A nação está a pedir, embora como dissemos isso não seja visível a curto prazo, que os critérios para a nomeação de ministros do Supremo se aproximem daqueles que hoje guiam a escolha dos ministros do Superior Tribunal de Justiça

O experimentado jornalista J. R. Guzzo, do “Estadão”, escreveu, no dia 8 deste mês, esclarecido artigo criticando a intenção do presidente Lula da Silva de nomear para uma cadeira do Supremo seu advogado particular, Cristiano Zanin.

J. R. Guzzo faz afirmações antológicas: “O presidente Lula está armando o que pode vir a ser o maior escândalo em toda a história do Poder Judiciário do Brasil … Lula está querendo colocar na principal Corte de Justiça do Brasil um empregado que cuida de seus interesses materiais e cuja independência em relação ao governo será igual a três vezes zero … Lula não precisa de mais um serviçal no STF; já tem, ali, todo o apoio que um político pode desejar e a certeza de que, nos próximos cem anos, a Corte Suprema não mexerá uma palha contra ele … Mas ele quer Zanin no STF; é a necessidade de humilhar a sociedade brasileira”.

O articulista do “Estadão” acrescenta: “É, enfim, a vingança do condenado por corrupção e lavagem de dinheiro. Ele está dizendo: ‘Vocês me puseram na cadeia. Agora vão ter que engolir meu advogado no tribunal de Justiça mais importante do país’ … Uma das nulidades que estão no STF exercendo a função de ‘mulher’, disse, na ânsia de agradar a Lula, que a nomeação de um ministro obviamente subordinado ao presidente da República é normal. Normal, com certeza, para esse Supremo, que tirou Lula da cadeia e lhe entregou a Presidência”.

STJ e STF: decisões moderadas e polêmicas

Nas entrelinhas, é possível deduzir que os critérios de escolha dos ministros do Supremo são muito falhos, e que há a necessidade urgente de radical mudança, embora a possibilidade de que isso aconteça num futuro próximo seja vizinha de zero. Convido o leitor a fazermos juntos alguns raciocínios sobre esse tema.

Os Tribunais Superiores, na sua especificidade e na sua abrangência, são por demais diferentes. As semelhanças maiores são entre o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Superior Tribunal de Justiça, em Brasília | Foto: Reprodução

Se o leitor buscar atentamente no noticiário nacional, vai encontrara pouquíssimas decisões polêmicas oriundas do STJ, o que não ocorre com o STF.

Na Suprema Corte, principalmente nos últimos tempos, decisões, muitas delas monocráticas, têm dado margem a discussões sobre politização, invasão da seara de outros poderes, ilegalidades e até inconstitucionalidades. Não têm faltado ilações quanto às ligações ou simpatias desse ou daquele ministro por um partido, um presidente ou ex-presidente, principalmente se a indicação do ministro foi desse presidente ou ex-presidente.

As críticas vão além, quando um ministro acata petição vinda de um partido político, principalmente se esse partido não tem expressão e se a decisão é monocrática, pois esse partido renunciou a seu foro próprio, que é o Congresso Nacional onde não teria sucesso, para bater às portas do Supremo, surpreendentemente abertas para ele.

Enfim, muitas discussões estão a existir, que não concorrem para a imagem da Justiça, para a independência entre os Poderes e para a urgente e necessária pacificação nacional. Não é preciso muito pensar para se chegar à conclusão de que a culpa não está necessariamente neste ou naquele, e nem, como diria Shakespeare, está nos astros. Ficou na deficiência da legislação e nos critérios de escolha dos ministros do Supremo.

Quem fizer uma breve leitura dos artigos 101 e 104 da Constituição Federal, que tratam da escolha dos ministros, e for de boa vontade, vai concordar conosco.

Voltaremos a esses artigos, mas antes afirmaremos aqui que as Cortes Supremas dos países mais avançados são constituídas de magistrados experientes, juízes de vocação e profissão, que, ao chegar ao ápice da carreira, acumulam uma capacidade e um comedimento que só a longa vivência judicante proporciona.

