À luz fria dos fatos, que devem (ou deveriam) nortear toda notícia, temos que admitir uma divisão meio a meio da sociedade brasileira, entre seguidores dos dois mais evidentes líderes políticos do momento, o presidente Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

É inegável também que a metade mais informada, mais esclarecida, mais produtiva da sociedade, senão optou por Bolsonaro, ao menos votou contra Lula da Silva.

Nem há como negar, também, que imprensa e cúpula do Judiciário fizeram sua opção, se não a favor de Lula da Silva, pelo menos contra Bolsonaro (houve até ministro do STF que declarou publicamente sua posição na derrota do bolsonarismo).

São fatos inegáveis, que mostram uma fratura social que pode levar a um conflito, se o governo não atender ao mínimo de aspiração social que dele se espera — e parece, passado um ano e três meses de sua instalação, que nada consegue atender.

Bolsonaro poderia ter vencido Lula?

Poderia o resultado das urnas ter sido outro, e Bolsonaro ter sido eleito? À mesma luz fria dos fatos, a resposta é sim.

Bolsonaro teve uma qualidade: despertou na comunidade brasileira valores adormecidos, mas essenciais para um desenvolvimento civilizado visando uma sociedade com maior qualidade de vida: liberdade, honestidade no tratar o próximo e a coisa pública, respeito à propriedade, valorização familiar, patriotismo, afastamento de ditaduras, consideração com a crença religiosa de cada um etc.

Por isso sua liderança política permaneceu quase intacta após a derrota. Respeitando democraticamente a visão dos opostos, não é fácil, e não só para a metade do Brasil que a ele se opõe, encontrar em Lula da Silva uma qualidade cívica qualquer que o credencie para o cargo que ocupa.

Mas se o desfecho das eleições não foi a vitória de Bolsonaro, mas a de Lula da Silva, ainda que por pequena margem, por que o resultado foi esse?

Faltou audácia a Jair Bolsonaro

Os fatos — sempre eles — mostram que em ao menos dez vezes, seis delas antes do pleito, Bolsonaro não mostrou cuidado, autoridade, força ou a audácia que se exigem das lideranças. Faltou assessoria? Sem a menor dúvida, a menos que o ex-presidente, por sua própria personalidade, não a aceitasse. Comprovadamente, faltou audácia a Bolsonaro, o que costuma ser fatal para um líder. Isso, em ao menos em dez ocasiões. 

1

Quando não desvendou, com toda sua força de presidente da República, quem foram os mandantes de seu assassinato (felizmente frustrado), durante a campanha eleitoral.

O titubeio do Presidente soou indesculpável, pois as evidências de mandantes poderosos estavam à vista, a começar pela imediata presença, no local do crime, dos caros advogados que ninguém sabe quem pagou. Esclareceu-se o assassinato de uma vereadora inexpressiva, do submundo carioca, mas não se esclarece o mesmo crime (em tese) visando o político máximo do país, estando ele em exercício? Fraqueza inaceitável.

2

Quando, em 2020, acatou proibição, por parte do ministro Alexandre de Moraes, de nomear para diretor-geral da Polícia Federal o delegado Alexandre Ramagem.

A atribuição constitucional indiscutível era do presidente da República, mas ele não fez valer sua prerrogativa e sua autoridade. Encolheu-se, e começou então uma escalada do STF sobre o Executivo, com enorme desgaste para este.

Como se diz no Centro-Oeste: arrombada a porteira, passa a boiada inteira.

3

Quando, em 2021, acatou, sem discutir, do mesmo ministro Alexandre de Moraes, em decisão individual, a proibição de prosseguir com as obras da Ferrovia do Grão, acionado por um pedido do PSOL.

A pedido de um partido inexpressivo, com base em argumento frágil (possibilidade de danos ambientais), paralisou-se a talvez mais importante obra para a economia do País. E o presidente aceitou calado.

4

Quando, em 2021, Lula da Silva foi “descondensado” pelo ministro Edson Fachin, não por falta de provas, mas por um detalhe processual de somenos.

