Brasileiros lutaram na 2ª Guerra contra o nazismo e foram abandonados pelo governo

14 março 2021 às 00h00

COMPARTILHAR
O governo de Lula da Silva suspendeu as honras militares nos velórios dos pracinhas, exceto para oficiais

Naquele início de 1942, ninguém poderia ainda prever uma vitória aliada na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A máquina militar alemã ainda era a mais poderosa do mundo, a maior parte da Europa estava sob o nazismo, os alemães haviam penetrado fundo na União Soviética e estavam batendo às portas de Moscou. Os japoneses praticamente haviam destruído a frota americana no Pacífico em ataque surpresa a Pearl Harbor, e só agora os Estados Unidos entravam na batalha. Não se sabia como iriam pesar no conflito.
Foi então que começou uma série de ataques de submarinos alemães e italianos a navios brasileiros, que vitimou muitos patrícios e afundou ou danificou mais de três dezenas de embarcações. Vivíamos a ditadura do presidente Getúlio Vargas, que tinha suas simpatias pelas congêneres do Eixo, e vinha se mantendo neutra.

Mas as agressões aos nossos navios praticamente obrigaram uma declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália, em agosto daquele ano. Pressionado pelos Aliados, o governo brasileiro criou em agosto de 1943 a Força Expedicionária Brasileira (FEB), recrutou combatentes, que foram treinados pelos americanos, ainda que apressadamente, e enviados à Itália.
Em meados de 1944 os brasileiros, aqui chamados “pracinhas”, pisavam o continente europeu, para combater a ameaça nazifascista. Detalhe: nenhum combatente da América Latina, fora os brasileiros, enfrentaria as agruras da guerra direta. E nenhum soldado experimentaria uma variação climática como eles, saídos dos seus 30 a 40 graus para as trincheiras italianas a 20 graus negativos.

Num artigo escrito em 2005, eu dizia dos pracinhas: “Seu preparo militar e equipamento eram insuficientes, diante das nações que haviam desenvolvido uma máquina dispendiosa de guerra, como a Alemanha e os Estados Unidos. A despeito disso, não fizeram feio. Venceram as saudades, os medos e os alemães. Muitos (quase quinhentos) morreram por lá e dormiram no cemitério de Pistóia por anos até serem repatriados. Tiveram muitas de suas histórias contadas por correspondentes de guerra bons de letra, como Rubem Braga e Joel Silveira. Alguns vieram mutilados, e outros — pior ainda — portadores da “neurose de guerra” que os acompanharia pela vida a fora. Embora tivessem sido recebidos como heróis, os governos, por esses anos todos, pouco ou nada fizeram por eles, deixando-os quase no esquecimento. Por outro lado, cineastas filhinhos de papai, ou aproveitadores de verbas públicas, preferiram filmar sobre a vida de personagens estrangeiras, sanguinárias e ditatoriais, como Che Guevara ou Olga Benario Prestes a fazer um filme contando sobre a participação brasileira, rica de episódios, na Guerra da Europa. Não são muitos os que ainda vivem, daqueles mais de vinte e cinco mil que desembarcaram em Nápoles em 1944. Combateram bem e trouxeram muitas condecorações atribuídas pelos superiores e pelos aliados. Superaram deficiências e dificuldades, e se alguma vez se pôs em dúvida sua coragem, foi só antes de começarem os combates. Talvez parecessem anacrônicos hoje, quando se prega, como virtude, a covardia”.

De fato, faltou a esses combatentes, na volta da Europa, o reconhecimento. Já na Itália, finda a guerra, foram desmobilizados, em ato precipitado do governo. Explica-se: Getúlio Vargas temia as ideias democráticas dos americanos e ingleses que nortearam a derrubada das ditaduras da Europa e só toleraram momentaneamente o comunismo de Stálin, pois dele necessitavam para vencer a guerra.
As lideranças brasileiras do Exército e dos combatentes na Itália estavam impregnadas dessas mesmas ideias: generais como Gois Monteiro, Mascarenhas de Morais, Zenobio da Costa, Gaspar Dutra, Cordeiro de Farias e muitos coronéis (como Aguinaldo Caiado de Castro, nascido no Rio de Janeiro, mas filho de goianos) e tenentes-coronéis (como Humberto de Alencar Castello Branco) questionavam, em suas consciências, a já longeva ditadura Vargas.

