O século passado, em que pese o grau civilizatório que o mundo havia alcançado, presenciou, ao lado de barbáries menores, três espetáculos genocidas, desses injustificáveis e indesculpáveis por sua irracionalidade e crueldade levadas ao extremo. Não há como aceitar o massacre indiscriminado de crianças, adultos e velhos inocentes e indefesos. Contudo, houve quem os praticasse e os aceitasse. E há quem, até hoje, os justifique. Sim, leitor, mesmo aqui no Brasil.

Um desses genocídios, o dos armênios pelos otomanos, foi praticamente esquecido. Outro, o Holocausto, a tentativa de extermínio dos judeus pelos nazistas é motivo da mais intensa repulsa até hoje. Outro, o maior em número de vítimas, o genocídio comunista, principalmente na URSS e na China, é objeto de tentativa de encobrimento, quando não de aceitação, por numerosos grupos, por todo o mundo, mesmo agora.

Genocídio dos armênios pelos turcos

Onde hoje é o território da Turquia (que se tornou independente em 1923), antes e durante a Primeira Guerra Mundial, o governo otomano promoveu uma “limpeza étnica” contra os armênios, uma minoria do Império, que acusava de separatista e aliada dos russos, então em guerra com ele, Império Otomano.

A cúpula intelectual armênia foi presa e executada, em abril de 1915, e a seguir, homens, mulheres e crianças foram despejados e de suas casas e obrigados a marchas forçadas para o deserto da Síria, quando não mortos queimados em suas residências incendiadas. Eram massacrados pelo caminho e os poucos a chegar no deserto eram abandonados sem abrigo, água e alimentos, para uma morte certa.

Há estimativas de 800 mil a 1,8 milhão de mortos. Há um consenso, embora existam desmentidos turcos, de 1,5 milhão de assassinados. Os sobreviventes se espalharam em diáspora pelo mundo todo, e em todos os lugares se encontram seus descendentes ostentando seus sobrenomes característicos. Há relatos de muitos observadores internacionais, que contaram as atrocidades. Por ter se dado durante a Primeira Guerra, e pouco depois ter eclodido a Segunda Guerramundial, o genocídio armênio terminou ofuscado e pouco hoje se fala dele, a despeito de sua crueldade e magnitude. Seu conhecimento também foi dificultado pela precariedade então da fotografia e do cine.

Dica de leitura: em português há o livro “Genocídio Armênio — Protótipo do Genocídio dos Tempos Modernos” (Edusp, 389 páginas), organizado por Maria Luiza Tucci Carneiro e Lusine Yeghiazaryan.

Holocausto nazista da Alemanha de Hitler

A ideia nazista da “solução final do problema judeu” e “eliminação das raças inferiores” começou a tomar corpo logo após Adolf Hitler assumir o poder pela via democrática, em 1933.

À perseguição estimulada e às leis de segregação racial, seguir-se-ia um processo institucional, embora sigiloso, de extermínio dos judeus, a princípio na Alemanha, e depois, na Segunda Guerra, nos territórios ocupados pelos nazistas em sua fase de vitórias, notadamente na Polônia.

No correr da guerra a política de extermínio seria escancarada e obedeceria a escalas industriais de aniquilação, nas câmaras de gás e nos campos forçados de trabalho, que matavam por inanição e exaustão. Fala-se, e há no caso nazista, ao contrário do ocorreu com os armênios, registros que permitem cálculos mais precisos do número de mortos, em 6 milhões de vítimas judias e outro tanto de eslavos.

Muitos registros de atrocidades caíram em mãos aliadas ao final da guerra, alguns feitos pelos próprios verdugos nazistas. Cinema e fotografia já estavam, então, mais evoluídos. Aqui não houve o quase esquecimento, como aconteceu com os armênios. O mundo tomou conhecimento dos crimes, e o Estado de Israel, o Estado judaico que emergiu de cabeça erguida ao fim da Segunda Guerra — e um brasileiro, Oswaldo Aranha, então presidindo a Assembleia Geral da ONU teve nisso participação — é vigilante para que não mais se repita o acontecido, e faz questão de manter viva a memória do ocorrido.

Dicas de leitura: 1 — “Destruição dos Judeus Europeus” (Amarilys, 1664 páginas, tradução de Carolina Barcellos e Laura Folgueira), de Raul Hilberg. 2 — “Holocausto —História dos Judeus da Europa na Segunda Guerra Mundial” (Hucitec, 1022 páginas, tradução de Samuel Feldberg e Nancy Rozenchan), de Martin Gilbert.

Extermínio comunista da URSS e na China

De todos, foi o mais extenso e variegado. Ocorreu principalmente na União Soviética, promovido por Vladimir Lênin e Ióssif Stálin. Atingiu grupos étnicos tidos como rebeldes, tal como os cossacos do Don e tártaros da Criméia. Impactou todos os habitantes de regiões onde se usou a fome como arma de terror e repressão, como na Rússia em 1921, quando teriam morrido 5 milhões e na Ucrânia, onde o Holodomor (nome dado à repressão local) teria eliminado 10 milhões, em 1932.

O terror, como arma política, foi extensamente usado em toda União Soviética entre 1936 e 1938. Foram presos, torturados e executados todos os suspeitos de atividades antissoviéticas ou simples desobediência a Stálin, familiares inocentes, camponeses mais prósperos, intelectuais suspeitos e muitos mais, inclusive dois terços dos dirigentes do PCUS (Partido Comunista da União Soviética) e a cúpula do Exército Vermelho. Centenas de milhares de pessoas.