Foi um dos fatos mais graves da República, pois um advogado feito ministro pelo PT, que deveria se declarar suspeito, anulou as sentenças de nove juízes experientes, de três instâncias diferentes.

Bolsonaro deveria ter reagido firmemente, mas nada fez. Reagir como, perguntará o leitor, e não temos resposta. Caberia ao chefe do Executivo se assessorar e se armar juridicamente para combater o absurdo, mas nunca o aceitar sem qualquer movimento de protesto ou reação. Um verdadeiro golpe jurídico cometido, e que acabou levando Lula à Presidência da Repúblida. 

5

Quando acreditou que as grandes concentrações populares significavam garantia de reeleição. A colunista Bruna Frascolla, do jornal Gazeta do Povo, produziu nesta semana uma frase que se aplica bem ao caso: “Povo na rua não é poder”. As grandes concentrações promovidas por Bolsonaro antes das eleições em nada alteraram a disposição ou as ações do STF e da imprensa que beneficiariam Lula. Fazer pesquisas sérias, analisá-las e tomar medidas cabíveis para ganhar mais eleitores seria mais produtivo. Mas cadê assessoria?

6

Quando também não se assessorou quanto a fatos que poderiam ter grande repercussão na imprensa que lhe era sabidamente hostil.

Por exemplo, quanto às joias recebidas de presente na Arábia Saudita.

Com Lula da Silva, tais cuidados eram desnecessários. A imprensa em nenhum momento o condenaria, como não condenou, pelos mesmíssimos pecados.

Mas Bolsonaro tinha por obrigação saber que não lhe perdoariam deslizes. Alguém experiente deveria estar ao seu lado para adverti-lo de que existia uma norma que regulava aquele tipo de oferenda, e o que seria de seu uso pessoal e o que teria que ser entregue ao patrimônio público. E seguir à risca essas normas, sem dar margem a acusações de jornalistas parciais.

Esses titubeios enfraqueceram a autoridade presidencial, fortalecendo e dando folego aos adversários. Mesmo após a derrota, Bolsonaro cometeu seus vacilos. Citemos alguns:

7

Quando, perdidas as eleições e presos seus mais fiéis seguidores, que acampavam em frente aos quartéis, não tomou uma atitude firme de defesa e solidariedade a esses cidadãos, muitos deles inocentes, presos assim mesmo.

8

Quando, às vésperas da posse de seu adversário, viajou para os EUA, deixando acéfalas suas tropas eleitorais, enquanto os petistas mais comprometidos com a corrupção voltavam exultantes, tripudiando sobre a Nação. 

9

Quando promoveu a concentração de 25 de fevereiro passado na Avenida Paulista. Sem dúvida, foi uma demonstração de força popular, e uma grande demonstração, mas e daí? Em que isso afetou o poder estabelecido governo petista-Judiciário-Imprensa?

No mesmo dia, a Polícia Federal (agora polícia de Lula da Silva, como disse Flávio Dino quando ministro da Justiça) constrangia um jornalista estrangeiro que veio cobrir o evento. A concentração acabou sendo apenas um belo e grandioso espetáculo pirotécnico.

10

Quando, recentemente, o ex-presidente, tendo entregado seu passaporte por ordem judicial, pernoitou na embaixada da Hungria, dando margem à interpretação de que buscava refúgio por receio de uma prisão.

Onde a assessoria para mostrar a Bolsonaro o que poderia ocorrer — e ocorreu — com um líder sendo acusado de tentar fugir de seu país para não ser preso, e sendo obrigado a prestar esclarecimentos ao ministro Alexandre de Moraes?

Quanto constrangimento poderia ter sido evitado. Audentis fortuna juvat (A sorte protege os audaciosos), diz o escritor Virgílio, no livro “Eneida”. Melhor assessoria e um pouco de audácia da parte de Bolsonaro teriam feito a diferença (pequena) que faltou.