Obra de Patrik Gautrat revela que governante luso foi tolerante com a Resistência durante a Segunda Guerra Mundial

Perdoe o leitor se volto ao tema Segunda Guerra Mundial (1939-1945). É que Patrick Gautrat, que viveu a juventude em Portugal e que foi embaixador da França no país de 2004 e 2008, acaba de publicar um livro que traz mais revelações sobre o período 1940-1944. Agora, particularmente, no que respeita a Portugal e à França. O título (infelizmente, o livro ainda não foi traduzido para o português) é sugestivo: “Pétain, Salazar, De Gaulle – Affinités, Ambiguïtés, Illusions (1940-1944)”, editora Chandeigne, 214 páginas.

António Salazar, ex-governante português: tolerância com a Resistência | Foto: Reprodução

Gautrat relata no livro, muito comentado em Portugal, uma época particularmente delicada para a França (principalmente) e para Portugal. A crise –depressão econômica – de 1929 tivera um enorme impacto negativo na democracia ocidental. A revolução soviética estava em seu período de consolidação, e era então válido discutir vantagens e desvantagens das duas ideologias, capitalismo e comunismo. Mas uma outra onda se sobrepunha a essa dualidade: a ascensão, principalmente na Europa, das doutrinas populistas, nacionalistas e racistas.
Começara na Itália, com Benito Mussolini, em 1922, chegara a Portugal, com António Salazar, em 1926, na Alemanha, com Adolf Hitler, em 1933, na Espanha em 1939, com Francisco Franco. Hungria, Romênia, Croácia, Finlândia seguiam o mesmo caminho. Na América do Sul, surgiam os imitadores, como Getúlio Vargas em 1934, e, embora tardiamente, Juan Domingo Perón, em 1946.

O francês Philippe Pétain com o austríaco Adolf Hitler | Foto: Reprodução

A França, pátria do liberalismo, dona do pretenso exército mais poderoso do mundo, seria não só derrotada, mas humilhada por Hitler em 1940, e dividida. Dois terços de seu território ficariam sob ocupação e alemã e um terço abrigaria – quem diria – uma república nos moldes fascistas, com um presidente fantoche (Pierre Laval), chefiada por um militar herói da Primeira Guerra Mundial (o marechal Philippe Pétain). Era a República de Vichy, assim chamada por ter a sua capital na cidade francesa de mesmo nome. É sobre a relação de Portugal com a República de Vichy, ou sobre Pétain e Salazar, que Gautrat fala em seu livro, quando menciona as “affinités”. As “ambiguïtés” ficam por conta da tolerância que Salazar, tão ligado a Vichy e Pétain, teve para com a resistência gaulista durante a guerra, embora não a reconhecesse oficialmente, e tivesse a declarada antipatia de De Gaulle.

Charles de Gaulle, líder da França | Foto: Reprodução

As “illusions”, tanto Pétain quanto Salazar as tinham: Radicalmente anti-bolcheviques, julgavam que deveriam ser negociado um armistício entre a Alemanha e os Aliados, de maneira tal que a União Soviética não avançasse sobre a Europa Oriental, como acabou fazendo. Uma Alemanha livre de Hitler, mas não exaurida, seria uma garantia contra a expansão soviética, pensavam os líderes francês (de Vichy) e português. Mas eram ilusões.
As conferências de Teerã, no final de 1943, e de Ialta, no início de 1945, deixavam claro que a rendição alemã teria que ser incondicional. Não haveria a paz negociada, e nem Hitler a admitia. As ilusões de Pétain eram maiores: pensava mesmo em servir como mediador num tratado de paz. Mas seu destino era outro: foi condenado à morte na França, por traição, ao fim da Guerra. Como era um herói nacional da Primeira Guerra teve a sentença comutada para prisão perpétua. Morreu na prisão, em 1951.

Franklin Roosevelt e Winston Churchill: o americano e o britânico tinham mais estatura política — eram mais estadistas — do que o francês Charles de Gaulle | Foto: Reprodução

Gautrat mostra uma França de Vichy se identificando com Portugal. Se este era um país pequeno e pobre, aquela França poderosa havia se transformado em um arremedo de nação, com apenas um terço de seu território e humilhada por uma derrota militar fulminante. Pétain, visceralmente militar, admirava Salazar, por seu preparo como economista, seu sucesso em sanear as finanças portuguesas e sua habilidade em tratar com as partes em guerra sem se comprometer demasiado com nenhuma.
Se o slogan de Salazar e seu Estado Novo era “Deus, Pátria e Família”, o de Pétain e Vichy eram “Trabalho, Família e Pátria”. As relações culturais, comerciais e diplomáticas entre os dois governos foram boas até o final da guerra. De Gaulle nunca perdoou Salazar por essa proximidade e por não ter reconhecido seu governo provisório. Não invectivava contra ingleses, russos e americanos, que nunca o levaram muito a sério, mas fazia questão de demonstrar seu desgosto com Salazar, mesmo depois de Portugal se unir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em 1949. Chegou a visitar Franco na Espanha, em 1970, mas nunca se encontrou com o chefe português.

Patrick Gautrat: pesquisador da Segunda Guerra Mundial | Foto: Reprodução

Mas De Gaulle foi um estadista de estatura menor, muito abaixo de Winston Churchill, Óssip Stálin ou Franklin D. Roosevelt, no que respeita a Segunda Guerra Mundial. Aos primeiros sinais da derrota francesa, escapou para a Inglaterra. Não correu o risco de chefiar na clandestinidade uma Resistência francesa, como fez o marechal Tito, na Iugoslávia. Nem mesmo quis organizar uma força resistente numa colônia francesa, como o Marrocos. Preferiu a segurança inglesa, e se dava uma importância que os Aliados não reconheciam. Entretanto, para se fazer de importante, tinha o pequenino Portugal.