De todas as medidas tomadas em contraposição à pandemia recente, do Covid-19, nenhuma se mostrou mais inútil e contraproducente do que o chamado lockdown. Não há quem possa negar seus efeitos negativos sobre a economia e sobre a educação nas sociedades em que foi aplicado o “fecha tudo”, o “fique em casa”. Finanças e empregos nas empresas foram prejudicados pelo mundo afora, do pequeno restaurante em Portugal aos gigantes da construção civil na China, passando pelas companhias aéreas mais significativas. E 1,6 bilhão de alunos perderam ou dois anos de aprendizado, urbi et orbi.

Agora, vencida a fase mais negra do flagelo, acalmados os ânimos e examinada a situação mais com racionalidade do que com emoção, diante dos números definitivos, está demonstrado que a medida, tão extremada, tão radical, e muito facilmente adotada pelo mundo todo, falhou em reduzir o contágio do Covid, meta única a que se propôs. Antes de mais nada, uma palavra sobre sua origem, já que a falha do lockdown está no seu DNA, nasce com ele, é um pecado original.

O pai do lockdown é um epidemiologista britânico, chamado Neil Morris Ferguson, do Imperial College London. Foi ele quem convenceu o então primeiro-ministro Boris Johnson, no início de 2020, a impor o lockdown, ação que foi difundida pela BBC de Londres e imitada ao redor do Globo, por dirigentes dos vários níveis de governo, atarantados com um problema que desconheciam, e que apenas copiavam o que outros faziam, sem se aprofundar no acerto da medida.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), com sua incompetência notória, também não saiu da inércia e acompanhou o rebanho. Se alguém tivesse o cuidado de esclarecer quem era Ferguson (que passou a ser conhecido como Professor Lockdown), veria que é um desses muitos sapateiros que vão além dos sapatos. Um desses especialistas que conhecem bem um campo limitado da ciência, e que quando resolvem extrapolar sua sabedoria para outros campos, inevitavelmente “dão com os burros n’água”. O filósofo espanhol Ortega y Gasset já havia criticado a ação desses sábios limitados, no início do século passado.

A equipe de Ferguson, em 2001, errou no analisar uma crise de febre aftosa no Reino Unido e convenceu o governo a abater cerca de 10 milhões de animais. Provou-se depois que as previsões estavam erradas e o abate era desnecessário.

Quando surgiu o mal da vaca louca, em 2002, Ferguson e equipe previram 150 mil mortes no Reino Unido. Morreu um milésimo disso. Em 2005, com a gripe do frango, a previsão da equipe era de morrerem 200 milhões de pessoas no mundo. Não morreram 500.

Não param aí as previsões catastróficas — e erradas — da equipe Ferguson. Em 2009 ela previu a morte de 65 mil pessoas no Reino Unido, devido à gripe suína. Outra vez, as mortes não passaram de 500. Com todo esse passado, é difícil crer que Ferguson tenha conseguido parar o globo com suas previsões que levaram a medidas extremadas — e equivocadas. Mas foi o que aconteceu. E um fato prosaico, mas que vem em desfavor do lockdown, pois não deixa de desmoralizá-lo: em meados de 2020, em pleno lockdown, Neil Ferguson teve que renunciar ao cargo de assessor do governo britânico para assuntos do Covid. Descobriu-se que sua amante furava o lockdown e atravessava Londres para seus encontros com ele.

Embora tenhamos outros exemplos de países, como o Japão, que não adotaram o lockdown total e nem por isso foram mais infectados, nunca é demais usar o exemplo mais corrente da inutilidade da medida, a Suécia, pois comporta comparação com vizinhos europeus.

A Suécia se recusou a adotar a medida extrema, não fechou seus restaurantes, lojas, indústrias e shoppings e muito menos suas escolas. Preferiu as campanhas de esclarecimento da população. Suas autoridades foram execradas pelos vizinhos europeus e pela OMS e estiveram próximas de rezar um mea culpa. O próprio rei Carlos Gustavo chegou a admitir que podiam estar abordando mal a questão da pandemia.

