Leis brasileiras contemplam redução de pena, prescrições de crimes e atenuação de regimes que o sistema norte-americano desconhece

O escritor, diplomata e acadêmico Clodomir Vianna Moog (1906-1988), autor de bons romances, como “Um Rio Imita o Reno” e “Uma Jangada para Ulisses”, escreveu em 1954 também um tratado social, denominado “Bandeirantes e Pioneiros”, uma tentativa de explicar o descompasso entre os desenvolvimentos norte-americano e brasileiro.

“Bandeirantes e Pioneiros — Paralelos Entre Duas Culturas” (José Olympio, 448 páginas) é um clássico de nossa literatura histórica e traz à discussão razões interessantes, embora esteja, em boa parte, ultrapassado pelo desenvolvimento científico e tecnológico, que ilumina mais a evolução dos povos, permitindo melhor sua compreensão. Afinal, já se passaram quase setenta anos desde o lançamento do livro. Digo isso para lançar à discussão os dez temas abaixo, que ao menos em aparência nos colocam em desvantagem econômica e social com os EUA. Fica para o leitor interessado no assunto desenvolvê-los, criticá-los e lançar novos temas. Embora tenhamos nossas vantagens, por que estamos em atraso quando comparados com os norte-americanos, se eles são mais novos em quase um século de história? Eu discutiria atualmente os seguintes campos: 1 – Educação; 2 – Justiça; 3 – Estatismo; 4 – Segurança; 5 – Funcionalismo; 6 – Liberdade; 7 – Infraestrutura; 8 – Drogas; 9 – Establishment de esquerda; 10 – Corporativismo legislativo.

Comecemos, pois, com algumas considerações, resumos na verdade, para que caibam em um artigo como este.

1 — Educação
A Paixão da Criação, de Leonid Pasternak

A julgar pelas agências internacionais de avaliação do ensino, e que dificilmente podem ser contestadas, nossas escolas estão a pedir, urgentemente, uma completa reformulação. No ensino primário e no médio, estamos entre os últimos do mundo em qualidade e aproveitamento, com altíssimo nível de evasão e produzindo analfabetos funcionais. Comparando, enquanto nos EUA o ensino é valorizado e voltado, de início, para o desenvolvimento do raciocínio, para atividades práticas, para o aprendizado de matemática, inglês e história, e com esta o conhecimento dos valores morais e de convivência social, no Brasil não há uma valoração da carreira do magistério, os currículos são sobrecarregados com matérias que poderiam ser eletivas, foram contaminados com a ideologia e há um descaso com o ensino do que antes chamávamos “moral e cívica”.

As universidades dos EUA são pagas, professores e dirigentes são escolhidos pela excelência intelectual, alunos pela aptidão pelo aprendizado. Vai para a universidade quem quer aprender e ser um bom profissional de mercado ou cientista de renome.

No Brasil há o ensino universitário gratuito, a atribuição de “quotas para minorias”, professores não precisam demonstrar excelência em seus campos, com poucas exceções, principalmente nas universidades públicas, mas pertencer ao establishment esquerdista; dirigentes são escolhidos demagogicamente pelos corpos funcional, discente e docente. Há um super-emprego (90% das verbas universitárias vão para salários). Pelo menos a metade dos estudantes vai para a universidade porque quer um diploma ou um emprego público.

As posições de nossas universidades no ranking mundial são vergonhosas. Como resultado, temos formado cidadãos menos preparados para o convívio social, menos aptos para escolher pelo voto seus dirigentes, menos atentos aos recursos públicos e seu emprego, mais tolerantes com a corrupção, além de profissionais menos qualificados.

2 — Justiça

Não há como negar que a justiça brasileira, se comparada à norte-americana é: a) mais lenta; b) mais complacente, e por isso pouco eficiente; c) menos fiscalizada e por isso, algumas vezes, menos correta. Isto se deve às estruturas judicantes diferentes entre os dois países.

