Uma temporada passada em um país que tenha uma elite política civilizada revela muitas coisas. É o conhecimento pela comparação. Portugal, a despeito de ter uma população vinte vezes menor que a nossa e ser um dos países mais pobres da Europa, reserva algumas surpresas, principalmente para quem não só faça uma viagem turística, superficial, mas tenha alguma ocupação ali, e conviva de maneira mais estreita com os locais. O que é público, o que é de uso do povo, ali, tem qualidade.

A infraestrutura da terra da escritora Lídia Jorge já chama, desde logo, a atenção: as estradas são impecáveis em sua qualidade, manutenção e limpeza; quedas de energia são algo praticamente inexistente, para citar dois exemplos. Por outro lado, as autoridades não se aproveitam de seu poder em causa própria, seja em seus vencimentos, seja no auto atribuição de privilégios indecentes. E o que é mais importante: saúde, educação e segurança são de molde a nos causar inveja — e vergonha

E já que falamos de segurança, estamos, nós brasileiros, ou melhor, estão nossas autoridades maiores, brincando com fogo — e com gasolina, a um só tempo.

O avanço do narcotráfico, premido pela proximidade dos maiores produtores de drogas e pela obrigatoriedade da passagem dos tóxicos por nosso território, está a pedir uma prioridade na preocupação dos responsáveis, antes que se torne gravíssima uma situação que já é grave. À piora da situação não tem correspondido nenhuma providência dos três poderes da República. Ao contrário, a leniência com o crime só cresce. Aponto, a seguir, alguns exemplos ilustrativos, bem recentes.

Michael Corleone (Al Patino) e Marcola, o chefão (mesmo preso) do PCC: grande operação de lavagem de dinheiro “sujo” no Brasil | Fotos: Divulgação e reprodução

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PCC e as multinacionais do tráfico

Uma reportagem do “Estadão”, do dia 11 de junho, assinada pelo colunista Ítalo Lo Re, com base em um relatório da organização suíça GI TOC (Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, em inglês), mostra a proeminência das multinacionais brasileiras do tráfico, o PCC principalmente, nesse infame comércio global.

Notícias preocupantes: o Primeiro Comando da Capital, numa dinâmica empresarial de fazer inveja a muitas multinacionais importantes, diversificou seu envio de drogas para a Europa, e está utilizando para isso a África (Senegal, Nigéria, Gana e Serra Leoa, principalmente); passou a diversificar também os portos brasileiros de embarque, uma vez que o porto de Santos já estava muito visado (agora usa também os portos de Paranaguá, Barcarena e Salvador); fatura mais de 1 bilhão de dólares ao ano; tem uma lucratividade fabulosa (1 quilo de pasta-base de cocaína comprado na Bolívia por mil dólares já está sendo vendido em algumas regiões da Europa por 85 mil dólares, numa valorização de 8.500%).

O PCC está associado a organizações similares em outros países como a máfia italiana, fato mostrado pelos promotores Lincoln Gakyia, de São Paulo e Giovanni Bombardieri, da Calábria, em recente encontro no Brasil.

No Brasil, o tráfico está buscando (e conseguindo) associações empresariais legais para lavagem de dinheiro (como nas empresas de transporte municipais e postos de gasolina) e comprando autoridades policiais, judiciárias e políticas.

Lincoln Gakiya: promotor corajoso que combate o crime organizado | Foto: Reprodução

Não podemos nos esquecer que outras modalidades criminosas estão diretamente ligadas ao tráfico, como o roubo de veículos (são trocados por drogas em nossas fronteiras), garimpo ilegal e vários tipos de assaltos violentos (como a bancos e carros fortes).

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Tráfico fecha vias expressas no Rio

Também no dia 11 de junho, a imprensa noticiou que as três principais vias expressas do Rio de Janeiro haviam sido fechadas por ordem do comando do tráfico local, causando enorme tumulto naquela que é uma das principais cidades do país, e antiga capital da República. Uma respeitável demonstração de força do crime organizado. O motivo da ação criminosa foi uma operação policial realizada no complexo da Maré, uma das áreas cariocas dominadas pelo tráfico, onde morreram um policial militar e dois traficantes. 

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Hotéis do PCC em São Paulo

Outra reportagem do “Estadão”, de 13 de junho, fala de uma operação realizada pela polícia estadual paulista, que detectou 78 hotéis e hospedarias no centro da capital paulista, pertencentes ao PCC. Servem à lavagem de dinheiro e dão apoio logístico à distribuição de drogas.

Como sabemos, no centro de São Paulo instalou-se a Cracolândia, uma excrecência urbana no uso e na comercialização de drogas e que, incrivelmente, tem apoio de grupos políticos e de parte da Igreja Católica, ditos “progressistas”.  

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PCC infiltrado no setor público

O UOL Prime, do dia 13 de junho, divulga outra grave denúncia, verdadeiramente de tirar o sono de qualquer autoridade policial ou judiciária responsável: o PCC se infiltrou no serviço público municipal paulista, na área de serviços (como limpeza e alimentação), e vem vencendo fraudulentamente licitações.

Em ao menos 25 prefeituras foram descobertas essas licitações, num vasto esquema chefiado por um elemento do PCC chamado Latrell Brito, hoje foragido. Ele usava sete empresas de sua propriedade para as fraudes, comprava autoridades ou agentes políticos municipais e comandava um esquema de burla em pregões eletrônicos.

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Infiltração no transporte público

Há dois meses, o Ministério Público de São Paulo provocou a chamada Operação Fim da Linha, pois havia detectado uma incrível infiltração do PCC no transporte público paulista.

Duas empresas de ônibus, que transportam cerca de 700 mil passageiros/dia tinham seu capital controlado pelo PCC, que as usavam como fachadas legais para lavagem de dinheiro e ramificação para outras empresas também fraudulentas e sonegadoras, além de auxiliares na lavagem de dinheiro.

As empresas secundárias atuavam no comércio de imóveis e na revenda de veículos. Contadores especializados eram contratados para mascarar as operações falsas e a grande movimentação de dinheiro sujo.

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O tráfico os aviõezinhos

A recente decisão do STF de não criminalizar a posse de até 40 gramas de maconha terá como consequência secundária — é inevitável — a facilitação do tráfico miúdo, de distribuição, o chamado “tráfico dos aviõezinhos”.

Estes casos recentes, junto a outros que mostram tentativas (até bem-sucedidas) de figuras do tráfico (como aquele da “dama do tráfico amazonense”) de se aproximar do governo federal são preocupantes; e muito mais preocupantes são aqueles que estão encobertos e progredindo a pleno vapor.

Quantas autoridades policiais e judiciárias já não foram cooptadas pelo esquema? Ninguém sabe. Os fatos aqui citados mostram que, sem serem incomodados, a não ser por frações policiais abnegadas, os traficantes avançam rumo a um narcoestado brasileiro.