Tempos atrás, comentamos aqui sobre uma das páginas marcantes de Shakespeare, que encontramos na peça O Rei Henrique VI, escrita e representada no fim do século XVI, e que retrata um diálogo (ficcional, criação do dramaturgo) entre a rainha consorte Margarida (Marguerite, no original) D’Anjou e Ricardo, o duque de York, na Guerra das Rosas.

O duque, acusado de traição, foi capturado na batalha de Wakefield (na realidade, morreu na batalha) e levado à presença da rainha, no Castelo de Sandal. Na enfermidade de Henrique VI, ela enfeixa nas mãos os negócios do reino. Segue-se um áspero diálogo entre a rainha e o duque, prestes a ser decapitado. O duque, na fala criada por Shakespeare, profere um ditado, para acusar a rainha de ignorância e despotismo, no ocupar um trono que não lhe cabe e de que não está à altura: “Montado o mendigo, faz o cavalo galopar até morrer”. O ditado ficou célebre. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, no século XIX, o reproduziu em seu livro “Aforismos para Sabedoria na Vida”. Continua válido, mutatis mutandis, até hoje. E como figura de retórica, será válido até o final dos tempos, significando que alguém que ocupe uma posição deve estar preparado para ela, sem o que só fará desatinos e desmandos.

O Brasil (infelizmente, e muito) e o mundo estão cheios de indigentes morais e mentais, que galgaram poderes muito acima de sua compreensão e de suas capacidades, usando e abusando de sua posição, sem ter como avaliar os males que espalham, até por lhes faltar o discernimento intelectual para isso.

Na época de Shakespeare (viveu 52 anos entre 1564 e 1616), o sonho de consumo não era, é evidente, um carro de luxo, um jatinho, um helicóptero ou um iate, que não existiam, mas um belo corcel, luzidio e de bom galope.

Um indigente, que um nobre, num raríssimo arroubo de generosidade presenteasse com uma dessas montarias, seria o mais feliz dos homens, mas sua felicidade pouco duraria, pois, na sua ignorância, não saberia dos muitos cuidados que um animal de raça exige, o que come, a que horas deve a ele dar de beber, bem como quanto em uma jornada pode ele percorrer sem os danos da estafa. Não teria os cuidados necessários, cavalgaria em excesso, e num certo dia veria o corcel desfalecer debaixo de si. Daí o adágio.

Os mendigos de espírito

A todo momento vemos mendigos de espírito, sem conhecimento, sem moral e sem ética, galopando além dos limites a sua montaria figurada. Montaria que pode ser um título ministerial, um mandato executivo ou legislativo, uma reitoria de universidade pública, uma diretoria de empresa estatal ou de um fundo de pensão, uma coluna de jornal, uma toga de um tribunal superior.

Algumas vezes vimos, nessa nossa pátria gentil, réplicas caricatas de Marguerite D’Anjou, nas figuras de nossas primeiras-damas, como a de agora, ostentando um poder que não lhes cabe, deslumbradas com ele, abusando das compras, das viagens e de outros gastos (que infelizmente são cobertos com o dinheiro dos sofridos contribuintes), ditando regras, ultrapassando ministros, apontando ao presidente o que deve ou não deve fazer, desconhecendo, em seus alegres e privilegiados desvarios o sofrimento dos desvalidos que não têm a Saúde, a Educação ou a Segurança que lhes cabe por direito.

Ocorre agora mesmo no Brasil, como se vê nos poucos noticiosos não comprometidos. Mas poderia ser pior: o ditador de opereta da Nicarágua, Daniel Ortega, por sinal amigo de Lula, acaba de designar a mulher (que é também vice-presidente), Rosário Murillo, que, ao que parece, nem curso de direito tem, para presidir o Supremo Tribunal da Nicarágua.