Por que só um corrupto, Sérgio Cabral, está preso no Brasil? E Lula?

05 junho 2022 às 00h00

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Lula da Silva está posando de herói, “absolvido” por decisões do Supremo. Mas todo brasileiro sabe que houve corrupção em seu governo
Responda, leitor judicioso, se puder a essas angustiantes questões:
1
Sérgio Cabral é hors concours?

Existe apenas um político corrupto em nossos 8,5 milhões de quilômetros quadrados e entre nossos 212,6 milhões de habitantes?
É o que parece, ao menos à primeira vista, pois apenas o ex-governador carioca Sérgio Cabral está preso. E suas penas estão sempre aumentando, à medida em que seus processos vão sendo julgados. Ao que parece, também, todos aqueles nomes surgidos nas denúncias, nas dezenas de operações da Polícia Federal, nas prisões, nas centenas de processos judiciais, pertenciam a pessoas puras e inocentes. Deputados, senadores, governadores, diretores de estatais, administradores de fundos de pensão, dirigentes partidários, empresários amigos do poder, diretores de bancos estatais e até um ex-presidente, foram todos acusados e presos injustamente? Confessaram sob tortura? Devolveram aquelas fortunas todas que nem haviam sido roubadas e que tinham obtido trabalhando honestamente? É de se indagar, pois todos eles, exceto Sergio Cabral, estão soltos.
2
Nada contra Renan Calheiros?

O que acontece com processos de que tanto ouvimos falar no passado, envolvendo políticos famosos, e sobre os quais pesa um intrigante e paralítico silêncio?
Dizem que o senador Renan Calheiros tem uma dúzia de processos contra si, com muitas e diversas acusações, e que esses processos estão espalhados por várias gavetas no Supremo, talvez ali esquecidos. O político parece não os temer, tal a desenvoltura com que se move pelos espaços políticos brasileiros. Parece até que troça deles. Outros políticos fazem o mesmo, como o comunista Orlando Silva, reeleito deputado (e que, reeleito, apresentou projeto de lei incentivando o incesto), aquele que comprava até tapioca com o cartão de crédito do Ministério dos Esportes, de que era titular e onde se investigava grossa corrupção, com seu envolvimento pessoal. O que ocorreu com esse e tantos outros inquéritos? Algo há que impeça sua marcha, já que contra o deputado Daniel Silveira, apenas boquirroto, mas não ladrão, tudo anda a toque de caixa, processos, condenações e multas?
3
Carmen Lúcia e Marta Suplicy

A ministra do STF Carmem Lúcia compareceu, em janeiro deste ano, a uma reunião política em casa da petista Marta Suplicy. É apropriado para um ministro do Supremo?
Lá estavam petistas e agregados de outros partidos indissociáveis do PT, como Gleisi Hofmann, a mulher de Fernando Haddad, a herdeira do banco Itaú e cabo eleitoral de Lula, Neca Setúbal, jornalistas da “Folha de S. Paulo”, jornal também engajado na candidatura petista. Bastaria o fato de a reunião ser onde foi para ser caracterizada como política e petista. Como a ministra foi agraciada por Lula em 2006, com a nomeação para a Suprema Corte, apesar de não ser nenhuma luminar em direito (sequer conseguiu se doutorar), essas atitudes podem parecer uma parcialidade, logo uma suspeição, algo altamente tóxico para qualquer juiz, principalmente do Supremo Tribunal Federal.
4
Kátia Abreu e Rodrigo Pacheco
Um jantar, em casa da senadora Katia Abreu, no mês passado, reuniu senadores implicados em corrupção e ministros do Supremo, a quem cabe julgá-los. A explicação é de que se tratava de uma ação em defesa do STF. Não é um tanto estranho?
No encontro estava o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que teria interesses junto ao Supremo, segundo se informa, pois seria sócio de um grande escritório mineiro de advocacia. Verdade ou não, é fato que ele tem sido absolutamente subalterno ao STF. É uma vergonha que aconteça com o presidente de uma casa que já foi comandada por figuras altivas como Afonso Pena, Nilo Peçanha, Nereu Ramos, Jarbas Passarinho. Estava no jantar Renan Calheiros, talvez o campeão de processos no Supremo, se confraternizando com os juízes que devem julgá-lo. Estava Jacques Wagner, que nunca explicou totalmente seu envolvimento na corrupção nas obras do Estádio Fonte Nova e nas do prédio da Petrobrás em Salvador e outros senadores. Se o Senado é quem julga ministros do STF e se são estes quem julga senadores, o que é, por si só uma aberração, a reunião é algo muito fora da normalidade.
5
Processos de Lula da Silva

