Alvo preferido da bandidagem, celular rouba a cena em investigações

30 agosto 2023 às 16h58

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Martin Scorsese tem excelentes filmes de máfia. É um gênero que ele ajudou a moldar com obras icônicas como “Os Bons Companheiros” e “Cassino”. O de enredo mais atual é Infiltrados. Nele, o celular é a arma mais importante no conflito entre “bandidos e mocinhos”. No filme, somos levados a acompanhar em tempo real uma tensa disputa, mediada por celulares, mensagens de texto, escutas e câmeras ocultas, sempre à procura de uma informação, uma peça que possa desmantelar toda a encenação e revelar a verdade por trás das máscaras. Na vida real, o aparelho é alvo preferido tanto de bandidagem pequena quanto de grandes investigações policiais.
No terreno da bandidagem pura e simples, em 2022, o país registrou 508,3 mil roubos e 490,8 mil furtos de celulares, totalizando quase 1 milhão de ocorrências. Isso significa um aumento de 16,6% na comparação com 2021 ou quase dois por minuto. Só em Goiás foram registrados 28.960 roubos ou furtos desses aparelhos. Essas informações constam no 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, desenvolvido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no mês passado. Como a pesquisa só leva em consideração dados oficiais registrados pelas secretarias estaduais de segurança pública, podemos considerar que o número real seja maior já que só neste final de semana, por exemplo, foram recuperados 30 aparelhos em Goiânia que haviam sido furtados durante a festa do peão em Barretos, São Paulo. Para além do valor do aparelho, bandidos e policiais têm percebido que as informações contidas valem mais que objeto.
Não à toa, a polícia busca periciar e recolher os aparelhos dos políticos e dos advogados desses políticos. Recentemente, aliados de Jair Bolsonaro (PL) se mostraram preocupados em relação às conversas encontradas no celular de Frederick Wassef. Mauro Cid que está preso até hoje diz lamentar não ter jogado o celular no fundo do mar. Aras, por sua vez, viu sua chance de ser reconduzido reduzida a zero depois da divulgação de mensagens com empresário bolsonarista. O deputado bolsonarista goiano, Amauri Ribeiro, precisou entregar o telefone dele ontem para a PF.
Aqui em Goiás, outros celulares também parecem meter medo e por isso foram até desaparecidos. Um desses, periciado durante a investigação do crime que vitimou os advogados Marcus Aprígio Chaves e Frank Carvalhães, ambos assassinados no interior do escritório em que trabalhavam, em Goiânia, em 28 de outubro de 2020. O aparelho sumido em questão foi utilizado em uma quebra de sigilo telefônico durante a fase de inquérito dos homicídios, revelando suposto esquema de tráfico de influência e troca de favores dentro do Poder Judiciário do estado. Esse suposto desaparecimento do aparelho veio à tona após a Procuradoria-Geral da República (PGR) solicitar os celulares para uma investigação ministerial, a fim de apurar “a potencial capilaridade dos crimes envolvendo diferentes autoridades com prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça”. O problema é que depois dessa solicitação, o TJ informou no processo que não há no Núcleo Público Judicial do órgão o segundo aparelho solicitado pela PGR. A Polícia Civil (PC), responsável pela investigação na época do crime, também informou que o celular exigido “não foi encontrado no cartório” da instituição. Depois de tudo isso, na tarde desta quarta-feira, 30, o gabinete da 2ª Vara Criminal dos Crimes Dolosos contra a Vida e Tribunal do Júri informou ao Jornal Opção que o aparelho por fim foi localizado.
Nesse último caso lembro-me de outro roteiro de filme, dessa vez nacional: “Tropa de Elite” quando se constata que existe um grande mecanismo de corrupção que envolve polícia, políticos, juízes e todo o resto. Ainda bem que uma hora ou outra algumas verdades acabam aparecendo. Como discípulos de Montesquieu é bom ter em mente que “todo homem que tem o poder é tentado a abusar dele (…). Por isso é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder.”