Na China, foram estimadas de 50 a 70 milhões de mortes, principalmente na chamada Revolução Cultural.

Na Coréia do Norte e no Camboja morreram milhões. Nestas duas nações também se usou largamente o terror como arma de intimidação política e educação para o comunismo. 

Há uma publicação francesa, “O Livro Negro do Comunismo”, que relata com detalhes esse extermínio, em vários países. A grave censura exercida pela Cortina de Ferro conseguiu encobrir muito do que se passava atrás dela, mas os rumores cresciam. De maneira surpreendente, a denúncia viria de dentro. Morto Stálin, em 1953, seu sucessor, Nikita Kruschev, iria fazer larga denúncia de seus crimes no 20°Congresso do PCUS, em fevereiro de 1956. Discursaria durante cinco horas, a portas fechadas, mas estava rompida a barragem.

A enxurrada de crimes viria, aos poucos, à luz. Não em poucos países, os comunistas mais inflexíveis, mais cegos e mais ignorantes reagiriam contra Kruschev e proclamariam fidelidade a Stalin e seus meios. O comunismo extremado não é só uma crença política. É religião. É também um desvio cognitivo, uma distorção perceptiva. Muitos comunistas tentaram e tentam justificar ou esconder o massacre de inocentes, inclusive crianças.

Dicas de leitura: 1 — “O Livro Negro do Comunismo — Crimes, Terror e Repressão” (Bertrand Brasil, 917 páginas, tradução de Caio Meira). 2 — “Gulag — Uma História dos Campos de Prisioneiros Soviéticos” (Ediouro, 749 páginas, tradução de Mário Vilela e Ibraíma), de Anne Applebaum. 3 — “Mao — A História Desconhecida” (Companhia das Letras, 954 páginas, tradução de Pedro Maia Soares), de Jon Halliday e Jung Chang.

Comunistas do Brasil e o governo Lula

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Flávio Dino e Lula da Silva | Foto: Heinrich Aikawa/Instituto Lula

 No Brasil, os comunistas tinham, quando Kruschev fez seu libelo, seu partido: o Partido Comunista Brasileiro(PCB), o chamado Partidão. Revoltados contra Kruschev por suas denúncias, os mais radicais chefetes comunistas locais (Pedro Pomar, Mauricio Grabois, João Amazonas e outros) resolveram abandonar o Partidão e fundar o dissidente Partido Comunista do Brasil (PC do B).

O PC do B seria, no pensar dos fundadores, o partido comunista puro, defensor verdadeiro do marxismo-leninismo, ao contrário do Partidão, agora manchado pelo revisionismo de Kruschev e que teria cometido o supremo pecado de apoiar os ataques a Stálin, o “guia genial dos povos”, o comandante perfeito, que nunca errava.

O PC do B, pois, era (e é) a guarida daqueles que cultuavam (e cultuam) o comunismo marxista-leninista-stalinista como uma religião. Dos que apoiam Stálin em tudo que fez, mesmo nos maiores genocídios.

Stálin implantou o Grande Terror e assassinou quase 1 milhão nas prisões soviéticas, via de seu braço direito Lavrenti Beria? Apenas eliminava os “inimigos do povo”. Assassinou na Floresta de Katyn 40.000 militares, policiais, funcionários e prisioneiros de guerra poloneses? Apenas “defendia” o Estado Soviético. Matou de fome milhões de ucranianos confiscando seus alimentos? Nada mais natural: eles eram “conspiradores” que recusavam se educar dentro dos dogmas comunistas.

Esse, leitor, o fundamento ideológico desse partido. Quem se filia a ele pertence a duas categorias: ou é um perfeito ignorante em história e desconhece o genocídio que está de certa forma endossando, ou conhece e aceita esse princípio filosófico monstruoso e só pode ter, como falamos algum problema mental, que chamamos acima de desvio cognitivo.

Esse desvio se confunde com a “banalidade do mal”, de que fala a filósofa Hannah Arendt se referindo aos nazistas, a Adolf Eichmann. É uma incapacidade de pensar contra os dogmas de sua crença política, por mais monstruoso que isso seja. O que pode não significar nada.

Aldo Rabelo é (ou foi) do PC do B. Foi deputado e ocupou cargos importantes, como o de ministro da Defesa e sempre foi equilibrado e responsável em suas ações. Mas pode significar muitos excessos.

Flávio Dino foi do PC do B por quinze anos e agora está no PSB. Vai ser ministro da Justiça do governo de Lula da Silva. Juiz Federal por concurso que é, tem preparo e conhecimento histórico suficientes para ter abraçado o PC do B sabendo que, ao fazê-lo, endossava Stálin e suas monstruosidades. Esperamos que aja como Aldo Rabelo e tenha equilíbrio, embora, por suas declarações iniciais deixe entrever que, para ele, direitos individuais devam ceder sempre, perante o “coletivo”, apelido do todo-poderoso, onipresente, insubstituível e inquestionável Estado. Se é assim, triste que seja ministro … e da Justiça! Pode vir muita coisa ruim por aí.

Dica de leitura: “O Livro Negro do Comunismo no Brasil” (Jaguatirica, 872 páginas), de Gustavo Marques.