Censurar a imprensa, como quer o PT, é um dos caminhos mais curtos para a ditadura
31 maio 2014 às 13h45
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A democracia não é a seiva de que se nutrem o PT e outros partidos brasileiros com raízes bem plantadas no marxismo
Eufemismos tais como “Controle Social da Mídia”, “Regulação dos Meios de Comunicação” e “Marco Regulatório para a Comunicação” servem apenas para mascarar o desejo de setores do PT de censurar a imprensa e domá-la a seu bel-prazer. Querem torná-la o mais próximo possível de uma dócil imprensa oficial, a única a existir em seus paradigmas de regime — o cubano, por exemplo. A ideia existe desde a ascensão do partido ao governo. Silenciado antes (afinal a imprensa foi a principal escada para a subida de Lula e seu partido ao governo), o desejo de censura surgiu já nos primórdios da administração petista, em que pese o apoio que o ex-presidente sempre teve na maioria das redações.
Antes objeto de alguns comentários aparentemente despretensiosos dos elementos mais radicais do governo, o desejo de censura se precipitou com um episódio de que todos nos lembramos: a reportagem no “New York Times”, em maio de 2004, em que o correspondente no Brasil, Larry Rohter, fez menção aos excessos alcoólicos de Lula, fato, de resto, mais que conhecido. A reação de Lula, acolitado pelos radicais mais próximos, não obedeceu à Lei de Newton. Foi contrária, mas não foi igual. Foi muito maior. Lula proferiu impropérios, o Ministério da Justiça declarou o jornalista “persona non grata” e Rohter teve seu visto de permanência no Brasil revogado, o que equivalia à expulsão (medida posteriormente anulada, por interferência de setores mais moderados do governo).
Se as consequências foram pequenas, ficou uma grande constatação: não existia no seio do petismo a tolerância democrática para com a notícia desagradável, ainda que verdadeira.
O radicalismo ideológico mostrou sua face pouco após o acontecido com o jornalista americano: em agosto de 2004, o governo enviou ao Congresso o projeto de lei nº 3985/2004 que criava o Conselho Federal de Jornalismo, cuja finalidade era “orientar, fiscalizar e disciplinar” a profissão de jornalista. Mais um eufemismo. Os três verbos poder-se-iam resumir em um só: “censurar”. O ministério que elaborou a exposição de motivos foi o do Trabalho, cujo titular era Ricardo Berzoini, um dos “soviéticos” do governo, que, por seu fundamentalismo ideológico, viria a ser apodado por setores mais conservadores da imprensa de “Berzoniev”.
Mas percebia-se na sombra de Berzoini a presença de Franklin Martins, ex-terrorista, sequestrador do embaixador americano em 1969, confesso ex-quase assassino do diplomata, promovido a ministro de Comunicação Social no governo Lula. É um obcecado pelo “controle da mídia”, a despeito de ser jornalista. Por um lado foi grande o assanhamento das hostes mais radicais do governo, com o envio do projeto (Frei Betto, essa impossível mistura de cristianismo com marxismo, por exemplo, deitou falação em sua defesa, embora em nada lhe dissesse respeito).
Por outro lado, a reação da imprensa, da parte não comprometida no Congresso e da população, foi maior. Em dezembro de 2004 o projeto foi arquivado. A maioria governista teve medo da própria imprensa e da reação popular. Mas nem por isso o assunto é morto. Em 2010, antes da posse da presidente eleita, Franklin Martins voltou à carga. Preparou projeto de uma Lei Geral de Comunicação Social e da criação da Agência Nacional de Comunicação — outra tentativa disfarçada de censura —, que entregou a Dilma Rousseff, no intento de que ela patrocinasse sua aprovação pelo Congresso, no início de sua gestão.
Dilma Rousseff, embora pertença à ala petista mais radical, tremeu nas bases. Não tinha tino político nem prestígio para comprar uma briga de que o próprio Lula havia fugido. Engavetou os projetos, que continuam na gaveta, embora em fevereiro de 2013 Franklin Martins tenha visitado a companheira de esquerda armada e tenha pedido remessa dos mesmos ao Congresso. Dilma não o atendeu, mas a erva daninha persiste em sobreviver.
Nos congressos do PT a censura sempre está presente. Afinal, é uma das obsessões do partido, e teria que sê-lo, dado as origens totalitárias dele. O Quarto Congresso petista, de 2011, em sua resolução, defendia uma “democratização da comunicação no Brasil” e ressaltava a importância de “um novo marco regulatório para a comunicação”.
