageá-lo até que seu mandato acabe. Esse é um daqueles “negócios da China”, mas a que normalmente dá-se o nome de coalizão.

Para se ter uma ideia do tamanho do buraco: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já liberou R$ 5,5 bilhões em emendas parlamentares. O maior montante, de R$ 1,7 bilhão, foi na terça-feira, 30, no mesmo dia em que a MP da reestruturação administrativa estava inicialmente prevista para ser analisada. Mas deputados e senadores são insaciáveis e queriam mais – o controle sobre o Orçamento e mais nomeações de aliados.

Quando com a faca no pescoço, ao governo cabe a opção de entregar o caixa para o Congresso, como fez Jair Bolsonaro (PL), ou ficar patinando sem conseguir aprovar suas leis, repetindo a relação que havia entre Dilma Rousseff (PT) e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB). Mas ao novo governo Lula caberia ainda uma outra hipótese: a de reinvenção da governança no País. O problema é que, para isso, ele precisaria unir vozes da sociedade. Não me parece ser razoável que ele consiga isso defendendo ditador, atacando a Amazônia ou indicando Cristiano Zanin para o Supremo Tribunal Federal (STF).

Coitado de Montesquieu e de quem leu espírito das leis na faculdade. O iluminista acreditava os homens estariam livres se os poderes fossem divididos entre eles. Dito de outra forma: a Nação só consegue escapar do despotismo na medida em que existe a descentralização dos poderes políticos. Nesse ponto, o político e filósofo francês ressaltava a importância do respeito às leis – ao constitucionalismo. Nossa ambiciosa Constituição queria concretizar o estado democrático de direito, garantindo o mínimo de respeito à dignidade da pessoa. O problema, para se conseguir isso no Brasil, é que a movimentação política é sempre para a manutenção do próprio poder – aqui, nem existe distinção entre político ou econômico, porque eles se imiscuem.

Sobre a reinvenção da governança, ironicamente, isso seria possível graças às características do centrão, grupo daqueles que os norte-americanos chamam de swing voters. São aqueles eleitores ou legisladores de voto flutuante e que não têm associação particular a ideologia ou partido político específico. Só que continuar cedendo ao imperador da Câmara, além de desfigurar o governo, acaba por inviabilizá-lo. Basta recordar que, não importa quão generosas sejam as verbas, os monstros são sempre insaciáveis. Na tarde da quinta-feira, 1º de junho, o jornal O Globo informava que Lira iria continuar travando pautas enquanto não mudassem a articulação do Planalto. Reinando além de seus próprios limites, Arthur Lira também precisa olhar para a história e ver que, depois que Cunha cantou de galo, foi derrubado e respondeu por seus malfeitos (chegou a ser preso). Evidente que, nessa trajetória, muitos outros também ficaram pelo caminho. Como bem dizia Dilma: “(…) Vai todo mundo perder”.