Pequeno guia para escapar do irracionalismo do discurso à Cantinflas
31 março 2024 às 00h01
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O escritor francês Jules Verne (1828-1905), quando escreveu “A Volta ao Mundo em 80 dias”, como não existia o cinema na sua época, não poderia prever que o livro tornar-se-ia um clássico do cinema. Estrelado por David Niven, Shirley MacLaine e o insuperável Cantinflas, venceu o Oscar em 1956.
Cantinflas, nome artístico do comediante mexicano Fortino Mario Alfonso Moreno Reyes (1911-1993), representa no filme Passepartout, o leal parceiro do Philleas Fogg, o aristocrata que apostou fazer a proeza de circundar o mundo em 80 dias.
Mario Moreno criou, na sua carreira profissional, Cantinflas como personagem dono de um discurso prolixo, sem sentido e confuso. O seu discurso de frases enviesadas e atrapalhadas conquistou o público, mas o prejudicou no mercado cinematográfico internacional. Esta figura se tornou na caricatura humorística de todos os prolixos — que falam muito e esclarecem pouco. Caricatura oportuna por abranger a maioria dos discursos humanos.
A prolixidade é alimentada pela confusão das ideias. A síntese, sua contrapartida, é fruto das ideias colocadas de forma lógica, ordenada e racional. Uma mente lúcida encontra na simplificação a sua melhor expressão. O bom discurso ou texto é aquele que tem foco, aborda uma ideia única por vez e tem uma sequência racional. Tem começo, meio e fim. Não exige do leitor/ouvinte esforço para apreender do contexto.
Na essência de um bom texto está a simplicidade. Se é complicado ou muito rico de explicações não é um bom texto. Quantidade de palavras não fazem o conteúdo mais acessível. O discurso à Cantinflas gera muito calor, mas pouca luz. Como em tudo na vida o gênio simplifica e o medíocre complica. Os gênios da humanidade sintetizaram em leis um emaranhado de questionamentos. A lei da gravidade de Newton foi uma delas.
Se a maioria das pessoas aprendessem a colocar as ideias em ordem de forma simples e racional, muitas guerras (pessoais ou sociais) seriam evitadas. Falamos, em uma sociedade, a mesma língua, mas chegamos a diversos entendimentos. Há evidentemente uma carga cultural a influenciar a interpretação dos discursos, mas a forma tem um papel preponderante.
Quando o presidente americano Abraham Lincoln se dirigia para discursar no cemitério de Gettysburg, leu o texto preparado por seus assessores e não gostou. Escreveu no joelho um texto curto, direto, mas denso, que faz parte das antologias dos melhores discursos da história.
O britânico Winston Churchill, com a sua retórica insuperável, não precisou para motivar os ingleses mais do que suas famosas frases de efeito: “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”; ou “Só tenho a oferecer sangue, suor e lágrimas”. E os filhos da terra de Shakespeare continuaram a apoiá-lo como primeiro-ministro, sob o bombardeio das bombas voadoras V 2, que destruíam Londres.
O objetivo de um discurso, escrito ou falado, é transmitir uma mensagem e não encantar os ouvintes com uma verborragia que a par de cansar dilui o conteúdo. Por concisão ou preguiça, fale pouco, escreva textos curtos, mas pense muito para colocar as ideias em ordem, se quiser ser lido e compreendido. Esta constatação me induz a terminar aqui este discurso para não “cantinflar”.