Do escravo ao homem livre, foi longa a caminhada do respeito ao indivíduo contra a prepotência do Estado. Alguns marcos na Idade Média foram significativos nesse processo.

Destaca-se a Carta Magna (1215), que surge como primeiro diploma histórico a incorporar o elemento faltante na Antiguidade: a defesa do indivíduo contra o Estado. Nesse momento, o poder do rei João Sem Terra foi limitado e foi obrigado a acatar os direitos estabelecidos para cada estamento social (clero, nobreza, súditos), além de respeitar a liberdade de ir e vir, a propriedade privada e o princípio da pena proporcional ao delito praticado.

O que a impede de ser reconhecida como uma declaração de direitos humanos é sua não universalidade, ou seja, seu reconhecimento restringe-se aos súditos ingleses.

A universalidade aconteceu com o primeiro grande marco na criação de direitos e garantias fundamentais à existência digna do ser humano em 1789, mais especificamente na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, escrita durante a Revolução Francesa.

Há 234 anos, Direitos Fundamentais foram definidos por serem reconhecidos como condição essencial para assegurar uma vida digna ao cidadão: o direito à vida, a igualdade perante a lei, a liberdade de expressão, a liberdade de religião, a liberdade de circulação, direitos de propriedade, o direito a ter um julgamento justo e direito de voto.

Pintura de Joos van Craesbeeck

Ainda que aprovados universalmente os Direitos Fundamentais que dizem respeito à liberdade do ser humano têm sido violentados nas tiranias, ditaduras e mesmo nas democracias mais frágeis. Na prática esses direitos são desrespeitados quando:

— a vida não é assegurada quando os bandidos são considerados vítimas da sociedade;

— a igualdade perante a lei não é uma realidade. Alguns são mais iguais do que os outros;

— a liberdade de expressão está longe de ser uma realidade. Há uma censura explícita e uma velada às críticas ao governo;

— os direitos à propriedade são violentados pela existência do Movimento dos Sem Terra (MST) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que invadem propriedades indiscriminadamente;

— e a liberdade de circulação é inexistente nos centros urbanos onde os assaltos acontecem a toda hora.

Sob o título cunhado pelo socialismo — a finalidade social da propriedade — cujo julgamento fica à critério dos ditos movimentos populares, invadem-se fazendas e prédios, nos campos e nas cidades. A tolerância com as invasões de terras e edifícios é, portanto, um desrespeito à Constituição. A propriedade privada como um dos direitos fundamentais não permite adjetivação. Não pode existir um critério a título de finalidade social que permita violar um direito consagrado.

A finalidade social da propriedade é uma excrescência. Ela teve o seu auge na Revolução Comunista (1917), na Rússia, em que as casas particulares eram divididas entre muitas famílias para não deixar espaço ocioso. A ocupação de terras, produtivas ou não, é o equivalente em maior escala a de uma casa particular. Ao aceitar a ocupação de um tipo de propriedade (fazenda), hoje, estamos nos encaminhando para que o mesmo aconteça com  a casa em que moramos. Se usamos só um cômodo os outros poderiam ser enquadrados no princípio do uso social da propriedade. Por que não? Não por menos, para alertar os espíritos, o poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa escreveu o oportuno poema “No caminho com Maiakóvski” (do qual publico o trecho a seguir):

“Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.”

A propriedade privada surgiu na história por influência religiosa. Na antiguidade, por não existirem ainda cemitérios públicos, os mortos eram enterrados nos quintais das casas. Abandonar uma moradia equivalia a deixar para trás os seus mortos. Sendo assim, a propriedade tornou-se sagrada. Ela tinha o seu destino sujeito à vontade do seu proprietário. Entre elas o direito à herança. O direito à propriedade privada é portanto um direito fundamental que permite ao indivíduo dispor do que adquiriu honestamente da maneira que melhor lhe aprouver. Restrições ao destino da propriedade, com invasões e com tributar a herança, são violências aos direitos fundamentais dos homens inscritos na nossa Constituição, e é ignorar a tradição de que  as heranças são sagradas por prestarem reverências aos nossos antepassados. .