Pode existir algo mais estranho do que a anulação das várias sentenças pronunciadas contra Lula?
O ex-presidente foi julgado em Curitiba, em primeira instância, pelo juiz Sergio Moro, a quem o Brasil muito deve. Ele desnudou a mais grossa corrupção possível de existir num governo, envolvendo empreiteiros, empresários amigos da Presidência da República, governos estrangeiros, altos funcionários da administração centralizada e das mais variadas empresas públicas, dirigentes partidários, um presidente e uma presidente da República.
Provas materiais sobraram: dinheiro nos mais inusitados esconderijos, sítios e apartamentos inexplicáveis, adegas milionárias, confissões às dezenas, delações premiadas, devoluções de dinheiro roubado, multas astronômicas pagas, no Brasil e no exterior. O Supremo Tribunal Federal, onde quase todos os ministros foram nomeados pelos réus, houve por bem anular as sentenças que pesaram sobre Lula e o levaram ao presídio. Alegou a defesa, e o Supremo acatou, que o foro foi impróprio e que o juiz cometeu falhas que indicavam parcialidade. Respeitemos, sem desistir de achar estranho que o acessório se sobreponha ao principal.
Lula foi também, em segunda instância, no desenvolver do processo, julgado pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. As sentenças foram mantidas. E os desembargadores são insuspeitos de parcialidade. Ainda mais, a terceira instância, pelo Superior Tribunal de Justiça, também se manifestou. Confirmou as sentenças. E os ministros do STJ são insuspeitos, aqui, de parcialidade. E mais, nenhuma prova foi contestada. A despeito disso tudo, Lula, um dos réus mais famosos do mundo, ficou isento da coleção de condenações e hoje – não há como não se assombrar — é candidato à Presidência de que se locupletou, com seus sócios, amigos, companheiros e parentes. Estranho a não mais poder, não acha o leitor?
6
Sergio Fernando Moro

Se um juiz condena ladrões, cujos roubos são comprovados por vários cúmplices, que inclusive devolvem parte do dinheiro roubado, pode esse juiz ser processado por sua atuação?
Por mais absurda que seja a possibilidade, ela é real no Brasil. Rui Falcão (PT-SP), José Guimarães (PT-CE), Natália Bonavides (PT-RN) e Paulo Pimenta (PT-RS), todos deputados, todos pertencentes ao partido que já foi acusado de ser uma organização criminosa, processam na justiça de Brasília o juiz Sergio Moro, que, diga o que disserem, pôs a descoberto um mega esquema de corrupção neste país.
Paulo Pimenta é processado no STF por lesar produtores rurais em São Borja. Natália Bonavides, em sua campanha, teria declarado doações de pessoa morta, de beneficiário de Bolsa Família e de desempregados – uma milagrosa! E José Guimarães ficou célebre pelos dólares escondidos na cueca de seu assessor José Adalberto Vieira, flagrado em 2005, no aeroporto de Congonhas. Inversão de valores, paradoxo ou absurdo? Resposta com o leitor.
E basta de perguntas embaraçosas. Vai uma constatação, mais embaraçosa ainda: o World Justice Project (WJP) é uma instituição com sede em Washington, nos EUA, cuja finalidade estatutária é “… trabalhar para o avanço do Estado de Direito no mundo…” e que publica uma relação dos países com melhor justiça. No ano passado, no item Melhor Justiça Criminal, dos 139 países avaliados, o Brasil ficou em penúltimo lugar, atrás apenas da Venezuela.