Há os “progressistas” e outros “predadores”. O país superou Argentina e Venezuela não por causa do Estado, e sim devido aos produtores rurais e empresários

Há alguns dias a comentarista de economia Rita Mundim, da Rádio Itatiaia de Belo Horizonte, mostrava o quadro abaixo:

As perguntas que invariavelmente saltam são: o que teria ocorrido com a economia venezuelana, riquíssima em petróleo (a mais líquida das commodities), para que decaísse 90% em apenas seis décadas?

E com a economia argentina, para se ver reduzida quase à metade, enquanto a economia brasileira, que antes representava cerca de um terço, se fortalecia e saltava para a metade de tudo que se produz hoje no subcontinente?

As respostas estão no que relaciona governo e empresariado. Enquanto na Venezuela se substituiu o empresariado pelo Estado e na Argentina a intervenção estatal avançou a passos largos e sufocou a atividade privada, no Brasil o empresário, no campo principalmente, resolveu ignorar tanto quanto possível o Estado e se lançar na sua faina de progresso.

Nem precisamos falar da corrupção. Ela foi total na Venezuela, engolfou até as Forças Armadas e se associou ao narcotráfico. Permeou toda a cúpula governamental argentina, que, se não se associou, financiou-se também no narcotráfico.

No Brasil, em números absolutos, a corrupção foi gigantesca, maior que a dos vizinhos, mas nossa economia, também mais robusta, absorveu melhor os choques. Mas há indícios de que o tráfico já bate à porta de nossos políticos também.

As elites estatais, nos três países, têm acobertado os responsáveis pela corrupção. No Brasil, em particular houve, com a Operação Lava-Jato, uma tentativa de combate ao roubo de dinheiro público que, se foi sufocada pela cúpula estatal nos três poderes, não deixou de assustar os corruptos e inibi-los durante algum tempo.

O mais impressionante é ver como o empresariado brasileiro conseguiu se isolar da ação nefasta do Estado, ao menos nos setores primários de produção, e avançar como avançou. É verdade que, nessas seis décadas, tivemos 25 anos de regime militar, quando o empresariado não foi açulado pelas esquerdas.

E enquanto as esquerdas dominavam totalmente a Venezuela, e avançavam no Estado argentino, tivemos os oito anos de Fernando Henrique, um governo de esquerda envergonhada e muito dependente do empresariado, que achou melhor não o fustigar. E os seis anos de Temer e Bolsonaro, em que o “progressismo” se recolheu, sem falar no recolhimento provocado pela Lava-Jato, que durou dois ou três felizes anos, antes de seu desmonte. Mas, não nos iludamos, estamos muito perto do abismo, mesmo no Brasil.

Causa espanto ver que na América Latina, no Brasil inclusive, ainda persiste uma crença nos regimes socialistas, falidos em todos os locais do Mundo em que foram implantados, independentemente de geografia, raça ou cultura. Como explicar esse fenômeno de autodestruição? É que a pirâmide social que sustenta essa crença tem:

No seu topo, os beneficiários diretos de um regime de força como esse: não são muitos, e são os que nele e apenas nele, conseguem o grande sucesso financeiro e político que não vem do esforço e do mérito empreendedor, mas da astúcia política e de suas manobras, do aproveitamento do Estado e da exploração de suas benesses, sem falar dos lucros da corrupção.

Na URSS chamavam-se a Nomenklatura. Aqui, estão encastelados nas altas cúpulas dos três poderes e dos partidos políticos de esquerda e hoje movem os cordéis, usando os recursos do Estado, o dinheiro e a força inclusive, para manejar os de baixo. Conhecem a história, não ignoram os sacrifícios da grande massa nesses regimes, sabem que muito sofre a classe trabalhadora e pagadora de impostos, que não se percebe usada para a manutenção desses propósitos de dominação.

Seguindo o filósofo Gramsci

Mas para essa cúpula, isso pouco importa, em sua insensibilidade para tudo que não seja a manutenção do poder e sua ampliação. A cúpula conta com a apatia de nosso povo, e conhece o que demonstrou Antonio Gramsci, o mais inteligente filósofo comunista: o poder não se toma pelas armas, mas pela conquista persistente de adeptos no meio político, no meio artístico, na imprensa, nas universidades e até nas igrejas.

Logo abaixo, na pirâmide, vem a segunda camada, mais numerosa: a massa de aproveitadores, a qual, ainda que ignorante da maior parte da história dos regimes de esquerda e de seus efeitos maléficos, têm alguma noção dessa história e desses efeitos, mas é incapaz de se libertar da indolência e da incapacidade e só sabe viver dentro da proteção direta ou indireta do Estado.

Pouco se lhe dá o que acontece com a grande população trabalhadora e pagadora de impostos abaixo, ou o que aproveita a cúpula corrupta acima, desde que, em sua mediocridade, mantenha seu privilégio, seja ele um mandato, ainda que inexpressivo, um cargo imponente ou um emprego bem remunerado em qualquer dos três poderes, mas não muito exigente física ou intelectualmente, desde que importante.

Mais perto da base, em terceiro lugar, uma mescla mais ruidosa. Ela conhece a história e o fracasso dos regimes de esquerda, mas tem uma deficiência cognitiva que a impede de interpretá-los devidamente. Também adepta do Estado que cuida de todos, desde o berço até a sepultura e livra seus súditos das preocupações mundanas, não aceita que tal promessa de felicidade não se cumpra. Se não se cumpriu em lugar algum, no seu torto entender, é porque não foi aplicada com todos os devidos cuidados, não porque seja naturalmente utópica. Então, é preciso tentar mais uma vez.

Nesta nova experiência, o comunismo vai dar certo — pensam. Esse pensar já causou hecatombes. Mas ainda insistem nele, principalmente em nossas vizinhanças e aqui mesmo. Nessa vasta camada estão os artistas, os jornalistas, os professores, os religiosos transviados, os sindicalistas, enfim uma enorme fauna “progressista” às vezes competente nalgum campo da atividade humana, muitas vezes bem-intencionada e honesta, mas incapaz de ler no livro da natureza. E que não dispensa uma vantagenzinha pecuniária, que os da cúpula, sabiamente, lhes atiram.

E finalmente, na vasta base dessa pirâmide achatada, a massa de manobra que as camadas de cima usam para atingir ou manter suas metas de poder: o eleitorado mais ignorante, menos escolarizado, mais desinformado, mais intoxicado por uma mídia militante, mais dependente, voluntaria ou involuntariamente dos favores dos governos, completamente desconhecedora da história, do caráter dos políticos que elege ou que aclama, tangida pelos “coronéis” sem escrúpulos locais. Na sua simplicidade, engole todas as balelas que lhe servem, sem conhecer sequer uma fração do que lhe espera, se tomar o remédio que seus orientadores públicos lhe prescrevem.

Quanto mais deficiente foi sua educação, quanto mais deformadas as notícias que recebe, quanto mais se parecem favores as atuações básicas dos governos que ajudou a eleger, mais ignorante e cativo ele se torna dos que estão acima dele no corpo da pirâmide. Não admira que a cúpula não se interesse pela melhoria da educação no país. Essa base vota com ela, e representa cerca de um quarto do eleitorado. Os três primeiros grupos, os de cima, constituem o establishment. O quarto grupo, os inocentes úteis, mas principalmente, as vítimas maiores desse abjeto e autoritário plano de dominação social. E é preciso que todos os brasileiros de compreensão e responsabilidade nos conscientizemos: estamos mais próximos do que pode parecer de uma derrocada econômico-ideológica como a dos nossos vizinhos venezuelanos e argentinos.