Não é difícil interpretar essas ideias à luz da crença de Rui Falcão, o presidente do PT, que me dá a impressão de estar na Praça Vermelha, em Moscou, e de que vai falar em russo, sempre que aparece na TV.
Em março de 2013, o diretório nacional do PT voltou à carga, defendendo, em resolução, o “marco regulatório” e “mecanismos da sociedade para controle do conteúdo das divulgações”. Para quem entende a linguagem das esquerdas, marco regulatório nada mais é que censura pura e simples e “mecanismos sociais de controle” seriam os órgãos censores dominados pelo partido. Os quadros partidários mais ideológicos nunca perderam a esperança de contar com uma censura sobre a imprensa.
Tarso Genro, em 2009, aplaudiu a censura sobre o jornal “O Estado de S. Paulo”, proibido de divulgar dados da Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, que investigava um filho do senador José Sarney.
Em abril de 2013, Tarso, agora governador gaúcho, em entrevista à revista “Carta Capital”, atacava o jornal “Zero Hora”, de Porto Alegre, e a imprensa em geral, por ter revelado sua proteção ao terrorista Cesare Battisti, quando ministro da Justiça.
Numa reunião com sindicatos em Porto Alegre, Tarso declarou que “80% do conteúdo da programação das rádios e TVs deveria sair do ar”, numa clara referência às críticas aos desmandos petistas. Na mesma reunião, culpou a imprensa pelas condenações de petistas nos crimes do mensalão.
Recentemente, no dia 19 deste mês, em sabatina promovida pelo UOL e pelo SBT, Tarso declarou uma inverdade para respaldar seus desejos imorredouros de censura: “As grandes cadeias de comunicação são democratas (do DEM) ou tucanas e fazem campanha massiva contra as siglas alinhadas à esquerda”.
Outra figura importantíssima das hostes petistas, o ex-“primeiro-ministro” José Dirceu, no final de 2012, já condenado pelos crimes do mensalão, não esquecia a fixação na censura à imprensa, por certo mais contrariado com a cobertura dada ao julgamento em que fora réu e condenado, com outros petistas graúdos. Falava pelo partido: “O PT tem três prioridades: Regular os Meios de Comunicação, fazer a Reforma Política e provar a farsa do mensalão”.
Lula, discreto durante o seu governo quanto à censura, até por não ser radical de esquerda (aliás, nem de esquerda ele é), começou também a deitar falação quanto ao assunto, no final do governo. E não parou mais. Em janeiro de 2009, em um encontro de prefeitos, atacou a imprensa. Em setembro de 2010, num comício, Lula voltou a agredi-la, insinuando, sem citar os nomes, a revista “Veja” e o jornal “O Estado de S. Paulo”. Em 2011, já fora do governo, num congresso da UNE, mais uma vez mostrou ser a favor da censura, coisa que fez várias vezes a seguir, inclusive na Argentina, em 2013. Já no presente ano, por mais de uma vez voltou aos ataques, como fez no encontro nacional do PT em 2 de maio, quando classificou a imprensa como “o maior adversário do PT”.
Lula não investe contra os meios de comunicação por razões ideológicas, como dissemos, mas por mágoa de algumas revelações, como a do mensalão, a do enriquecimento relâmpago de Lulinha e a das farras de Rose Noronha. Mas o efeito antidemocrático é o mesmo.
A democracia não é a seiva de que se nutrem o PT e outros partidos brasileiros com raízes bem plantadas no marxismo, e combatendo a imprensa, Lula faz o seu jogo. Tanto faz, que animada com seus pronunciamentos, a Executiva do PT reuniu-se com a presidente no último dia 26, e obteve dela a promessa de “regular economicamente a mídia” num eventual segundo mandato. Na reunião estavam (não poderiam faltar) Rui Falcão e Franklin Martins.
Alexis de Tocqueville, em 1835, no seu livro “Democracia na América”, relatando suas observações sobre a florescente democracia americana, já afirmava uma verdade que até hoje os radicais petistas não conseguem enxergar: “Num país onde reina ostensivamente o dogma da soberania do povo, a censura não constitui apenas um perigo, mas até um grande absurdo… A soberania de um povo e a liberdade de imprensa são duas coisas inteiramente correlatas. A censura e o voto universal, pelo contrário, são duas coisas que se contradizem e não podem encontrar-se por muito tempo nas instituições políticas de um mesmo povo”. Alerta, leitor. Querem impor à nossa liberdade mais uma restrição — a da informação. E é de se perguntar: com a imprensa “regulada”, como querem, teriam vindo à luz os escândalos do mensalão? E da Petrobrás?