Já abordamos na coluna Contraponto o assunto da gravidez de adolescentes sem condições materiais, familiares ou psicológicas para sustentar uma prole. Também falamos de como o poder público segue inteiramente alheio à questão, a despeito de sua gravidade e das consequências futuras dessa omissão.

Um grupo de senhoras do condomínio onde moro — e minha mulher o integra — estabeleceu um projeto de primeira ajuda a mães carentes. Elas relacionam, com auxílio de entidades filantrópicas, as gestantes que têm dificuldades, financeiras principalmente, para arcar com o parto e com os primeiros cuidados da criança que chega. Confeccionam e montam um conjunto completo de apoio a um recém-nascido, com sapatinhos, fraldas, pijamas, agasalhos, cobertas e cobertores, produtos de higiene e banheira de que o bebê tem necessidade logo que nasce.

A cada entrega que fazem a um grupo de gestantes, corresponde um relato dramático e até deprimente das voluntárias sobre o que viram e sobre o que é de se prever quanto a essas crianças nascidas em estado de necessidade, sobre a irresponsabilidade dos pais, e sobre o alheamento do poder público quanto às providências que poderia tomar, mas não toma.

Na entrega do mês passado, como sempre ocorre, havia uma gestante de pouca idade — 13 anos — e que por sua fragilidade parecia ainda mais nova. O drama costuma não se ater à pouca idade e ao despreparo para arcar com uma maternidade. A isso costumam se somar a orfandade, o desemprego, a ausência do pai da criança, e às vezes o uso de drogas. O que se pode esperar do futuro de um garoto ou uma garota nascida nessas circunstâncias?

Na última entrega, dois dramas ainda mais chocantes chamaram a atenção: o primeiro, de uma gestante de 35 anos que se preparava para o parto do nono filho. Desempregada, diga-se de passagem. E evidentemente sem a noção da responsabilidade de procriar nessa circunstância de carências, pois, se tivesse essa compreensão, não teria se engravidado tantas vezes, e teria cuidado de uma providência anticoncepcional. Precisa de ajuda.

O outro caso é ainda mais triste: foi atendida uma gestante, que tem deficiência mental e que estava na décima primeira gestação: isso mesmo, onze filhos gerados por quem sequer poderia orientar uma única criança.

Estarrecidas, as senhoras presentes indagavam como poderia ter acontecido essa sequência de infortúnios. Não havia parentes para exercer o mínimo de cuidados para que a mulher não ficasse exposta a contatos sexuais irresponsáveis? Pois se ela era deficiente mental, não faltariam os deficientes morais, marginais mesmo, para o abuso sexual, se houvesse facilidade para tanto, na comunidade carente em que vive.

E entra aí a falha indesculpável do poder público: uma parenta que a acompanha nesses partos surreais disse que não consegue que o SUS faça a laqueadura, a esterilização definitiva, concomitante com o parto. Orienta o SUS que a mulher volte um mês ou mais depois do parto, o que acaba não acontecendo. E o que acaba acontecendo é a nova gravidez.

Com isso, vai engrossando o contingente de jovens que não estudam e nem aprendem algo em casa; no ócio, logo que pré-adolescentes e ansiosos pelo consumo, caem nas mãos do tráfico, que os alienam facilmente.

Se rapazes, vão ser “aviõezinhos”, entregadores de pequenas doses de drogas, e mais tarde soldados do tráfico, que acabam, iludidos com o enganoso poder de portar uma pistola ou um fuzil, vítimas de um bando rival, da polícia muito mais preparada para um combate, ou dos próprios chefes locais se cometem alguma falha, punível às vezes com a morte.

Se garotas, seguirão o caminho das mães, muitas vezes tomadas da família pelos traficantes, principalmente se são atraentes — e vão engrossar o contingente das jovens mães solteiras sem condições de criar condignamente os filhos.

Cadê o papel das elites políticas e da imprensa?

E o que discutem as elites políticas enquanto isso? E a imprensa?

A cúpula do Judiciário, creio, no Olimpo onde vive, sequer sabe ou quer saber da existência desse drama, quase tragédia.

O Congresso tem como problema mais importante da República a reeleição de cada deputado ou senador.

O Executivo tem quase 40 ministérios, mas, que eu saiba, nenhum tem a menor preocupação com essa infelicidade que atinge nossa juventude. A preocupação maior é com colocação dos companheiros mais próximos em alguma boquinha, uma viagem nos jatinhos da FAB transformados em taxis aéreos das autoridades “progressistas”, um “plus” nos rendimentos ocupando um cargo de conselheiro em alguma estatal e outras coisas da mesma importância.

Já a imprensa, a “investigativa” e “independente”, está preocupadíssima com os relógios Rolex, Piaget e Cartier que ganham os presidentes, com o quebra-quebra de 8 de janeiro, com os banheiros unissex, com a legalização da maconha, com as armas dos atiradores desportivos, com a letalidade policial, com defender o aborto, com a prótese do atual presidente, a cirurgia de Gleisi Hofmann e coisas que tais.

Essas gestantes ineptas, a pedir em seu silêncio ignorante uma providência mínima do poder público que as desconhece, representam um drama duplamente pungente: por elas e por sua prole, mais desvalida do que elas. Um programa de orientação anticoncepcional, com distribuição de contraceptivos e ensinamento, com a aplicação de dispositivos intrauterinos, poderia contar com a colaboração de um voluntariado que inclusive já existe, e custaria menos do que a manutenção de um desses ministérios agora criados e cuja atuação ninguém vê. E seria um milhão de vezes mais benéfico para nossa sociedade, principalmente a parte mais necessitada dela. Que alguém acorde para o problema.