Se o leitor indagar de seus amigos sobre deficiências em nosso atendimento da saúde pública, conhecerá certamente casos que lhe causarão muita indignação.

Como o que passo a relatar: um empresário amigo meu tem um funcionário — um motorista — que reside na vizinha Senador Canedo. Recentemente, esse funcionário, num acidente doméstico, fraturou um artelho. Passou a noite com muitas dores e, logo cedo, foi a um posto médico, onde uma radiografia mostrou a fratura, quase exposta.

O médico de plantão receitou um analgésico e disse ao rapaz que, não sendo ortopedista, não poderia fazer uma imobilização. Que fosse para casa e que aguardasse enquanto era localizado um ortopedista do SUS para atendê-lo.

No outro dia, já quase à noite, sentindo as dores da fratura, pois o efeito dos analgésicos havia passado, ele recebeu uma ligação do posto: não havia em Goiânia um ortopedista do serviço em condições de atendê-lo; que deveria se dirigir a Itumbiara, onde seria atendido pelo ortopedista Fulano de Tal.

O leitor pode imaginar o desassossego do doente, sabendo que teria que se dirigir (com fortes dores no pé) a uma cidade a 200 km de distância para uma simples imobilização. Felizmente, seu empregador, sabendo disso, providenciou sua ida imediata a uma clínica particular, onde o problema se resolveu em poucos minutos.

Inúmeros casos semelhantes, e muito mais graves, são conhecidos, via da imprensa ou de relatos dos próprios pacientes. Há quem perca a vida, por demora no atendimento.

E vem a inevitável pergunta: tem que ser assim? Esse estado de coisas, que atinge os de menores posses, os que não podem pagar um médico particular ou um plano de saúde confiável, pode ser diferente?

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Lição de eficiência e humanidade de Portugal

A resposta quem dá é um outro amigo, que participa, já há cinco anos, de um empreendimento em uma cidade do interior de Portugal. Foi informado, antes de sua ida, de que teria atendimento pela saúde pública portuguesa, desde sua chegada, graças a um convênio existente, entre o INSS e o SNS (Serviço Nacional de Saúde) — o SUS de lá.

Mas que obtida sua condição de residente, teria o mesmo atendimento que os cidadãos portugueses, um pouco mais abrangente. Certo dia, logo no início de sua estada, acordou com enorme mal-estar, e julgando se tratar de um infarto, pediu à esposa que o levasse ao hospital mais próximo — que era um hospital do SNS.

Na recepção, informou seu estado de emergência. Quinze minutos depois era atendido por uma médica cardiologista que imediatamente procedeu aos primeiros exames, e no eletrocardiograma diagnosticou uma elevação de pressão que foi tratada com medicação, enquanto se aguardava o resultado dos exames de sangue.

O nosso amigo foi acompanhado pela médica durante quase todo o dia, até que um diagnóstico preciso fosse estabelecido (felizmente não havia infartado) e seu estado estivesse estabilizado.

Pagou uma ninharia por todo o atendimento, incluindo a medicação e exames. Noutra feita, em casa, já de posse de seu cartão de residente, recebeu um telefonema de um cidadão, que se identificou como seu médico de família, informando o telefone onde poderia ser chamado em casos de urgência e o endereço de atendimento nos casos de rotina.

Contou-me ainda que recentemente foi avisado, também por telefone, que as vacinas contra gripe estavam disponíveis e foi pedido que agendasse dia e hora para vacinação dele e dos familiares (de graça, diga-se). Viu que o SNS funciona, e em sua página na internet, soube que:

— O atendimento de emergência, para quem adoece em Portugal não pode ser negado, mesmo que o usuário (que lá se chama utente) seja um imigrante em condição irregular.

— O SNS faz atendimentos de emergência, atendimentos de rotina, vacinações e subsidia alguns medicamentos.

— Embora alguns exames rotineiros exijam certa espera, dado a sobrecarga, os atendimentos de urgência são obrigatoriamente imediatos.

— Lá existe o médico de família, que atende a emergências no próprio domicílio do utente, e que no posto de saúde faz os primeiros exames nos demais casos, e encaminha o utente a um especialista, se for o caso. Além disso, dirige as vacinações das famílias sob seus cuidados.

— O utente, em seus atendimentos, paga taxas bem accessíveis. Mas é atendido de graça se é: grávida; criança até 12 anos; deficiente físico; doador de sangue ou órgãos; transplantado; bombeiro; militar; pessoa comprovadamente pobre.

— Alguns medicamentos são subsidiados, como os hormonais, que têm desconto de até 90% e os anti-infecciosos e reguladores de pressão, que têm descontos de até 2/3.

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Brasil gasta menos com saúde do que gasta Portugal

Em resumo, o SNS, o serviço público de saúde português, funciona, com eficiência e respeito ao povo que o sustenta com seus impostos. E volta a pergunta: o SUS tem que ser como é? Não poderia ser como é o SNS português e atender bem e com razoável rapidez nossa sociedade, principalmente a parte mais necessitada dela?

A dolorosa resposta é que sim, o SUS poderia atender como o SNS português, pois Portugal não é um país rico, embora tenha renda per capita maior que a do Brasil.

Aliás, na Europa, é visto como país pobre, só não mais pobre que as nações do Leste Europeu, cujas economias, apesar do esforço de suas sociedades, ainda sentem o desastre do regime soviético, que as asfixiou por cinco décadas, e que ainda pesa, trinta anos depois de esfacelado.

Por que o SUS não funciona? É a pergunta que vem em seguida. A resposta, ainda que complexa, está na ação da elite política que rege a Nação.

Está nas leis inadequadas, nos orçamentos que tiram do que é essencial para a sociedade para contemplar o que é até supérfluo para as camadas superiores. Está nos gastos excessivos da máquina pública voltada para si mesma, nos ministérios inúteis, que não beneficiam a população, mas servem de cabides de empregos para os “companheiros”, o mais das vezes incompetentes ou indolentes, nas verbas que nunca chegam intactas à sua destinação final, na corrupção que parece nunca conseguiremos extirpar, e que ressurge como uma Fênix, a cada corajosa tentativa de acabar com ela.

Para termos uma saúde pública de qualidade, em resumo, três coisas faltam nas elites dos três poderes: vontade de mudar, competência e honestidade. A questão não é a falta de dinheiro, mas na sua aplicação inadequada. Vejamos um exemplo do desequilíbrio na aplicação de recursos públicos na comparação abaixo:                                                              

Proporcionalmente, o Brasil gasta com saúde cerca de metade do que gasta Portugal. Mas, com o aparato judiciário, gasta quatro vezes mais do que gastam os portugueses. Dito de outra forma: Portugal gasta com saúde dezesseis vezes mais do que gasta com sua máquina judiciária. O Brasil gasta cerca de duas vezes. E a Justiça portuguesa não é pior que a brasileira. Este é apenas um exemplo, e a conclusão é óbvia: gasta-se pouco no Brasil com daúde, vis-à-vis outros setores da administração que são menos cruciais.