Conheça a explosiva história do deputado que roubava malas no aeroporto e pode ser preso

15 fevereiro 2025 às 21h18

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Diversamente do Brasil, onde o Legislativo é bicameral e coexistem Câmara dos Deputados e Senado da República, em Portugal o Legislativo federal é unicameral: existe apenas a Assembleia da República, com 230 cadeiras de deputados.
Também diversamente, o sistema é parlamentarista, e quem chefia o governo é um primeiro-ministro, geralmente o líder do partido mais votado. Os deputados são representantes, em proporção populacional, dos vários distritos (equivalentes aos nossos Estados) de Portugal Continental e das duas chamadas Regiões Autônomas, que correspondem aos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
O presidente da República é o chefe do Estado, com a função de representante da República, garantidor da soberania e comandante-em-chefe das Forças Armadas. No último mês um episódio bastante incomum abalou a Assembleia da República.
O deputado que roubava malas
Um deputado à Assembleia, representante dos Açores, Miguel Arruda, 40 anos, biólogo com dois mestrados, além de sargento do Exército Português, logo alguém a quem não se pode imputar ignorância, viu-se envolvido num singular acontecimento.
A polícia do Aeroporto de Lisboa, diante de várias reclamações de sumiço de bagagens dos voos que chegavam à capital portuguesa, havia montado um sistema de observação por câmeras de vigilância, e buscava investigar o que ocorria.
A polícia deduziu que o culpado era o deputado Miguel Arruda, que se apropriava de malas alheias na chegada a Lisboa, quando voltava de seus fins de semana em Ponta Delgada, cidade dos Açores.

Detalhes das operações policiais davam conta de que o deputado Miguel Arruda até trazia consigo em suas viagens uma mala grande, vazia, onde ocultava as malas alheias subtraídas.
O relato policial acrescenta ainda que foram encontradas mais de 20 malas nas duas residências de Miguel Arruda, a de Lisboa e a de Ponta Delgada, e em seu escritório parlamentar, também em Lisboa.
Outras informações, veiculadas na imprensa portuguesa, diziam que o deputado vendia roupas usadas (provenientes das malas?) em uma sua plataforma na internet, que tinha o nome de Vinted, aliás desativada logo após o escândalo.
Enfim, uma série de acontecimentos desonestos, bizarros e quase cômicos, não fosse a infração legal neles contida, e o fato de ser imputado a uma figura de importância nacional, um membro do Legislativo português.
Parlamentar foi afastado por seu partido
A reação foi contundente. A chefia do partido de Miguel Arruda — o Chega, de direita (nossa imprensa brasileira diria de extrema direita), exigiu de imediato a renúncia do deputado, que não atendeu à exigência. O partido, também de imediato, afastou-o.
A polícia tratou o deputado exatamente como trataria qualquer outro investigado: sem proteções, sem exploração em exagero, mas sem esconder nada. A Justiça está prestes a agir, dentro dos trâmites legais.
Ainda não teve como prender o acusado, que detém imunidade parlamentar, mas está buscando o caminho legal para as providências devidas.
Deputado dos dólares na cueca foi “promovido”
Uma tremenda confusão, enfim, com fatos inusitados. Confusão que nos faz lembrar o episódio brasileiro do deputado que tinha assessor que conduzia dólares na cueca. Só que a reação portuguesa foi muito diversa daquela que vimos no Brasil.
No Brasil, o partido do deputado encobriu tanto quanto pôde o fato e nunca o comentou, protegendo as malandragens do “companheiro”.
Lá em Portugal, o partido do deputado foi o primeiro a agir e a dar publicidade às sanções que estava aplicando. No Brasil, o governo até convidou o deputado envolvido no episódio dos dólares na ceroula — e ele aceitou — a ser líder do governo na Câmara.
A Justiça, ao que parece, jamais o incomodou, ou se o fez, já o tornou livre e solto. A imprensa portuguesa notícia por completo o vexame, sem nada ocultar. A brasileira procura esquecer o fato. Afinal, é também, em 90%, “companheira”.
A carreira pública do deputado Arruda acabou. Em Portugal ele não encontrará nenhum juiz para lhe conferir um tratamento camarada, ignorar seus delitos, anular provas ou descondená-lo ao fim de tudo. Vai enfrentar, artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, tudo que reza a lei. Como deve ser.
Noutra oportunidade, falamos sobre a chamada Operação Marquês, de 2014 (uma Operação Lava-Jato portuguesa), que indiciou políticos e empresários portugueses num processo de corrupção e lavagem de dinheiro (que lá se chama branqueamento de capitais).
Os principais envolvidos eram o ex-primeiro-ministro José Sócrates Carvalho Pinto, Ricardo do Espírito Santo, ex-presidente do Banco do Espírito Santo, Henrique Manuel Granadeiro, ex-presidente do Conselho de Administração da Portugal Telecom, Armando Antônio Vara, ex-administrador Da Caixa Geral de Depósitos, o empresário Helder Bataglia e vários outros.
Alguns dos crimes investigados tinham relação com operações feitas no Brasil entre a Portugal Telecom e a Oi, com consentimento dos governos petistas. Até hoje ninguém escapou das malhas das leis portuguesas. Sócrates esteve preso preventivamente por quase um ano e continua a responder aos processos abertos pelo juiz Carlos Alexandre (o Sergio Moro da Operação Marquês). Nem em sonho voltará à carreira política e pode voltar à prisão.