Ao vetar a indicação de Alexandre Ramagem, de reputação ilibada, o STF criou a possibilidade de condenar antes de a pessoa cometer crimes

O ator norte-americano Tom Cruise protagoniza o filme “Minority Report — A Nova Lei” | Foto: Divulgação

Uma fórmula infalível para o sucesso de um filme está na combinação de três fatores: um argumento da lavra de um bom escritor (ou tirado de um livro de sucesso), um diretor talentoso e atores de brilho reconhecido (uma boa trilha sonora ajuda).

O filme “Blade Runner” (no Brasil “O Caçador de Androides”), de 1982, é um exemplo, no campo da ficção científica. Baseado em uma novela de um dos maiores escritores de “science fiction” dos Estados Unidos, Phillip K. Dick (1928-1982 — viveu apenas 53 anos), dirigido pelo craque Ridley Scott e com Harrison Ford (já antes bem-sucedido como “Indiana Jones”) no papel principal. Tinha de ser sucesso.

Mas quero mesmo falar de outro filme de renome, na mesma linha: o futurista “Minority Report” (no Brasil, o título é: “A Nova Lei”), de 2002, também baseado em uma obra de Philip K. Dick, dirigido pelo excelente Steven Spielberg e estrelado pelo não menos famoso Tom Cruise.

A ação, que se dá no ano de 2054, gira em torno da criação de um departamento experimental da Polícia de Washington, denominado Pré-Crime, que se encarrega da prisão de futuros assassinos antes que cometam seus homicídios. A detecção dos quase-assassinos é feita por meio de mutantes videntes. Esses sensitivos apontam à polícia quem está prestes a matar e deve ser preso. Tudo se complica e começa o “suspense” quando o próprio chefe do departamento de Pré-Crime, o capitão John Anderton (papel de Tom Cruise), se torna suspeito e deve ser preso.

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal

Trata-se de um filme de ficção, mas é também uma indagação sobre o livre arbítrio, a ingerência governamental na vida dos cidadãos e a ética midiática. Tudo a ver com o Brasil de hoje.

Não é que o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes passa a agir como se tivesse no STF um departamento de Pré-Crime? Provocado por um partido político (o PDT do amalucado Ciro Gomes), teve a visão de que o delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem, nomeado para o cargo de diretor-geral do DPF, iria cometer crimes, embora num futuro ainda incerto, para proteger os filhos do presidente Jair Bolsonaro e também iria permitir ingerências indevidas no órgão. Por isso resolveu, por medida liminar e pessoal, suspender sua nomeação. Nomeação que obedeceu a todos os requisitos legais. Com o agravante de Ramagem ser um delegado conceituado, que hoje dirige a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), cargo que ocupa com aprovação do Senado.

Luís Roberto Barroso defendeu o terrorista e assassino Cesare Battisti, como advogado, e, como ministro do Supremo, indultou José Dirceu | Foto: José Cruz/ ABr

Há paralelo ou não, leitor, com a ficção científica do filme de Steven Spielberg? Lembremo-nos que Alexandre de Moraes suspendeu no ano passado investigação fiscal aberta pela Receita Federal para apurar sonegação e talvez outros crimes por parte de 133 figurões. Entre estes, fala-se, estariam personagens da cúpula do Supremo Tribunal Federal.

(Em 2016, uma medida liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, mandava suspender a posse de Renan Calheiros na presidência do Senado. Renan nem concordou em receber a intimação. O Senado desconheceu a medida. E a imprensa, que tanto barulho faz hoje, não deu maior importância ao fato.)

Aliás, nos últimos dias, foram três as ações do Supremo Tribunal Federal em desfavor do Executivo que causaram estranheza: além da suspensão da nomeação de Ramagem, tivemos a interrupção da expulsão dos diplomatas venezuelanos que o Itamaraty havia promovido. Ato de exclusiva competência do presidente, mas que foi suspenso por medida liminar do ministro Luís Roberto Barroso.

Lembremo-nos que Barroso foi advogado dativo de Cesare Battisti, o terrorista e assassino italiano, hoje cumprindo pena de prisão perpétua na Itália. Barroso também concedeu, em 2016, indulto a José Dirceu.

Tivemos ainda o decano ministro Celso Melo, atendendo a um pedido da Procuradoria-Geral da República e abrindo inquérito para avaliação das declarações de Sergio Moro demissionário. Até aqui nada de mais.

Mas Celso Melo resolveu dar uma velocidade inusitada à questão. Inclusive determinando o exíguo prazo de cinco dias para a oitiva inicial do ex-juiz e três dias para o Planalto entregar registros de reuniões. Ameaçou os ministros-generais Augusto Heleno, Braga Netto e Luiz Eduardo Ramos de condução coercitiva para depoimentos. Prazos de três e cinco dias em se tratando da Suprema Corte? Em cujas gavetas dormem, há anos, processos contra os gordos ladrões indiciados na Lava-Jato? Condução coercitiva para ministros ilibados?

Que grandes novidades estamos contemplando, desde que o presidente Bolsonaro assumiu o cargo que lhe coube numa eleição livre! Não sabemos o que pretende o decano. Talvez encerrar esse processo antes de sua aposentadoria em novembro, num “gran finale”.

Mas não nos compete fazer juízo de valor sobre o ministro. Se algum leitor quiser saber mais sobre ele, sugiro o livro do ex-ministro da Justiça Saulo Ramos, cujo título é Código da Vida. Nas páginas 170 e seguintes, Saulo Ramos fala de Celso Melo, por ele indicado a Sarney para ser nomeado, como foi, Ministro do Supremo. É bom que se diga que as medidas citadas foram objeto de divergências internas no STF. Houve crítica, ao menos da parte de dois ministros: Dias Toffoly e Marco Aurélio Mello.