No Brasil, o juiz se pauta pelo direito romano, pelo chamado direito civil, e age pelo texto das leis escritas e codificadas. Como se diz comumente, “se guia pelos autos, neles fala e por eles julga”. Sua base de atuação são os documentos escritos, as manifestações em papel das partes, maçudas, frias e no mais das vezes confusas.

Nos EUA, o juiz segue o direito anglo-saxão, o chamado direito comum, baseado nos costumes e na jurisprudência. A oralidade é a base dos processos. Advogados e promotores discutem entre si, buscam a convergência, discutem-na com o juiz, que a aceita ou exige que a aprimorem, e dá sua sentença. É enorme a diferença de atuação.

Daí a lentidão da Justiça brasileira. Enquanto nossos juízes devem julgar quase todos os processos, nos EUA apenas cerca de 5% deles são objeto de julgamento exclusivo do juiz. Os 95% chegam até ele já acordados entre as partes e aceitos pelo réu. O juiz terá eliminado suas dúvidas nas conversas que teve com advogados e promotores, no mais das vezes em conjunto. Aqui há uma prevenção quanto a essas oralidades, existindo juízes que não conversam com advogados. Recentemente, foi julgado suspeito pela Supremo Tribunal Federal um juiz que dialogava com promotores. Enquanto um processo, por mais intrincado que seja, nos EUA se resolva no máximo em cinco anos, aqui temos processos se arrastando por muitas décadas, e só julgados após a morte das partes. E a oralidade esclarece mais o juiz e dá mais segurança ao julgamento.

Lei protegem o criminoso e não a sociedade

Daí também a leniência. As leis escritas brasileiras muitas vezes parecem proteger o criminoso e não a sociedade, e na falta delas o juiz absorveu essa complacência no exarar suas sentenças. Nossas leis contemplam reduções de pena, prescrições de crimes e atenuação de regimes que o sistema norte-americano desconhece. Um pequeno exemplo: nos EUA crimes de morte não prescrevem.

No Brasil, são prescritos em vinte anos. Nossos juízes adotam medidas que chegam às raias da temeridade, pois seguem as leis, e prescrevem no mais das vezes as penas mínimas, dado a exigência de uma política de direitos humanos que se consolidou nas últimas décadas. Isso ocorre em todos os níveis: desde as comuns audiências de custódia até as medidas da Suprema Corte, como a que proibiu recentemente ações policiais nas comunidades cariocas durante a pandemia. Como resultado, temos nas ruas uma legião de criminosos que soltos, estão novamente delinquindo, e isso vale para os traficantes de droga, para os assassinos em série como o recente Lázaro Barbosa e para os políticos graúdos que além de tudo, pagam com nosso dinheiro seus caríssimos advogados.

Finalmente, falemos da fiscalização da atividade judicial. Há uma imensa diferença entre a nomeação e o acompanhamento de um juiz aqui e nos EUA. O juiz brasileiro presta um concurso, é nomeado, dois anos depois é estável, vitalício, e só é fiscalizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que não tem como estender a todo o Judiciário uma ação fiscalizatória.

Além disso, se um juiz age com má fé ou desonestidade e isso é comprovado, a pena para ele é uma aposentadoria com salário integral (que não é pequeno). É da lei.

Nos EUA, a nomeação de juízes varia de Estado para Estado, segundo as constituições locais. Mas de uma maneira geral, juízes são eleitos pela população por um período que varia conforme a unidade federada (cinco anos, na média), embora exista a reeleição. Juízes são avaliados por comissões em que costumam estar presentes outros juízes, advogados e cidadãos comuns. Como existem muitas variações entre as legislações estaduais, tome o leitor as presentes considerações como medianas, nos EUA. Mas, de qualquer forma, mostram as diferenças, que nos são amplamente desfavoráveis.

Discutirei, nas próximas edições, os outros temas. Mas na aparência, nossa atuação em todas essas áreas, tal como andam as coisas, se não mais nos afasta dos norte-americanos no desenvolver nossa pátria, também não é de molde a promover nossa aproximação.