Cubanos sofrem na pele aquilo Lula não vê em Cuba: falta de democracia e alimentos

03 setembro 2023 às 00h01

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Entre as muitas declarações incoerentes do presidente Lula da Silva (PT), se referindo a ditaduras, uma houve que não soou apenas incoerente. Foi também fantasmagórica, pois afirmou, no início deste ano, coisas que não existem no mundo real.
Textualmente, Lula da Silva afirmou que o único país que “conseguiu dar um salto … que conseguiu resolver seus problemas … que conseguiu dar dignidade … que conseguiu dar cidadania … na América Latina foi Cuba”. Heeein? Como é? O presidente vive em Marte ou na Lua?
Dificilmente o leitor vai conseguir, por mais que pesquise, dados confiáveis sobre indicadores sociais e econômicos cubanos. Os dados que fanáticos difundem, e que circulam, alegremente, pela imprensa e pela internet, têm sua origem na ditadura da ilha, e são tão maquiados quanto uma drag queen e tão confiáveis quanto o Fernandinho Beira-Mar ou o Marcola.
O leitor deve ter amigos que já visitaram a ilha e que são ao mesmo tempo observadores e não maníacos de esquerda. Esses são fontes seguras e são unanimes em afiançar que a pobreza na ilha é profunda, que não há liberdade, que o atraso tecnológico é total, que a alimentação é racionada, com um consumo mínimo de proteínas que só se adquire via de uma caderneta de racionamento, que não há habitações condignas e várias famílias partilham o mesmo imóvel, que o estado de conservação das construções é deplorável, que um médico ganha 40 dólares por mês, que não há produtos de higiene disponíveis em qualidade e em quantidade mínimas, que para uma internação o paciente deve levar ao hospital até seus próprios lençóis, que não existem equipamentos laboratoriais e hospitalares modernos, que os poucos automóveis existentes são da década de 1950, que o transporte público é horrível, e muitas coisas mais.
É evidente que não adianta afirmar isso tudo para um professor universitário esquerdista. Ele vive em uma dimensão paralela e não vai acreditar em nada do que alguém (mesmo que se trate de um seu irmão), que foi a Cuba e viu com os próprios olhos vai lhe dizer. Mentalmente bloqueado, só crê nas mentiras dos irmãos Castro e seus lacaios brasileiros. Quanto à dignidade, à cidadania, às minorias, volto a Fernando Arrabal, que já mencionei aqui, e que nos anos 1980 escreveu um livreto intitulado “Carta a Fidel Castro”, na verdade são 14 cartas, uma em cada capítulo. Vou reproduzir um desses capítulos, para apreciação do leitor. Lembrando que nada mudou, em Cuba, desde então, a não ser para pior. E que no período de tirania, que infelicitou três gerações de cubanos, 20% da população da ilha se exilou (mormente nos EUA).

Carta a Fidel Castro, de Fernando Arrabal
A imensa maioria sacrificada
O Senhor não venceu o racismo, mas rendeu-se a ele: Cuba consegue tornar realidade o sonho dos brancos da Rodésia, submetendo a maioria de cor à minoria que tem a sua. Os brancos de Cuba são só 25% da população, mas açambarcam todos os cargos-chave da direção do país e 90% dos postos nos organismos condutores do Estado: Bureau Político, Secretariado do Partido, Comitê Central, Comitês Nacionais da Assembleia Nacional etc. De tão anômalo proceder sofrem com mais ofensa as mulheres: nenhuma cubana figura nem no Secretariado do Partido Comunista de Cuba, nem na Presidência, vice-presidência ou secretariado da Assembleia Nacional do Poder Popular, nem no Bureau Político do Comitê Central do Partido Comunista etc.
Que no seu reino, todo desigual conhece seu castigo, sabem-no muito bem homossexuais, testemunhas de Jeová, sociais-democratas, ecologistas, feministas e outras minorias, que só puderam ter representantes, – aí sim, numerosos -, no exílio, nas cadeias e nos campos de concentração.
Um naufrágio perfumado pela peste
Será espelho universal quem a sua fama assenta nas suas virtudes e não quem a instala nos seus embustes. É de ver a audácia com que o senhor se regala para dar lições de antirracismo à África do Sul, sentado sobre seus escravos. Se o maioritário negro cubano só conhece o poder em Cuba através de seus imperativos mandatos, não é culpa dos “ianques” nem das “multinacionais”.
Mas ainda maior arrojo tiveram e têm o senhor e os seus para se autoadministrarem o título vermelho de “terceiro-mundistas”. Pois se não é pecado seu descender de conquistadores que exterminaram ou exploraram as raças vencidas, é responsabilidade sua que hoje como ontem, sendo a colonização substituída pela “revolução”, os negros continuem a trabalhar como negros e os brancos a governar como fidalgos! Negreiro!
Como afirma Arrabal, o comunismo só é antirracista e defensor de minorias enquanto precisa de suas bandeiras para conquista do poder. Após, como em tudo mais, é radical e intolerante. E ou são ingênuos ou de má fé os que propagam as três mentiras sobre Cuba:
1
A Saúde de Cuba é de primeiro mundo! Como pode ter Saúde exemplar um país onde hospitais, laboratórios e equipamentos médicos são mais que obsoletos, são sucateados e não existem os recursos modernos da tecnologia aplicada à medicina? Onde um médico não pode se atualizar, pois não pode comprar um livro recém-publicado de medicina, que custa mais que seu salário, e nem recorrer à internet, que é regulada e restrita? E que não consegue revalidar seu diploma (pois só aprendeu enfermagem) em nenhum país do mundo?
2
A Educação de Cuba é excelente! Se é verdade, por que a ditadura se recusa, terminantemente, a participar das avaliações internacionais, como o PISA ou o PIRLS? É fácil de deduzir. Se os resultados fossem bons, o governo cubano faria deles um grande mote de propaganda. Mas como, evidentemente, nunca o seriam, é melhor que fiquem apenas nas mentirosas estatísticas oficiais.
3
Cuba sofre com o desalmado embargo americano! Que embargo? Ele impediu que os soviéticos dessem à ilha sua esmola diária desde 1960 até a queda da URSS trinta anos depois, sob a forma de petróleo para ser vendido no mercado “spot”? Ou sob a forma de maquinário e assistência para produção de açúcar? Ou impediu Hugo Chavez de fazer o mesmo por mais 20 anos? Impediu Fernando Henrique de fornecer ônibus e tratores a Cuba? Ou Lula e Dilma de doar à ditadura o Porto de Mariel, ao custo de um bilhão de dólares do trabalhador brasileiro? De fornecer assistência técnica da Embrapa de graça? Façam-me o favor!
Quem é Fernando Arrabal
Fernando Arrabal é um teatrólogo espanhol, nascido em 1932 (e ainda vivo), residente em Paris, desde que se mudou da Espanha, na década de 1960, em protesto contra a ditadura franquista. Suas peças foram traduzidas e representadas em dezenas de idiomas diferentes e são, na atualidade, ainda muito populares na Europa e nos EUA. A crítica o situa, ora como teatrólogo de vanguarda, ora como dramaturgo do absurdo. Ele se diz criador do “teatro pânico”, em homenagem ao deus Pã, filho de Zeus, amante da música e da natureza e inspirador da angústia, mas também da felicidade. Segundo ele, seu teatro interpela, é interrogativo, vai além do fato e da aparência. Mas é ainda poeta, ensaísta e cineasta. Arrabal é também um panfletário, censor de ditaduras, tendo escrito três livros críticos a elas: Carta a Francisco Franco, Carta a Stálin e Carta a Fidel Castro.