Escrevo estes rabiscos, leitor, a três dias do segundo turno das eleições. As mais tensas eleições que vi em minha octogenária existência. E o leitor os está lendo no dia mesmo de votação, tendo já exercido seu direito e dever de votante, ou estando prestes a fazê-lo. Com a sorte já lançada, pois. Com os resultados ainda em suspenso, arrisco alguns comentários.

Eu não havia visto ainda uma coalizão tão poderosa se levantar contra um candidato, no caso o presidente que tenta a reeleição — Jair Bolsonaro.

Parte dela é ideológica, representada pelos partidos e seus simpatizantes da esquerda local (a sul-americana), que, como se sabe, descolou-se da esquerda moderna europeia, e cultiva as velhas teorias marxistas e gramscianas da esquerda soviética. São as universidades, as redações dos jornais e televisões e a parte mais honesta, ainda que mais obtusa, da intelectualidade local. É a esquerda atrasada, do Che Guevara na camiseta, que ainda sonha com o antigo poderio da URSS, não quer ver o desastre de Cuba e da Venezuela, ignora seu concubinato com o narcotráfico, e que tem companhia no subcontinente: na Argentina, no Chile, na Colômbia, na Bolívia etc.

Outra parte dessa coalizão é fisiológica, representada pelo empresariado (como o financeiro e o da comunicação) que vivia dos favores ou dos olhos fechados do governo, a elite encastelada nos três poderes que vive dos supersalários, dos penduricalhos e das verbas, e os artistas indolentes que acham mais fácil o dinheiro público que o das bilheterias. E parte, nem precisaríamos dizer, é as duas coisas, ideológica e fisiológica a um só tempo, como mostraram os escândalos bilionários da era petista recente, e cujos protagonistas, em grande parte, estão aí, vivos, atuantes e sonhando com uma volta triunfal.

A parte mais visível dessa coalizão está materializada na trindade partidos de extrema esquerda-imprensa-cúpula do Judiciário (TSE e STF principalmente). A linha de ação foi geralmente com os partidos de esquerda (como o Psol) provocando a imprensa e o Judiciário e estes respondendo positivamente às suas demandas.

Lula da Silva, candidato do PT à Presidência da República | Foto: Instituto Lula

Estas eleições são únicas. O leitor poderá dizer que todas são, mas estas são inovadoras. Exemplos: alguns colunistas da “grande imprensa” fizeram campanha para Lula da Silva durante mais de três anos, desde a posse do atual presidente, sem outro assunto que não as críticas, muitas vezes infundadas, ao Executivo, e com a concordância dos patrões. Ao mesmo tempo, ocultaram, numa atitude pouco profissional, os erros do candidato das esquerdas.

Algumas empresas de comunicação se dedicaram a uma campanha diária, pertinaz e sem tréguas, contra Bolsonaro. Tudo o que fazia era objeto de críticas, e o que havia de bom no governo era (e é) escondido. Às vésperas da votação no primeiro turno, as entrevistas dos dois candidatos numa dessas empresas escancarou a diferença de tratamento: enquanto os apresentadores desancaram Bolsonaro em sua entrevista, trataram Lula como um filho, na semana seguinte. Os institutos de pesquisa ligados à imprensa, nem se fala: tanto tentaram ajudar seu candidato que exageraram na dose e se desmoralizaram, deixando claro que se descuidaram da verdade no tentar influenciar eleitores.

Mas o inusitado mesmo ocorreu na cúpula do Judiciário, que sempre vimos, em tempos passados, imparcial, equidistante das partes em disputa. E que agora inova, o que chama a atenção até no exterior.

Lula da Silva era condenado em três instâncias, com sobejas provas, por uma dezena de juízes de carreira insuspeitos, havia cumprido quase dois anos de prisão em regime fechado. Ficha suja, não havia como prosseguir na carreira pública. Até que, em 8 de março de 2021, num ato que, dependendo da posição de quem observa, tanto pode ser adjetivado como extremamente corajoso ou como esdrúxulo, para não dizer algo pior, o ministro Edson Fachin, que nunca foi juiz de carreira, anulou, de uma só penada, todas as condenações.

No dia 15 do mês seguinte, o STF, por 8 votos a 3 (Nunes Marques, Marco Aurélio e Luís Fux discordaram de Fachin), referendou o ato, mesmo contra um agravo da Procuradoria-Geral da República.

Lula estava feito candidato, para alegria dos componentes da futura “coalizão”.