A desmobilização fazia parte da tentativa de Getúlio Vargas de neutralizar politicamente essas lideranças. De nada adiantou: foram elas mesmas que depuseram o ditador em outubro de 1945.
Com a queda de Getúlio Vargas, houve uma lembrança de apoio aos ex-combatentes, já no fim do governo Dutra: a Lei 1.147, de 1950, facilitava a compra de habitações e abria algumas portas (estreitas, é verdade) para o serviço público aos pracinhas.
Mas Getúlio Vargas voltaria ao governo, sendo eleito naquele 1950, e eles voltariam ao esquecimento; dele somente sairiam no regime militar, com a edição da lei 5.315, de 1967, que dispensava a eles cuidados de aposentadoria e saúde, bem como a possibilidade de aproveitamento em concurso público, desde que enquadrados nas exigências do edital.

Ocorre que nem mesmo esses benefícios foram de ajuda a todos os ex-combatentes. Muitos já haviam falecido em meio a necessidades, outros sequer tomaram conhecimento de seus direitos legais e muitos outros viviam em Estados que não estendiam à esfera estadual os modestos benefícios que lhes conferiam a lei federal.
Com o fim do regime militar, foram lembrados na Constituição de 1988 (no artigo 53 das Disposições Transitórias) e no governo do ex-presidente Fernando Collor, pela Lei 8.059 de 1990, que criou para os ex-combatentes, todos agora idosos, uma pensão especial.
Mas nos governos Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff e Lula da Silva, por ser a queda de João Goulart associada a líderes militares da FEB, nossos ex-combatentes seriam objeto até de um certo desprezo.

Um exemplo: em 2005, os governos europeus promoveram grandes festejos para comemorar os 60 anos do final da Segunda Guerra Mundial. Praticamente todos os chefes europeus de países afetados pelos combates compareceram a essas comemorações. A eles se somaram chefes dos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Mas a única nação latino-americana a combater na Europa, o Brasil, não tomou conhecimento dessas solenidades.
Participar delas, no juízo tacanho de Lula da Silva, que era presidente, Celso Amorim, que era chanceler e do ministro da Defesa, José de Alencar (que também era vice-presidente), era enaltecer os militares, coisa que não fariam. Ninguém foi enviado para representar o Brasil nas solenidades. Sequer compareceu qualquer autoridade civil expressiva a uma cerimônia realizada pelas Forças Armadas, no Monumento aos Pracinhas, no Rio de Janeiro. Uma afronta aos militares, um desrespeito a quem enfrentou os nazistas na Europa, e um simbólico tapa no rosto de quem morreu em combate. Coisa de gente rasteira.
Escrevi na época um artigo a respeito, indignado com o descaso não só com os poucos pracinhas sobreviventes, mas com os mortos e com a própria memória nacional. Recebi dias depois, carta de Brasil Segurado, presidente da Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, seção de Goiás, agradecendo o artigo. Um trecho da missiva: “De fato, o alheamento a essa lembrança por parte de nossas autoridades maiores, enquanto o mundo todo a reverenciava, provocou em todos nós, da FEB, uma imensa sensação de abandono, a par de uma não menor tristeza ante total esquecimento da participação dos brasileiros no conflito. Se não tivemos a manifestação do presidente da República, esse silêncio se tornou imperdoável ou até ofensivo, em se tratando do ministro da Defesa, José de Alencar, também vice-presidente”.
Na mesma carta, o presidente da Associação relatava mais um ato verdadeiramente mesquinho, do governo Lula da Silva. Tratava-se de uma medida originária, embora não dissesse com todas as letras, do Ministério da Defesa, criado por Fernando Henrique Cardoso para diminuir os militares e então ocupado pelo vice-presidente de Lula Silva, José de Alencar: as honras militares, que os pracinhas mortos recebiam em seus velórios desde o final da guerra, estavam suspensas, a menos que se tratasse de oficiais. A esquerda no governo, por antipatia aos militares, negava aos ex-combatentes a última despedida solene, a despedida na morte. Não só lamentável como inexplicável. Dos 25 mil e tantos combatentes na Itália, hoje restam, e na casa dos 90 ou 100 anos, talvez uma centena ou poucos mais. Que o Criador dê a eles, quando também fizerem a marcha final, o reconhecimento e o descanso que aqui não tiveram.