Uma das (poucas) vantagens que adquirimos atingindo a senectude, digamos assim, é a de conferir aos acontecimentos uma certa previsibilidade. As coisas acontecidas, testemunhadas ou de alguma forma remota conhecidas, vão se acumulando, até restar, para acontecer, não muita coisa absolutamente nova ou espantosa no universo humano. Fora o que é tecnológico, logo de alguma forma descartável, pouca coisa tida como novidade costuma ocorrer sob o sol ou nas caladas. Uma sonda espacial que pousa em um cometa é um feito, um acontecimento. Mas as paixões humanas não mudam.

Uma de minhas mais remotas lembranças é de 1945, no fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Meu pai mostrava a um amigo uma fotografia, numa revista ou jornal, não me lembro bem, de um homem muito magro, que parecia dormir, sentado em uma cadeira. Meu pai falava revoltado sobre o castigo que merecia quem fazia aquilo. Perguntei se o homem estava dormindo e ele me respondeu que não. Estava morto. De fome. Tinham deixado que ele morresse de fome. “Quem deixou?”, perguntei. “Hitler”, respondeu meu pai, embora esse nome nada dissesse a um garoto de 8 anos, que eu era então.

Mas foi um impacto saber que alguém faria outro morrer de fome, e logo de fome, algo tão ruim, que as mães evitavam que nós experimentássemos por uma hora sequer. Só tempos depois fui saber que se tratava de foto de um prisioneiro, judeu provavelmente, morto de inanição num dos campos de concentração tomados pelos aliados.

Nada há de novidade, nas guerras que hoje fazem tremer o Oriente Médio: se não fazem morrer de fome alguns inimigos, hoje podem degolá-los em público. Pouco ou nada muda, nas relações humanas. Apenas o retrato no jornal, impresso meses após ter sido revelado, é substituído hoje pela imagem quase instantânea que o satélite transmite para nosso computador.

A Alemanha, com enorme capacidade de soerguimento, construiu, depois da destruição da Segunda Guerra, uma das democracias mais ricas e socialmente justas da Terra. E não foi fácil, pois apenas um quarto de século atrás ainda estava dividida, e a metáfora da divisão era o Muro de Berlim, atrás do qual outros Hitlers ainda subjugavam e infligiam sofrimento a boa parte dos alemães.

Se a Alemanha deve a si mesma a reconstrução e o alto padrão econômico e social que seu povo hoje ostenta, o mundo deve a ela a mais cabal demonstração de fracasso do sistema comunista de governo, que provocou não só a liberdade alemã, mas o efeito dominó em todo o Leste Europeu e a desmoralização comunista no mundo. Nada mais devastador para o comunismo do que comparar a marcha das duas Alemanhas: a Ocidental, saída da ditadura nazista para a democracia, pujante, cada vez mais próspera e livre, proporcionando à sua população bens materiais em abundância, educação e saúde no mais alto grau. A Oriental, que havia apenas trocado a ditadura hitlerista por sua irmã stalinista, autoritária, estagnada, desabastecida, coagida pelos órgãos de espionagem interna, policialesca, cada vez mais atrasada e soturna. Dois modelos. E ainda existe quem prefira o se­gundo. A queda do Muro de Berlim, que completou 25 anos, deveria ser comemorada mundialmente.