O que tem ocorrido é sabido: os partidos de extrema esquerda ou congressistas inexpressivos recorrem ao STF para travar ações do Executivo, sendo de pronto acatados. Só até fins de 2021, o STF havia interferido mais de uma centena de vezes no Executivo, algumas delas inconstitucionalmente, como na proibição de uma nomeação para a chefia da Polícia Federal, outras prejudicando a nação, como na paralisação da Ferrogrão, a ferrovia nacional mais importante. A imprensa, de maneira cúmplice, tudo endossou.

Com a proximidade das eleições, o ativismo do STF iria se acentuar, com a prisão ilegal de deputado ligado ao governo, constrangimento de empresários idem e outros atos tidos como parciais, ilegais e ao arrepio do Ministério Público, que várias vezes manifestou seu inconformismo.

Com a posse dos atuais dirigentes do TSE, quando o presidente do Tribunal, Alexandre de Morais, e o corregedor Benedito Gonçalves foram, espantosamente, cumprimentados por Lula com afetuosos tapinhas na face, a atuação do Judiciário na campanha eleitoral pareceria cada vez mais uma torcida.

Passado o primeiro turno, essa atuação cada vez mais se aproximaria de uma censura, até se confundir com ela. Foi o que vimos acontecer nas duas semanas antecedentes ao 30 de outubro. O TSE estabeleceu o que Carlos Lacerda chamava de monólogo de duas bocas: uma pode dizer o que quer, enquanto a outra sequer pode dizer a verdade.

Não houve empecilhos quando a trupe de Lula chamava o presidente de genocida, coisa que ele não é. Mas o TSE não admitiu que se tratasse Lula como ex-presidiário, coisa que não há como dizer que não seja.

Um documentário sobre a tentativa de assassinato do presidente (ainda não esclarecida) foi proibido de ser veiculado na mídia, embora a tentativa seja da mais cristalina verdade.

A estreita ligação de Lula da Silva com os ignorantes Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, e Nicolás Maduro, da Venezuela, não pode ser mencionada. A foto de Lula usando boné de uma facção criminosa não pode ser mostrada.

Nenhuma emissora simpática a Lula sofreu qualquer tipo de admoestação, mas a Jovem Pan, que se alinha com o conservadorismo, logo com o presidente, sofre até censura prévia. Esse precedente deveria ter escandalizado as demais emissoras, mas qual o quê! Elas parecem alegres com o acontecido. É a pimenta nos olhos alheios.

Até um ex-ministro do STF (Marco Aurélio Mello) é censurado, pois declara seu voto no presidente.

As inserções televisivas e radiofônicas beneficiam Lula ilegalmente, sob omissão do TSE. E no dia 20 deste mês, a dez dias do segundo turno, o TSE editou uma resolução de arromba. O Tribunal pode suspender de imediato o que julga notícias falsas, desmonetizar canais de rede, multar emissoras que não cumpram no prazo de duas horas alguma determinação sua — as multas são astronômicas —, tudo isso de ofício e independentemente do Ministério Público, algo inexistente na legislação.

A Procuradoria Geral da República, aliás, apresentou ação direta de inconstitucionalidade contra trechos dessa resolução (Resolução 23.714/2022). E, prova do exagero da medida, a ministra Carmen Lúcia, ao votar a seu favor, o fez de maneira muito constrangida, praticamente reconhecendo a sua inconstitucionalidade, mas acatando, “já que era apenas até o dia 31 deste mês”. Algo surreal, a suspensão da Constituição por dez dias.

Esse voto quase causa tragédia, pois o ex-deputado Roberto Jeferson criticou as alegações da ministra, com palavras pesadas. Recebeu ordem de prisão, enfrentou a Polícia Federal à bala e por fim se entregou. Mas a jornalista Barbara Gancia, militante lulista, quase ao mesmo tempo, fez idênticas alusões à filha do presidente, uma garotinha de apenas 11 anos, e nem TSE e nem imprensa se moveram. Enfim, leitor, no dia da publicação destas linhas a sorte estará lançada e um presidente estará eleito. Se for Bolsonaro, nunca um presidente terá enfrentado com sucesso uma tal coalizão de forças e de interesses, nacionais e internacionais. Se for Lula da Silva, nunca um condenado com tantas provas, e tendo cumprido prisão em regime fechado, terá se sentado na cadeira presidencial do País. E qualquer que seja o vencedor, não terá vida fácil antes de primeiro de janeiro de 2027.