Além disso, em geral, ocupam esses cargos supremos por um mandato determinado, e não de modo vitalício, como ocorre por aqui. Em seu artigo, J. R. Guzzo mostra que Cristiano Zanin, se chegar a ministro do Supremo por vontade lulista, ocupará sua cadeira por quase 30 anos.

Examinemos os critérios de escolha de ministros, do Supremo e do STJ, examinando os artigos mencionados da Constituição:

O Artigo 101 da Constituição Federal reza que “o Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze ministros escolhidos entre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e de reputação ilibada”.

E o parágrafo único é: “Os ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal”.  Vejamos o que diz o Art. 104: “Artigo 104: O Superior Tribunal de Justiça compõe-se de, no mínimo, trinta e três ministros”.

E comporta também um único parágrafo: “Os ministros do Superior Tribunal de Justiça serão nomeados pelo presidente da República, dentre brasileiros com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, sendo:

I – Um terço dentre os juízes dos Tribunais Federais, e um terço dentre os desembargadores dos Tribunais de Justiça, indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio Tribunal.

II – Um terço, em partes iguais, dentre os advogados e membros do Ministério Público Federal, Estadual, do Distrito Federal e Territórios, alternadamente indicados na forma do Artigo 94”.

Nos parágrafos reside toda a diferença: no Supremo, em todas as vagas, pode chegar a ser ministro um promotor de justiça inexpressivo do interior de um Estado qualquer da federação, desde que tenha caído nas graças ou tenha um vínculo familiar, funcional ou político com o presidente da República; ou um advogado, ainda que de quinta categoria, mas que tenha estreita ligação com o presidente da hora.

Já no Superior Tribunal de Justiça tal somente poderia ocorrer em um terço das vagas, e o comportamento do indevidamente escolhido seria, se parcial ou deficiente, tolhido pela experiência judicante da grande maioria de seus colegas.

Mas, diria algum leitor, o Senado não escolheria alguém que não estivesse à altura da cadeira, seja no Supremo, seja no STJ.

E a resposta ao ingênuo leitor seria aconselhar um exame das aprovações feitas pelo Senado dos indicados pela Presidência da República nos últimos 129 anos: nenhum nome foi rejeitado, por mais discutíveis ou mesmo ocultos que fossem sua “sua conduta ilibada e seu notável saber jurídico”.

E hoje o Senado é sabido como uma casa sarapintada de nomes corruptos, temerosos de um Supremo, que os julga. A maioria, ali, jamais correria o risco de desagradar um ministro ou possível ministro, haja o que houver.

Basta ver o comportamento subalterno do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco. E, para completar o círculo vicioso, quem julga ministros do Supremo é o Senado. Um critério torto é o que mais apropriado existe para criar distorções.

Supremo deveria “copiar” o STJ

A nação está a pedir, embora como dissemos isso não seja visível a curto prazo, que os critérios para a nomeação de ministros do Supremo se aproximem daqueles que hoje guiam a escolha dos ministros do Superior Tribunal de Justiça — e mais, com um mandato fixo, de no máximo oito anos.

Ministros do Supremo deveriam ser pessoas que longamente trilharam a carreira de julgar. Um magistrado experiente, se nomeado ministro, recebe uma promoção, que fica a dever a seu passado, e não a um amigo do peito. Seu passado guiará sua ação futura. Uma nulidade feita ministro, recebe uma benesse indevida, que jamais conquistaria com méritos próprios, e fica devedora de quem a nomeou. Poderá guiar suas ações na Corte pela gratidão. A gratidão é um sentimento nobre, mas nesses casos, pode levar às mais infelizes ou desarrazoadas decisões, despachos ou sentenças.

Poderá ocorrer também que a vertiginosa subida embriague um despreparado ministro ungido. E se ele, num arroubo, usa o superpoder recém adquirido equivocadamente, não há outro poder acima dele, a que alguém injusta, indevida ou mesmo ilegalmente atingido possa recorrer. O atingido e a Nação terão que engolir o abuso. Não é assim?

É preciso mudar. Se essa mudança não é visível a curto prazo, isso acontece por uma razão óbvia: o critério atual é conveniente para quem escolhe, para quem é escolhido e para senadores que têm culpa no cartório. Mas seguramente não o é para a Nação Brasileira.