A parcimônia das notícias sobre a repressão da ditadura na Nicarágua, principalmente sobre a perseguição à Igreja Católica, seria de se admirar, não fosse a esmagadora maioria das redações da imprensa brasileira adepta dos regimes de esquerda. E não fossem nossos padres militantes da Teologia da Libertação mais crentes em Marx do que em Cristo.

Mas sendo tudo como é, não vão surgir as notícias nicaraguenses de padres e bispos presos, rádios e escolas católicas fechadas, dinheiro dos religiosos confiscado, freiras expulsas e por aí afora.

Há um traço de união entre o Brasil e a Nicarágua sandinista, e este é o Partido dos Trabalhadores (PT).

Em visita à Nicarágua em 1990 (no fim do primeiro mandato de Daniel Ortega na Presidência), em missão do Senado, ouvi do embaixador brasileiro, Sérgio Queiroz Duarte, a revelação de que o PT mantinha (deve manter ainda) um “escritório de representação” em Manágua.

Intrigado com aquela embaixada informal, que desconhecia, o embaixador, logo que assumiu, procurou o chefe da dita “representação”, para saber de suas atribuições e, se possível, prestar alguma ajuda, mas foi repelido. O que o PT fazia ali não era da conta de ninguém.

Daniel Ortega é o ditador da Nicarágua, esse país da América Central com 6 milhões de habitantes e uma superfície menor que a do Amapá, e está no poder pela segunda vez, agora desde 2006. Faz, a cada cinco anos, eleições fraudadas, prende os candidatos de oposição e se mantém com a ajuda da cúpula do Judiciário, mancomunada com a ditadura.

O congresso nicaraguense também é escolhido a dedo. Só se candidata quem passa pelo crivo de Ortega, via do quarto poder que ali existe, o Poder Eleitoral, um TSE local, obediente às ordens do ditador. Qualquer semelhança é mera coincidência.

Ortega governa a Nicarágua junto com a mulher, Rosário, que é sua vice. São duas figuras bizarras, como o leitor pode depreender das fotos que surgem na imprensa. Verdadeiras personagens de opereta, mas muito cruéis na vida real.

Apenas nas manifestações populares de 2018 contra a carestia, iniciadas pelos estudantes, suas milícias mataram, comprovadamente, mais de 300 pessoas. E como mais de 1.000 estão desaparecidas desde então, o número de executados, apenas por protestarem, deve ser muito maior. Cerca de 600.000 pessoas (10% da população nicaraguense) fugiram do país, desde a posse de Ortega.

Como eu disse, são estreitas as relações PT-Ortega. Alguns fatos mostram que não estou fazendo aqui afirmação gratuita. Deixando de lado a presença da “embaixada” petista em Manágua e as visitas de Ortega a Lula (como em 2010), vamos listar 10 fatos que mostram o concubinato dos petistas, Lula à frente, com a ditadura de Ortega na Nicarágua:

1

No início de 2014, a então presidente Dilma Rousseff determinou uma estranha operação ao BNDES: financiar a construção da hidrelétrica de Tumarín, na Nicarágua, ao custo de 1,2 bilhão de dólares. Coisa do PT (via Eletrobrás e Construtora Queiroz Galvão).

O Brasil chegou a pagar pelos projetos, que nunca foram ressarcidos, mas felizmente a eclosão da Operação Lava-Jato abortou o financiamento, por ação do Tribunal de Contas da União. O TCU evitou um grande prejuízo para o Brasil e a doação de enorme presente para Ortega, para a construtora, e evidentemente para o PT. Como acontece com Cuba, a Nicarágua nunca pagaria, pois não dispõe de recursos para isso.

2

Em 2016, quando o presidente Michel Temer discursava na ONU, a delegação da Nicarágua (bem como a da Bolívia, do Equador, de Venezuela e de Cuba) abandonou o plenário. Em solidariedade ao PT e protesto contra o “golpe” sofrido pela companheira Dilma Rousseff.

Em 2016 (como faria outra vez em 2021) o PT emitiu entusiasmada nota de solidariedade e cumprimentos a Daniel Ortega por sua “eleição”.

4

Em 2017 a reunião anual do Foro de São Paulo, que reúne os governos e instituições ditas “progressistas” em ações pró comunismo na América Latina, aconteceu na Nicarágua. Uma das estrelas principais do encontro foi Gleisi Hoffmann, presidente do PT.

5

Em 2018, na época dos protestos contra Ortega, a brasileira Raynéia Lima, estudante de medicina do último ano, na Nicarágua, e que voltava de um plantão médico, teve seu carro metralhado por um miliciano do governo Ortega e morreu.

O miliciano, Pierson Solís, disse que atirou “porque ela estava em alta velocidade próximo a instalações do governo”. Condenado à prisão, foi anistiado por Ortega, juntamente com todos os outros milicianos que mataram manifestantes.

A família de Raynéia, que vive em Pernambuco, vem protestando contra a impunidade, desde então, mas em vão. A mãe da estudante, eleitora de Lula, pediu por carta auxílio a ele neste ano. Não teve resposta. Afinal, ele e Ortega são “irmãos de fé”.

6

Em 2020 faleceu um dos “companheiros” mais chegados a Ortega, o deputado e ministro Jacinto Suárez. A nota de pesar do PT foi tão comovente quanto aquelas dos seus companheiros nicaraguenses.

7

Em 2021, em entrevista ao jornal espanhol “El País”, Lula foi indagado sobre a relutância de seu amigo Ortega em abandonar o poder. Saiu-se com essa pérola: “Se Ângela Merkel pode ficar 12 anos no poder na Alemanha, por que Ortega não pode ficar 16 anos na Nicarágua?”.

8

Em outubro de 2022, logo após o primeiro turno das eleições brasileiras, Ortega já enviava seus cumprimentos a Lula, sem esperar sequer o segundo turno (e inexplicavelmente, o TSE, a pedido de Lula, censurava a mídia que se dispunha a publicar dados sobre a ligação Lula-Ortega).

9

Em fevereiro deste ano, a ONU emitiu uma nota condenando a Nicarágua por graves violações de direitos humanos (inclusive o desaparecimento de opositores), assinada por 55 nações. Lula não permitiu que o Brasil assinasse. Endossou os crimes de Ortega.

10

Neste mês agora, na Assembleia Geral da OEA, quando se votava uma moção de censura à Nicarágua por seus abusos quanto aos direitos humanos, Lula exigiu a retirada de várias críticas e o abrandamento dos termos de censura.

Como se vê, são próximos, cúmplices mesmo, o petismo e a ditadura de Ortega. Não se pode duvidar que Lula inveje a permanência de Ortega por tempo indefinido no poder e acalante o sonho de fazer a mesma coisa. O autoritarismo já avançou muito no Brasil, mais do que deveria ou poderia, a despeito da gigantesca oposição, hoje acéfala, na sociedade brasileira. Esse o alerta para os brasileiros: estamos perto do chamado ponto sem volta. Aquela situação em que a pretensa ditadura já avançou tanto, que sua reversão se torna mais difícil do que sua completa tomada de poder.