O livro de James Bradley “The Imperial Cruise — A Secret History of Empire and War” (Little Brown and Company Edition. No Brasil, o livro saiu pela Editora Lafonte com o título de “O Cruzeiro Imperial — Uma História Secreta de Império e Guerra”) não é apenas uma história de imperialismo e guerra. Antes de mais nada, pois com ele começa a narrativa, uma história de racismo. Mas vamos com calma. O livro merece. James Bradley é um cronista histórico da presença americana no Pacífico. Apresenta-se sempre como filho de John Bradley, um dos seis fuzileiros navais que levantaram a bandeira americana em Iwo Jima, gerando uma das fotos mais difundidas da Segunda Guerra (outra seria a do soldado russo hasteando a bandeira soviética no topo do Reichstag, em Berlim). O que parece pieguice, em se tratando de um bom escritor, o que Bradley já demonstrou de sobra.

Seu primeiro livro é “Flags of our Fathers” — traduzido no Brasil, com o nome de “A Conquista da Honra” e publicado pela Ediouro. Foi também tema de um filme dirigido por Clint Eastwood. Está centrado na batalha de Iwo Jima, e no drama que vivem alguns soldados (seis), um deles o pai de Bradley. Foi, durante quase todo ano de seu lançamento (2000), o cabeça da lista de best-sellers do “New York Times”.

Theodore Roosevelt: pioneiro na “aliança” com o Japão | Foto: Reprodução

O segundo livro, “Flyboys — A True History of Courage”, é também sobre a guerra do Pacífico, agora vista por um grupo de aviadores derrubados num raid aéreo também na batalha de Iwo Jima (um deles é o ex-presidente George Bush — o pai).

Em “O Cruzeiro Imperial”, Bradley trata de uma batalha mais silenciosa: uma missão diplomática (a maior, dizem, da história americana) enviada em 1905 ao Oriente, pelo presidente Theodore (Teddy) Roosevelt: Havaí, Japão, Filipinas, Hong Kong, China e Coreia.

Não era uma missão comum. Chefiada pelo secretário da Guerra (equivalente a ministro da Defesa) e futuro presidente William Howard Taft, levava consigo sete senadores, vinte e três deputados, militares de alta patente, e a filha do presidente, Alice Roosevelt. Em que pese a grande representação congressista, as instruções recebidas por Taft eram cabais: o que deveria ser tratado, principalmente com os japoneses, deveria ser secreto, e não seria submetido ao Congresso americano.

O cruzeiro deveria parecer uma expedição de boa vontade dos EUA, e aí se explicava a presença de Alice, 22 anos, uma popular figura feminina de então (os jornais chamavam-na “A Princesa”), nos moldes da princesa Diana, morta em Paris. Um ímã para a imprensa, precursora do feminismo, Alice fumava e guiava carros, quando as mulheres ainda não cometiam essas imprudências. Seria um chamariz para as notícias e para o sobrenome Roosevelt no que dizia respeito à parte publicável do cruzeiro.

Theodore Roosevelt e o marechal Cândido Rondon, no Brasil | Foto: Reprodução

O racismo americano, no fim do século XIX e início do século XX, era de deixar a Alemanha nazista no chinelo, e só viria a ser atenuado ao fim da Segunda Guerra Mundial. Tácito, ao escrever “Germânia”, um século depois de Cristo, estava, sem saber, dando lugar ao nascimento do “arianismo”, que viria a ser a essência do nazismo e motor da Segunda Guerra. Mas, antes disso, seria o inspirador do Império Britânico, encarregado, no entender dos ingleses, de levar a civilização (branca e principalmente britânica) a todos os lugares do mundo. Era o “fardo do homem branco” no dizer de Kipling. Os americanos acreditavam piamente nisso. Os arianos, saídos das florestas germânicas e evoluídos para as tribos teutônicas, haviam demonstrado uma capacidade de organização que outras não tinham. Algumas tribos, emigradas para o sul, haviam misturado seu sangue com o de tribos inferiores, no entender dos adeptos da teoria, e habitariam hoje Grécia, Portugal, Itália e Espanha.

As tribos que haviam “seguido o sol” em marcha para oeste e ocupado as ilhas britânicas mantinham puro seu sangue, pois haviam exterminado as mulheres dos povos conquistados, ao invés de dormir com elas, e escravizado os homens. Por isso, tinham preservado sua superioridade civilizatória e evoluído para a raça anglo-saxã. Que emigrando para os EUA não havia misturado seu sangue com os nativos locais, preferindo exterminá-los, e se mantido, também, superiores. A cultura popular e a recém-surgida “ciência social” estavam repletas dessa crença, no fim do século XIX e nos anos seguintes.

O filósofo e escritor americano Ralph Emerson dizia que “o ariano é a criação superior de Deus, estando o negro destinado à servidão e o índio à extinção”. Samuel Morton, o célebre médico e professor, corria em defesa, com o argumento de que o volume do cérebro do branco era maior que o do índio. John Burgess, professor da Universidade de Columbia (e de Theodore Roosevelt), escrevia que apenas os teutônicos podiam dominar, pois haviam criado a ideia de Estado. Não poderia ser diferente a crença de Teddy Roosevelt e dos que o cercavam, como Taft. Com essa crença, os índios americanos haviam perecido ou sido banidos de suas terras para longínquas reservas. Com ela, os americanos haviam ocupado áreas tomadas da Espanha no continente americano e nas Filipinas, e submetido, cruelmente, os nativos.

Roosevelt via o Pacífico como um oceano onde o domínio americano devia ser inconteste, logo, devia manter os asiáticos próximos de suas costas. Mas necessitava de apoio e aliança para tanto, naquele teatro geopolítico. Como confiar naqueles amarelos “inferiores”? A solução surgira com a observação do desenvolvimento japonês, e sua aproximação, a princípio desconfiada, e depois consentida, com os americanos. E solidificada depois da vitória japonesa sobre a Rússia, em 1905. Pela primeira vez os brancos, ocidentais, eram derrotados por não-brancos.

Roosevelt havia torcido pelos “japas”, e passou a cortejá-los e estimulá-los à ocupação da Manchúria e da Coreia. Eram seus “arianos honorários”. A principal tarefa de Taft, no Cruzeiro Imperial, era, secretamente, consolidar essa aliança. Secundariamente, dialogar com a China, que promovia então um enorme boicote aos produtos americanos, em represália ao tratamento cruel que recebiam seus emigrados nos EUA (fruto também do arianismo).

As consequências futuras — e trágicas — da missão (principalmente no correr da Segunda Guerra), Bradley descreve bem no livro. O arianismo, como todo grupo de preconceitos, pois nem de ciência pode ser chamado, logo desmente a si mesmo.

Os produtos chineses, ao tempo do ariano Império Britânico, eram muito superiores aos produzidos na Inglaterra, e sua importação custava um volume de prata (único produto de troca aceito pela China) que os ingleses não conseguiam obter. Daí as duas guerras do ópio, cujo consumo e contrabando a Inglaterra estimulava, para obter de volta sua prata. Segundo Bradley, isto fez da Rainha Vitória a maior narcotraficante de todos os tempos. E Roosevelt, alguns anos mais tarde, ao se aventurar na Amazônia, em perigosa expedição, junto com seu filho Kermitt, só não morreu porque teve a assistência, a determinação e a coragem maiores que a dele (que eram imensas), provenientes de um índio brasileiro que o acompanhava: o marechal (então coronel) Cândido Mariano Rondon. Mesmo não sendo o Brasil um país que tenha costa no Pacífico, vale a leitura.