Anders Tegnell, cientista sueco que ajudou a salvar pessoas e a economia da Suécia | Foto: Reprodução

Mas, hoje, um exame frio dos números mostra que a Suécia não errou, quando assumiu que o lockdown destruía a economia e atingia a educação, mas não evitava o contágio. Quem errou foram os outros.

A oeste da Europa, Portugal, com a mesma população da Suécia, que adotou rigoroso “fecha-tudo”, teve o dobro de infectados e 20% a mais de mortos.

No centro europeu, a desenvolvida Suíça, com população apenas um pouco menor que a Suécia, e que adotou o lockdown, teve, proporcionalmente, quase o dobro de infectados, embora a mortalidade fosse um pouco menor. Mas, bradaria a imprensa de esquerda, até hoje defensora intransigente do lockdown, para quem não interessam os fatos numéricos, e sim apenas defender a medida já incorporada aos seus dogmas, a comparação deve ser com os países nórdicos, vizinhos da Suécia, que adotaram medidas rígidas e não com o resto da Europa.

Compare a mortalidade da Suécia com aquelas da Dinamarca, da Finlândia, da Islândia e da Noruega. Esse o berreiro, sem, contudo, justificá-lo, e falando da mortalidade, e não, como deveria, do contágio. A mortalidade por 100 mil habitantes nessas nações foi bastante baixa, é verdade, menor que na Suécia. Mas reside aí um sofisma.

Em primeiro lugar, a mortalidade nesses países não foi só mais baixa do que na Suécia; foi mais baixa do que em toda a Europa, e as razões para isso devem ser buscadas no tipo de tratamento dado aos enfermos, o que a OMS deveria fazer e divulgar, mas nunca fez.

Em segundo lugar, a comparação não deve ser entre número de mortos, mas de contaminados. O lockdown sempre foi um monstrengo adotado para evitar a contaminação, nunca, até porque não é medicação, para curar doentes do Covid. Foi apontado, desde o início, como a panaceia, que uma vez adotada, acabaria com a transmissão do vírus e esvaziaria os hospitais, ou pelo menos não os superlotaria. Nem o mais estalinista dos afiliados ao PC do B terá coragem de dizer que o lockdown cura Covid.

A Suécia teve também menos — em alguns casos muito menos — contaminados por 100 mil habitantes que os demais países nórdicos, embora tivesse mais mortes. Apenas a Finlândia compete (a rigor empata) com a Suécia, no que respeita ao contágio.

Esses números o leitor não verá na “grande imprensa”, mas poderá buscar por si mesmo nos registros oficiais.

Compare, hoje, passada a tempestade, o número de infectados da Suécia (25%) com os da Dinamarca (57%), Finlândia (23%) e Noruega (27%), e mesmo com a Islândia (57%), uma pequena ilha, de apenas 300 mil habitantes.

Compare, hoje, passada a tempestade, o número de infectados da Suécia (25%) com os da Dinamarca (57%), Finlândia (23%) e Noruega (27%), e mesmo com a Islândia (57%), uma pequena ilha, de apenas 300 mil habitantes. Em resumo, está hoje comprovado que o lockdown não evitou aumento de contágio. Foi apenas um desastre a mais, uma medida infeliz a se somar à pandemia, e que em nenhuma hipótese cumpriu o que dele se esperava.

Os que dele discordaram, desde o início, ganharam o incômodo epíteto de negacionistas. Como o infectologista sueco Johan Gieseck, que foi epidemiologista-chefe da Agência de Saúde Pública da Suécia até 2013, e seu sucessor, discípulo e amigo, Anders Tegnell.

Gieseck foi duramente criticado por seus pronunciamentos anti-lockdown em 2020, quando dizia que resultados numéricos seriam confiáveis só depois de mais um ano. Anders resistiu em fechar comércio e escolas (principalmente) mesmo pressionado pelo chefe do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, o francês Denis Coulombier.

Gieseck e Anders, que eram massacrados em 2020, agora, verificado que tinham lá suas razões, são bastante reverenciados. Até um livro, de autoria do jornalista também sueco Johan Anderberg, foi escrito e publicado neste ano, contando a luta, ao final justificada, de Gieseck e Anders. O lockdown foi uma falácia em escala mundial, agora se sabe. Que nunca mais se repita.